sexta-feira, 28 de dezembro de 2012


Conto:


O  melhor amigo da onça

      Eduardo tinha uma cisma que o irritava: o cachorro do vizinho Anibal.O animal parecia pronto para atacar qualquer  coisa que passasse diante dele. Anibal , que  dizia ser seu amigo,acalmava-o com a  frase típica que todo dono de cachorro bravo diz:
     _Que isso? Ele não morde!
     Eduardo ouviu este refrão várias vezes .E várias vezes se arrependeu por acreditar no seu amigo de bebedeira.Seus  bichos de estimação sempre  foram gatos e todos foram estraçalhados pelo cão de Anibal. O atual sobrevivente também é gato.Mas será que  teria  sete vidas? Os seus antecessores só  tiveram  uma vida,mortos foram enterrados com  as devidas homenagens.Todos  foram mastigados pelo cachorro do vizinho.  O mesmo que dizia  ser seu amigo e que seu cachorro não morde. Nada vivo retorna vivo depois de  entrar  naquele quintal.
     Num dia de domingo Eduardo teve  uma desagradável  surpresa.O gato morreu na boca do cachorro do vizinho que  tentou se  explicar alegando que foi um acidente e  até  pagou  o  funeral do bichano por ver o  quanto transtornado  ele ficou.
     Inconformado Eduardo adotou outro gato ,Mel,  e disse para si mesmo que esse o cachorro  não pega e se pegar  ele nunca mais  teria outro bicho de estimação.Mel era um filhote grande que foi  cuidado com todo carinho e dedicação. Depois de um tempo  Anibal  percebeu que algo acontecia com o gato de Eduardo ,estava maior do que os antecessores, quase do tamanho do cachorro ,Rex.
      Numa noite,num ato de descuido, não muito descuidado, Anibal deixou  o  portão do vizinho e o seu abertos.E aconteceu o encontro  entre o gatão e o cachorro.Brigaram.Rex acabou morto por Mel. O exterminador de gatos foi exterminado pelo gato.Outros vizinhos que  viram o ocorrido,não se arriscaram a  sair de casa. Alguém  lembrou de ligar para o IBAMA e Corpo de Bombeiros para prender o gato.Nessas horas  são os bombeiros que  resolvem.
     Anibal chorou a morte do seu Rex e recebeu os pêsames  de Eduardo.
     _Calma ! Isso acontece...
     _Seu gato matou o meu cachorro?
     _Foi uma  onça, provavelmente de um  criador particular.Ela foi levada para o zoo da cidade._ironizou.
     Eduardo se fez de  desentendido e Anibal chorava  como uma criança  que perdeu o seu brinquedo favorito, soltava  faíscas  de ódio e disse que  seu cão foi vítima de um crime  premeditado.
     _Que isso? Gatos  não mordem! _ironizou de novo.
                                                                               24/05/98.
                                                                               25/03/03.
                                                                               15/12/12. 

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Conto:


                                                                                       
                                                                                         
O nome do inglês

     Certos  pais  incertos  ou  não muito certos, não tem pena e/ou  respeito pelos seus  filhos.Põe nomes  cujos significados não conhecem por achar a sonoridade linda ,como palavras de uma língua estrangeira, principalmente do inglês: lady, barman, Merry  Christmas, etc .Houve um homem  que achava as palavras Xerox,fotocópia e autenticada eram tão  bonitas que nomeou as três filhas  com elas, as  quais eram vítimas constantes de piadas e por isto resolveram lutar na justiça para mudarem seus nomes.Depois disto  não se soube se conseguiram ou não;ou se  continuam  lutando para mudar seus nomes.
     O grande problema de um menino era  o seu  grande nome:Shakespeare.Os pais acharam que o nome do inglês importante traria status e sorte para o garoto.Trouxe problemas.Shakespeare não sabia escrever  seu próprio nome,pior ainda era  pronunciar abrasileirado, saia de todo jeito,menos a pronuncia correta.Os colegas pronunciavam de todos os modos possíveis  ,alguns fazendo gozação com o tal nome tão esquisito.Para encurtar o nome  e  evitar  gozações um dos colegas resolveu chamá-lo de Xeique.Porém o tiro saiu pela  culatra: Xeique parecia nome de cachorro.O que rendeu novas piadas de mau gosto.
     Sempre aparecia um colega maldoso para fazer gracejos na hora do recreio, estalar os dedos como se chamasse um cachorro e chamá-lo como se fosse um cachorro.
     Shakespeare ficava  deprimido,mas não podia fazer nada. De onde os pais teriam lhe arranjado esse  raio de nome? Não tinha ideia e o pior era que nem eles sabiam,só sabiam que era de um fulano  importante.Quem seria Shakespeare , o primeiro?
     Quando menos  esperava Shakespeare descobriu  quem era Willian Shakespeare.Certo dia, uma professora novata entrou na escola  e ao  depois de  devolver alguns trabalhos  escolares deparou-se com o  estranho nome escrito na folha de papel.
     _De quem é esse trabalhos?
     _É meu ‘fessora._ já sabia ,pois  sempre teve esse problema.
     _Qual é o seu nome?
     _Xeiquispeare.
    _ Traga sua certidão de nascimento para mim amanhã.
    No dia seguinte, ao ver o documento surpreendeu-se com a escrita correta do nome: Shakespeare. Ela instruiu-o  sobre como se escreve é diferente de como se pronuncia :xeiquespir.Ela disse  ao menino quem era o famoso  Shakespeare: dramaturgo e poeta inglês autor de peças  famosas  como Romeu e Julieta, Hamlet, Otelo e  outras.
     Shakespeare foi aconselhado a ler  Shakespeare quando ficasse mais velho.E  espera que diferente dos seus pais tenha juízo  para  escolher nomes bonitos e simples para seus filhos não sofrerem o que ele sofreu e evitará dores de cabeça.
                                                                                06/02/00.
                                                                                20/03/03.
                                                                                05/12/12.

sábado, 15 de dezembro de 2012

Conto:


Mais cena de rua

     Eles veem em bando,como lobos querem  uma presa.São ou não  são monstros, eis a questão?Predam  para sobreviver. Maltrapilhos, com um  preparado de cola nas mãos,outros de mãos vazias e  todos temidos como monstros.
     Todos olham paralisados.Ninguém  diz algo ou se mexe no ponto de ônibus.Os menores entram numa casa.Tentaram roubar a casa de uma  senhora idosa,velha moradora do bairro.Porém , ela tinha  um cachorro que avisou-a  a tempo para ver quem  chegava.  Pegou o revólver  e impediu a invasão a sua casa.
     Os invasores eram meninos de  sete ou oito anos. Só deu para vê-los correndo mais rápido do que o vento, mesmo assim debochando da mulher que apareceu  furiosa com sua arma na mão e o cachorro de coleira e corrente na outra  querendo ir atrás dos invasores.Enfurecida gritava coisas do tipo “ onde está a polícia quando se precisa?”, “direitos humanos só servem para fortalecer marginais!”, e palavrões.
     Numa  distância segura os meninos,alguns meio dopados pela cola e outros bem  alertas faziam gracinhas nada  engraçadas para  a quase vítima que virou algoz  ,insistiam  para fazê-la  atirar e  fazer o animal latir.Ficou perigoso para os pedestres que passavam por perto.Com o Estatuto da Criança e do Adolescente em vigor  a vítima  já estava no papel de algoz.Talvez se lembre-se disso ,pois não atirou,mas  gritou com ódio até quando aguentou.
     De repente, eles esquecem dela e correm.Para onde? Talvez atrás de outra  presa menos prevenida e menos  furiosa.Hoje são menores abandonados,mas o que será deles  quando crescerem? Se crescerem.
    O pessoal que cuida de direitos humanos  no Brasil age de modo parcial, só olham os bandidos,menores e os adultos, como as pobres vítimas do sistema  e quem  é fardado como o policial é o agente do sistema opressor,os caras maus .Como se  estivéssemos dentro de um filme maniqueísta  o qual os mocinhos  estão de  um lado e os bandidos do outro  lado. Como se alguém vivesse fora do tal “sistema”.A teoria   explica de modo geral e focada numa  mentalidade maniqueísta  de tempo da Guerra Fria.A atualidade  é bem mais complexa do que isso.Cada caso é um caso. As leis são lindas no papel,mas são só para enfeitar  papel,para valerem   os cidadãos  terão que lutar para fazer valer seus direitos escritos na lei. Pois o fato de ser lei não garante que será cumprida, que uma estrutura  bem estruturada será criada para cuidar de menores infratores ou bandidos ou quem quer que seja.Do jeito que o sistema carcerário  está não segura e nem recupera ninguém, só piora o que já está ruim.
                                                                                                 11/09/99.
                                                                                                 20/03/03.
                                                                                                 04/12/12.     

sábado, 8 de dezembro de 2012

Conto:


Epifania?

Mês de dezembro. Ao comprar anjinhos de madeira um sentimento emergiu.Um misto de saudade e alegria de natais  que não tive.Ou tive e  não lembrava com exatidão? Ou que já tive? Perdidos  em algum lugar no tempo.Em qual espaço?
     Essa sensação acompanhou-me no percurso  até em casa.O pacote na minha mão palpitava.Os pequenos anjos  estariam vivos? Apenas uma impressão.Mas as pequenas  figuras pareciam vivas e felizes, além  do próprio  sorriso cuidadosamente pintado com tinta. Um  belo  trabalho de artesanato.
     Perdidos entre os outros  enfeites coloridos da árvore de Natal eles encontraram seu lar.Uma parte do brilho da festa  e tornaram-se parte da casa  agora. E sinto um certo carinho por eles,como se não fosse a primeira vez que nos  encontramos.
     A canção de uma  caixinha de música fez-se ouvir, em algum lugar, enquanto a tampa da minha caixinha estava  fechada. De onde vem e para onde vai a  música?
      O tempo passa. Numa noite nebulosa descubro na sala os anjinhos brincando  com um mecanismo de caixinha de música quebrada que pertenceu a outro alguém.O  que foi no passado uma  caixinha ainda é música. E agora virou brinquedo de pequenas crianças de madeira.

                                                                   02/12/00.
                                                                   20/12/00.
                                                                   18/03/03.
                                                                   06/10/03.
                                                                   04/12/12.

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Conto:


Liberdade: uma questão de pensamento


Toda moral  condena a  vida,nega-a,não se cansa de a empobrecer,de a sufocar ou de a condenar.
                        André Conte-Sponville

   
     Luci, canto e canção do pássaro .Passarinho chamado amor. Arte e amor rimam  em sua alma. Canções que alcançam os nossos corações, os verdes e os  maduros.
     Ela não se deixou silenciar e não  que  o marido a silenciasse .Agora ela está  conosco na Oficina Literária , ensinando  coisas  que só aprende quem já passou pela escola da  vida.
     Mas ela também é guerreira.Canta para nós, para os parentes e amigos, para si mesmo. Fez curso de música ,não faz  Faculdade  por  causa do marido.
      Infelizmente ,  uma amiga sua não fez isso. Fez curso de música,mas parou de cantar  e não canta nem  em casa  porque o  marido, ruído de ciúmes, diga-se  de passagem,proibiu e argumentou que não fica bem uma dona de casa  aparecer  demais por aí ,  fazendo shows, saraus,etc.
     Com uma pontinha de orgulho, essa mulher disse para Luci que não  canta nada há vinte anos por causa do marido.
     _Pois você foi mais cruel consigo mesma do que ele ._disse-lhe Luci.

                                                                                        __/__/__.
                                                                                       15/11/12.


domingo, 25 de novembro de 2012

Conto:



 Só Spilberg explica

     Joane folheava uma revista  entediadamente.Parou numa página para observar  uma foto entre outras tantas.
      Era a foto de um lago cercado por árvores  e mato verdinho como recém-nascido , água escura neblinada e ondulante ;no centro um barco a remo , a silhueta  de um homem pescando.
      _Parece que algo vai pular de dentro da água._pensou em voz alta.
      E pulou... A água  começou a borbulhar. O homem, ou melhor , a silhueta do homem levou  um susto, deixou a vara  de pescar cair e segurou-se num  dos lados do barco.Subitamente a silhueta de uma serpente marinha surgiu dentre as bolhas, abriu a bocarra, engoliu o barquinho de uma vez e submergiu.
    Joane  despertou de seu estado de letargia, gritou, soltou a revista num canto e saiu correndo para o seu quarto.Parou de repente. Julgou sua ação como um ato absurdo.Mas o que viu também era absurdo.Seu irmão  apareceu para saber o motivo do grito.
     _Nada não!Foi um pesadelo,acho eu.
     _Que tipo de pesadelo?_alfinetou.
     _Ah!...Er...Uma serpente marinha ,a sombra dela,engoliu um barquinho na foto  da revista.
     _Cadê a revista?_ perguntou  provocativamente.
     _Lá,na sala.
     _ Vamos ver?
     _ Foi só um pesadelo.
      Foram até lá.Ela sabia que era  loucura,mas tinha que mostrar para ele só por mostrar.Faltava  pouco para ser  chamada de louca ou ser perguntada se  tem tomado “alguma coisa” que fez alucinar.A cena de ação que viu não cabe numa única foto.
     Ele pegou a revista ,ela indicou a   página e ele folheou,achou a foto.Todos os elementos  estavam lá,menos o barco.
     _Na revista não tem nada de mais._ disse ele.
     _Engraçado, tem a  silhueta de outro homem correndo no bosque.
     _O quê?! Pirou de vez.
    _Olha aqui.
    Ela mostrou para ele que caiu sentado do chão. Também deixou a revista cair de suas mãos.A cara era de terror absoluto ,apontou para a janela atrás dela freneticamente.
     Joane o olhou a revista no chão e  virou-se lentamente para trás e viu na janela um olho enorme  fitando-a.Soltou um berro. O animal berrou também,mostrando os dentes.Depois ,  de dar uma olhadinha nos dentes serrilhados do bicho  saiu correndo de lá junto com o irmão.E jurou  que se  saísse viva dessa  situação se tornará defensora das espécies em extinção.
                                                                                24/05/98.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Mini-conto:


Transcendência

     O homem nu corre pelas ruas.Um sorriso estampado na face. Os braços  abertos.Quer voar ou já está voando?
      Parece feliz por estar livre. Livre de quê?
      Os moradores da  rua ao percebé-lo se assustam, entram para dentro de suas casas, se trancam e olham certificando-se  de que foi embora. Os transeuntes saem do meio do caminho, outros fingem  que nem o veem.Mulheres assustadas  agarram-se as crianças pequenas. 
     Os garotos de um colégio tentam agredi-lo. Ele corre mais depressa. Eles não o alcançam. Continua sorrindo. Corre... Vai levantar voo... Desaparece.
                                                                               15/04/98.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Um oceano numa gota

Sete vidas como um gato
E várias faces como um
Diamante,
Tudo em uma só pessoa
A mesma vida
Partida em duas:
Real e  virtual.
Convergindo  e divergindo.
Real: cotidiana, social,rotineira, etc.
Virtual:  imaginária,onírica, fake,etc.
Tantas vidas dentro
Da mesma vida.
Administrá-las sem
Enlouquecer.
No uno múltiplo
Da normalidade
Mesmo que pareça
Fora do normal:
Normais normalidades.
                                   19/08/12.
                                   21/08/12.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Eter-n-idade

De repente cantores mortos,
Fisicamente mortos,
Reaparecem em cena:
Hologramas.
Vidas congeladas na imagem
Imaginação?
Fantasmas da memória
Afetiva revividos.
Ressurreição do passado
No presente imagens
Congeladas: gravações.
Mortos eternamente  vivos,
O público nega a morte
Do(s) ídolo(s) que ama.
E reinará absoluto
O holograma?
                                05/08/12.
                                08/08/12.
                                11/08/12.
                                14/08/12.
                                21/08/12.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012


O Tempo em Aspiral:A dialética dos comportamentos e  das comunicações


 Resumo:

Análise psicológica  e  filosófica  da relação  dominadores e dominados ,o modo sutil apresentado  no romance O Relógio Belisário  de José J. Veiga,nas relações entre  as personagens  interconectando com as outras obras do autor,outras ficções e a realidade,além do estranhamento e busca de explicação  por determinadas (re)ações diferirem de outras ficções e na realidade .  


      (...) não há sentido sem interpretação , e a interpretação é um excelente observatório para  se  trabalhar a relação historicamente  determinada do sujeito com os sentidos, em um  processo em que intervém  o imaginário  e que se desenvolve em determinadas situações sociais.
     É  assim que  entendemos a ideologia, nesse percurso  que fizemos para entender  também o que é interpretação.
                                        Eni Puccinelli Orlandi
 Os homens têm complicado tanto o mecanismo da vida que já ninguém tem certeza de nada: para fazer alguma coisa é preciso aliar a um impulso de aventura grandes sombras  da dúvida.
                                   Cecília Meireles


      O livro em questão é considerado pela  crítica  especializada uma obra menor  do autor, respeito a opinião ,mas para mim  não  consideramos  o livro como menor , o consideramos diferente  do conjunto da obra .Mas um  diferente  do conjunto da obra de Veiga  sem  destoar do seu  tema principal: a relação  dominadores e  dominados. Como isso  acontece?  De modo bem sutil , através  das personagens  femininas: Artemisa e Maura ,em especial ,e na interlocução com as outras personagens:tempo-mentalidade ou ideologia da época ,âmbito  interno da personalidade das personagens acontece a relação dominadores e dominados.Além disso a questão do tempo que não caminha em linha reta é sim como uma aspiral ,velhos valores coexistem com novos costumes com mudanças que questionam o passado ,mas não o destroem completamente como muitos temem ao menor sinal de mudança.Nem todas as pessoas querem mudanças,mesmo sabendo que não foi bom  o tal passado vira um marco de referência  com regras fixadas, o “no meu tempo era assim ...”.
      O “no meu tempo” em termos de comportamentos masculinos e femininos acontece de  muitos modos previsíveis  e tem diferentes denominações.O que a psicologia denomina como machismo feminino ou mulher machista,  Margareth Lobato  denomina de preconceito reverso,  Dowling  denominou  Complexo de Cinderela ,Chauí chamou de  ideologia  do “lugar do feminino”,Luft chama de espírito de manada.  São atitudes que ocorrem numa parte do conjunto da obra de Veiga,no foco desta  analise de um romance. As personagens femininas, mães/esposas , são elementos  que unem a família mesmo não tendo participação ativa e  também conciliadora  diante do possível rompimento familiar( De Jogos a Festas, Sombra de Reis  Barbudos ) e  quando ausente a família se separa( Roupa no Coradouro  e Viagem de dez léguas) , enquanto  em O Relógio Belisário  há  duas personagens femininas (Artemisa e Maura)  que são contrárias as  mudanças e quebra de hierarquia que pode ser percebido através dos seus comportamentos, num sutil  jogo dialético  entre mãe  e filha, empregada  e o  auxiliar de  cozinha que percebemos ter um algo mais   do que Adorno denominou personalidade autoritária : a “ dominada”  que  identifica-se  com o discurso  da  dominação  num ambiente no qual as demais personagens não estão preocupadas com hierarquia ou demarcação de território (cada um no seu devido lugar), em especial o desembargador Mariano é  despojado de autoritarismo causa humor e surpresa .  Quando a aparente normalidade é dominação?Depende de quanto  determinadas regras estão enraizadas no pensamento coletivo.O que é normal para uma pessoa,pode não ser para outra.Até o modo de pensar pode ser aprisionado   quando não aceita a diversidade de opiniões alheias. 
      No fragmento  em O Relógio Belisário:

     (...) D. Artemisa tomou a iniciativa de convidá-lo a voltar sempre  que quisesse, agora que o casal tinha decidido ficar no sítio.Mas logo percebeu que pela  segunda vez  no mesmo dia havia transgredido uma norma da  educação recebida: o convite  devia partir  do marido. E tentou corrigir o resvalo. Pg  50.

     Como já foi mencionado um dos  temas recorrentes no conjunto da obra de Veiga é a  relação dominadores e dominados. Na fase sombria[i] essa relação ocorre de modo  macrocósmico  e explicitamente. Exemplo: em Hora dos Ruminantes  estrangeiros  chegam num pacato lugarejo e junto com bois e cachorros alteram a  rotina  do lugar. As pessoas são prisioneiras  em suas próprias casas. Depois eles vão embora tão de repente quanto chegaram.Em Sombra de Reis Barbudos   Lucas acompanha  em sua cidade as transformações com a chegada  da Companhia Melhoramentos que aos poucos revela seu objetivo de controlar as pessoas. A vida de  todos passa a ser  registrada, catalogada e vigiada. Quem contraria as regras é  preso rapidamente. Para não fugirem barreiras são  construídas impedindo tanto a entrada quanto a saída . Voar é o único  modo de escapar.
      Nos romances da fase luminosa como O Relógio Belisário e Torvelinho Noite e Dia   a relação ocorre de modo  micro e sutil. Como? Através da mentalidade das personagens.Que só foi possível de perceber através da desconstrução  dos comportamentos  tradicionais dentro de situações  nas quais as outras personagens demonstram  comportamentos  diferentes do esperado em determinada situação,tipo de pai,  da mãe  ,de filhos.
     Há harmonia e um descompasso entre as personagens reflexo do tempo-mentalidade, como um choque de gerações sem desencadear conflito ou ruptura.Enquanto  se espera uma ação  acontece outra: o desembargador  Mariano é o chefe da família e patrão  , mas sem o peso dos mitos da masculinidade, sua maneira de agir é diferente da tradicional. Ele é uma autoridade sem o autoritarismo. Normalmente ,na vida real  ,as pessoas tendem a confundir  autoridade com autoritarismo, o que acontece  também em muitas outras ficções que o choque de gerações e diferenças de opinião sobre determinado assunto é apresentado.Percebemos  bem no momento que Simão e Dolores revelam que o rapaz quer ser roqueiro:
    Se esperavam que o pai entrasse em pânico, soltasse  exclamações  de incredulidade ou de censura, calcularam mal. Ele  apenas olhou para Simão com um olhar mais curioso do que sério. Pg. 27.
      Na vida real a reação é outra, por parte de alguns muitos pais é outra do tipo não  aceitação do que é diferente do padrão estabelecido socialmente, qualquer profissão ligada a  música ou artes em geral ainda é vista como coisa sem futuro, de malandro ou marginal  até mesmo em outras ficções, o que normalmente gera a expulsão do filho de casa na vida real, porque   artista ou músico não é considerada profissão descente , e sim coisa de  vagabundo[ii]. Cria-se um clima de apreensão ,mas a reação é contraria  do que esperado para  personagens e leitores.É a expectativa frustrada que desperta  a inquietação : por que ele age assim?Mariano vê o filho como uma pessoa autônoma.Tanto na vida real como em outras ficções, isso não ocorre:alguns pais veem seus filhos  como extensão  deles próprios e por isso não podem sair da linha estabelecida, outros como objeto de posse e ainda há aqueles que  julgam-se  senhores absolutos da vida de seus filhos.A autonomia  dos filhos para estes tipos de pai   é vista  como uma ameaça a sua autoridade.
     Mariano tem um comportamento democrático  e despojado  também dos preconceitos   sociais.Valoriza as  opiniões alheias, mesmo as de um menino:

      _ Está bem Bel. Vamos fazer um trato. Por enquanto elas ficam sendo jurubebeiras  para mim, e  lobeiras pra você. Quando crescerem  mais, e  chegarem  no tempo de produzir, elas que decidam o que é que  vão ser. Combinado? Pg. 33.

      O que tem haver com a relação  dominadores  e  dominados?A  presença  de uma autoridade não-autoritária  permite perceber  que a mentalidade  autoritária está  noutras personagens ,além de ser um assunto psicológico  complexo ,pois  não há a complementação entre as partes envolvidas .Há uma quebra de paradigma do esteriótipo ,o qual frustra  a expectativa,mas também faz pensar no motivo das ideias fixa(da)s.
      Segundo Chauí[iii]  a alienação social é o desconhecimento das  condições histórico-sociais concretas em que  vive, produzidas  pela ação humana  igualmente  produtora das condições  históricas anteriores e determinadas. “ A alienação  social se exprime na “teoria” do conhecimento espontâneo , formando o senso comum da sociedade. Por seu intermédio , são imaginadas  explicações e justificativas para  a realidade tal como  é diretamente percebida e vivida.”[iv]  A elaboração incorporada pelo senso comum  social é ideologia . Sua principal função  é ocultar e dissimular as divisões sociais e políticas  dando a aparência  de indivisão e de diferenças naturais entre os seres humanos, o que quer é  impedir a reflexão. E pensar além do que é estabelecido como normal é algo que dói ,por isto há  quem evite tentar pensar por conta própria  e espera que outra pessoa faça isso por  ele(a) como um líder religioso, político e/ou  comunitário, etc.Como isso acontece? A ideologia opera  na inversão, colocando os efeitos no lugar das causas e transforma as causas em efeitos, operando como o inconsciente:  fabrica  ideias e falsas casualidade.Exemplo: apesar dos avanços de algumas mulheres no mercado de trabalho e na vida social, o senso comum social afirma que lugar de mulher é  na cozinha, cuidar dos filhos,do marido e da casa. Historicamente sucedeu o contrário,pois a divisão  sexual-social do trabalho e na divisão dos poderes no interior da família , a mulher  recebeu a função de subordinada, auxiliar  e complementar reprodutora levando-se em conta o lugar do masculino: domínio , autoridade e poder.Estabelecidas as condições sociais para  cada um dos sexos  era preciso persuadir as mulheres  que era o certo, não provinha da organização social e sim  da Natureza, o excelente e  desejável cada um no seu devido lugar. Por isso, montou-se a ideologia do “ser feminino” e da “função feminina” como naturais  camuflando os motivos  históricos e sociais.
     A ideologia também opera através da produção do imaginário social, através da imaginação reprodutora .Recolhe imagens que reproduz transformando-as num  conjunto coerente, lógico  e sistemático de ideias que agem em dois registros: como representações da realidade(sistema  explicativo  ou teórico ) e como  normas e regras de conduta e  de comportamento( sistema prescritivo de normas e valores) que ensinam como pensar, sentir e agir.E o terceiro modo que a ideologia opera é o silêncio: nem tudo é dito numa  frase para que não elimine a coerência e a  unidade do imaginário  social ou ideológico, ou seja , atua como o inconsciente descrito pela psicanálise.
      Ideologias regem a vida humana , assim como os mitos  , nos mais diferentes aspectos e  cristalizados  viram  mitos. Como observou Nolasco em O Mito da Masculinidade [v] . Se o “ lugar do feminino” não é  confortável  para as mulheres , o “lugar do masculino” para os homens também não é, pois   entre os “lugares” há os extremos além de um abismo que os separa. Ele analisou e percebeu o esforço dos homens para adequarem-se ao  papel  de machão mesmo não identificando-se  com o modelo, reconheciam o reforço da família,na escola e nas  relações sociais para adotarem modelos viris, determinados e agressivos , o ser homem reduzido a ser macho.O modelo talhado para os homens elimina a sensibilidade numa maneira opressiva de  socialização.Critérios adotados dentro a própria família  e depois pelo meio social que valoriza a violência e a competição como atributos de homem,negando a afetividade e o  amor.A reflexão  lhe propiciou  compreender o abismo e o  silêncio que se interpuseram entre gerações.O feminismo desencadeou a reflexão dos papéis sociais no  Ocidente  que desencadeou , também  a busca de alguns homens para desvencilharem-se do machismo e dos esteriótipos do machão ,pois quanto mais inseguro é o homem, mais violento ele é(isto já foi psicologicamente comprovado dentro de determinados contextos),embora o esteriótipo  diga o contrário . “ A representação masculina é uma esfinge  de um deus ou de um herói que segue pelos caminhos  desenhados por este  deus”[vi]. Como  Ulisses na Odisséia de Homero, Adão na Bíblia:  feito a imagem e semelhança de Deus. Nas estórias  de Sêneca são sempre homens determinados pelo destino, a  “resolver” tarefas difíceis  e complicadas( Hércules) e mesmo o pouco heroico  não perde  sua origem divina(Claúdio) ,  atributos de  força, poder, coragem, astúcia  e  inteligência  e excluindo  sentimentos como medo, inveja e raiva, tornando o herói  digno das premiações divinas.
      No Ocidente a ideia de pai segue  essa orientação: continuamente  associada à  imagem divina, um referencial  moral e distante que aos poucos perde sentido através  da busca de proximidade. O esteriótipo  do macho exclui as diferentes dinâmicas da subjetividade ,  além de fazer  crer que um homem se faz com sucessos absolutos: nunca chora, ser sempre  o melhor, competir sempre. Ser forte, jamais se envolver afetivamente e nunca renunciar ( o tão comum se não for minha não será de ninguém).Privados  pela sociedade dos afetos do Eros, crescem direcionados investindo  energia e devotando-se a Thanatos (uma  entre as razões de existir tanta violência doméstica, mesmo em países que se dizem desenvolvidos.Desenvolvimento humano/emocional não está diretamente ligado a desenvolvimento econômico. Em realidade, pode ser justamente ao contrário. Além de outros tipos de  crimes de violência urbana por motivo fútil.   ). E além do direcionamento para Thanatos,deus da morte  grego, o comportamento masculino também tem como característica  o “Complexo  de Atlas”, o carregar o mundo nas costas, como marco de referência para construir a  identidade e marco nas relações ,reproduzindo o  pessimismo de  Sísifo, repetir sempre a mesma  tarefa.Inconscientemente  a mulher é  auxiliar  nesse  processo como alienada e alienante  no papel de mãe(,por exemplo, que não ensina o filho a cuidar dos afazeres domésticos,mas exige  que a filha saiba e ajude-a;aquela mãe que não confia na sua autoridade e diz  ao filho “você vai ver quando seu pai chegar e ficar sabendo”, ou que usa também  a instituição “ o que os outros vão dizer?”,etc), entre outros e a  presença  do pai é a própria  ausência, ambos vítimas e cúmplices no processo.
     Questões  abordadas também por  Naffah Neto[vii]  que alega que na  vida em sociedade  qualquer movimento para mudança social encontra-se controlado por um sistema de  funções fixas, hierarquicamente dispostas, regulando e  prescrevendo a ação humana  para padrões de conduta compatíveis com a  preservação da  ordem  instituída. Legitima(n)do pelo discurso ideológico  que  naturaliza e universaliza  as funções  sociais em características da natureza humana. Sendo assim, a família  nada mais faz(ou fazia no caso de algumas) do  que  reproduzir em micro-escala  a ordem social mais ampla. As mães aprenderam com as  gerações anteriores de mães que o lugar fundamental da mulher era a  “dona-de-casa” e como sua  função era  cuidar da  casa e da  educação dos filhos, através da educação  transmitem os valores e a ideologia  vigente, o pai funciona(va) como  a autoridade a recorrer nos  momentos de  pane e ausente o restante do tempo. São( ou eram) as posições oficiais na sociedade.Além disso são  papéis que se  complementam, ou   seja “as  ideologias veiculadas pelo papel de mãe devem  refletir em forma invertida , a  realidade do mundo externo à casa , tal qual  a  mulher apreende através do homem, seu  agente direto. De forma invertida, na medida em que  a cisão mercado material/mercado simbólico, instaurada no seio da estrutura de papéis, gera  uma  cisão e de uma oposição entre ação e representação , cabendo dentro do espaço familial , a  primeira mais ao homem , a segunda  mais à mulher”[viii]. Considera ingênua a alegação do feminismo que a mulher sempre  foi oprimida pelo  homem, pois o jogo de relações micro e macro sociais é extremamente complexo e precisa de complementação entre as partes envolvidas.
      Cremos que ele se refere ao modo que somos educados para ver as  questões de modo parcial fragmentado e radicalizando um extremo e esquecendo o outro extremo, construindo pontos de vista mais emocional do que  racionalmente , sem abrangência  da totalidade de  qualquer assunto, porque pensar dói , pois exige que deixe de lado as respostas prontas e acabadas é que busque suas próprias respostas  .O por que dentro do por quê.A relação de opressão precisa que os pares se complementem ,a mulher machista  complementa o homem machista e vice-versa, assim como indivíduo e sociedade se complementam . É um complexo jogo de dois que não se veem como par ,mas que se complementam como par, como no jogo do(a) sádico(a) e da(o) masoquista.E é no  ambiente doméstico que as pessoas  revelam umas as outras como são realmente ,sem as máscaras  sociais,se são agressivas ou não,etc.
     Justamente na complexidade destas e outras  questões que  Dowling[ix] buscou explicações para os comportamentos  femininos ,observou o fenômeno que o feminismo não percebeu: o profundo desejo  psicológico  enraizado  nas mulheres de serem cuidadas por alguém  e de serem aliviadas de suas responsabilidades  essenciais para consigo mesmas, de serem salvas.O “complexo de Cinderela” é um sistema de  desejos reprimidos, ideias e ações distorcidas iniciadas na infância na qual encuca na menina que sempre haverá uma outra pessoa mais forte para  sustentá-la e protegê-la .Sempre alimentada pela sociedade (família, escola, mídias, etc.) e com o tempo sofistica-se  seguindo a mulher por toda a sua  vida , resultando em todas as espécies  de medos internos e descontentamentos.Mantendo vivo na mulher um sentimento de inferioridade. O que  leva a sabotar seu próprio  futuro.Descobriu-se que a liberdade assusta, pois a maioria das  mulheres não foi  educada para cuidar da própria vida e nem para comandar , o que fez  muitas mulheres  recuarem e retornar ao conhecido papel de  mulher aparentemente tão seguro,pois  a mulher  jamais era  treinada para a liberdade, mas sim para o extremo oposto: a dependência. O processo começa na educação infantil. Mudar  algo tão  enraizado não ocorre da noite para o dia, é  um processo lento e gradativo,mas está acontecendo. Há aquelas que   se recusam e como a Cinderela esperam que algo ou alguém externo para  modificar suas  vida( um companheiro, uma força sobrenatural,uma instituição ,etc). A autora  considera  que a “nova mulher”  não é tão nova assim; é uma mutante que tenta conciliar os dois sistemas de  valores , o novo e o velho, sem muito êxito(exemplos: a mulher que trabalha fora ,mas crê que é obrigação do homem pagar as contas dos dois; há as que achem que homem educado é gay, que homem que sabe cozinhar e cuidar do serviço doméstico  é gay,etc, aquelas que quando escolhem um homem   diz que quer um sujeito gentil,carinhoso e companheiro  e na prática  ficam  com o homem  másculo, viril e/ou violento) , e  observa que  pouca coisa mudou,muitos homens e muitas mulheres ainda são criados para   ocupar os  “lugares” do  masculino e feminino tradicional.Há outros estudos a  respeito  destes assuntos.Apesar de todo alarde da mídia sobre mudanças que acontecem ,mas em alguns poucos lugares ,não em todos os lugares no-tudo-ao-mesmo- tempo-agora.Estranhamente os pais entram em pânico quando a filha foge(ou pelo menos tenta fugir) ao padrão que supostamente deveria ser coisa do passado e tomam as mais diversas  posturas.Muitas pessoas entram em pânico  com a mínima possibilidade de mudança em  e de qualquer coisa, em especial os comportamentos estabelecidos para cada gênero sexual , é como se alguém  roubasse o chão  sobre seus pés , o medo novo é mais assustador do que o famigerado fim do mundo,pois não podem mandar  o outro ficar no “seu devido lugar”.Ou quando algo  considerado novo acontece sempre há alguém que exclame  que é o fim do mundo.Qual mundo? O do passado.
      Contando a História ,que antecede a estas reflexões dos psicólogos,   Aires[x] mostra que as mulheres foram desfavorecidas ideológica(religião e regras sociais),material  e educacionalmente.Confinadas ao lar e o objetivo máximo de suas vidas era (para muitas mulheres ainda é)  o casamento, sem direito de aprender a ler, escrever e estudar “aceitavam” o confinamento ao espaço privado.As  mulheres que ousassem  não seguir esse modelo não eram bem vistas socialmente.Através da luta do feminismo, alguns colaboradores homens  e mudanças causadas por movimentos ideológicos  no decorrer da História foi possível  uma  lenta e gradativa evolução, mesmo que pouco expressiva.E mesmo assim houveram mulheres que lutaram  contra as  feministas.No século XX ,anos 60, ocorreu com  mais ênfase  o questionamento dos papéis  sociais do homem e da mulher, crises e avanços tecnológicos  que beneficiaram ( até certo ponto) o avanço intelectual das mulheres.
     Como são  assuntos interelacionados  e complexos demos apenas algumas pinceladas de História  e psicologia ,pois tem  haver com o tipo de análise  proposta  as personagens do romance e que  me levaram a usar  a denominação mulher machista,pois não  deixa de ser um  machismo às avessas como perceberam Aires,Dowling, Nolasco,Neto.O preconceito reverso mencionado por Lobato[xi] .
     A relação dominadores e dominados  acontece em todos os níveis de relações humanas, não só nas relações extrapessoais mais visíveis, mas também e especialmente nas relações interpessoais por serem as mais próximas e aparentemente  invisíveis.O que é externo é mais visível ,por isto recebe mais valor,também por parecer algo fora dos seres humanos.Mas é algo que existe e parte de dentro para fora.Externalisação de um aspecto humano que se aprende a denominar como algo desumano.
      O foco de nossa análise  são as personagens que compõem  a família, a empregada Maura e  o menino Belisário.Mas antes a localização do livro: o romance foi publicado em 1996. No conjunto da obra de Veiga ,se localiza  no que a crítica  denominou fase  luminosa do autor[xii] e  que Miyazaki[xiii] denominou  de retorno ao paraíso.
     Nenhum retorno à luz ou ao paraíso ( que só tem valor depois de perdido)  ocorre sem marcas das sombras ou da ida ao inferno.O livro retrata uma  esperança de futuro melhor ,mas sem esquecer o passado tenebroso para não correr o risco de repeti-lo é que providências devem ser tomadas como levar o menino a escola(  espaço pensado  como lugar de conhecimento e evolução).  O  relógio  e a magia da volta ao passado ( uma  quase viagem no tempo) são elementos que desencadearam  o  pensar em outros elementos relacionados:memória ,história e História interligados com ideologia  e comportamentos aparentemente paradoxais.O tempo é um elemento no qual  é tecida as História e a histórias.
     As relações familiares  em romances  consagrados, livros e series  juvenis, etc, o enfoque  ,na grande maioria, esta focado nos conflitos  na relação pais e filhos ,por  exemplo no último tomo de O tempo e o vento de Érico Veríssimo.Mesmo em algumas  obras de Veiga já citadas.O que causou estranhamento por não ter o típico conflito, pois  o pai no ,romance de Veiga em questão,   é compreensivo.O não acontece com a mãe,ela sempre espera que o marido haja   diferente,ou seja, do modo tradicional. A normalidade encuca preconceitos  que só se percebe  quando espera-se uma ação é acontece outra de determinada personagem e/ou pessoa.
     O autor  trabalhou com a  expectativa do leitor a qual  é frustrada através das  atitudes  inesperadas da personagem  Mariano com relação  aos filhos e ao menino ajudante de cozinha:compreensivo e aberto as mudanças do chamado “ novos tempos” ,fato que chamou nossa atenção. O  mais  comum  é  justamente o contrário, a incompreensão do “no meu tempo”, como por  exemplo as atitudes dos pais dos contos Crônicas da casa velha e A mãe e seu filho de Marieta Teles Machado[xiv] .A situação do filho querer ser músico  assemelha-se ,mas com fim triste, a questão das cenas finais do filme  Sociedade  dos Poetas Mortos  no qual o rapaz  comete suicídio por se ver sem saída , pois queria e tinha talento para ser ator, mas o pai queria um filho médico, tinha dado duro para isto e não aceitou a recusa do rapaz ameaçando-o  mandá-lo para escola militar.
     Dentro dos desdobramentos do “lugar”  social do homem há a figura do pai associada tradicionalmente a do pai-patrão .E  é própria a a(tua)ção deste tipo de pai é uma relação distante e autoritária  com relação aos seus filhos.O padrão  que predomina nas ficções e na realidade ,apesar de alguns segmentos sociais ,como associações de pais, lutarem por mudanças ou por flexibilização  do mesmo.Suas atribuições e funções como pai se misturam a do chefe ou patrão, ou seja , um tipo de autoridade para submeter e subjulgar os outros e  fazer valer seu ponto de vista acima dos demais.(Exemplo: o filme italiano,baseado em fatos reais, titulado Pai Patrão).Constroe a relação com os  filhos de forma ambígua e contraditória ,pois mescla amor com violência  como se fosse “natural”[xv]  (por isto, as pessoas confundem educar com o apenas bater e  bater com espancar.Como se a violência  fosse  a solução rápida e imediata para resolver todos os problemas).Na vida real , e em ficções, o momento de escolha da profissão  é o momento que muitos pais acham que têm o direito de decidir pelos filhos, e no caso de recusa por parte  dos filhos  pode tornar-se o momento de ruptura da família nas formas de fuga de casa, suicídio, expulsão,etc.
     No caso do romance em questão nada disso acontece e por isso foi surpreendente:  Simão cursava economia ,mas desapontado com os fracassos das  medidas econômicas e a descoberta  de que  economia é a menos universal de todas as ciências.(Que também é uma crítica a História recente do Brasil)  O  pai compreende  o desencanto  dele e pergunta o que tem  em mente. O filho  vacila e a irmã é quem conta que ele quer ser músico.A reação positiva  quebra o clímax  de medo criado que direcionava para uma  reação negativa : o pai não entrou em pânico, nem censurou apenas olhou para o filho mais curioso do que sério. Quem fez a censura foi Dolores que foi repreendida pelo pai, que foi também outra surpresa.Numa cena cristalizada como “normal” o pai teria o repreendendo  o filho pela escolha e não  a filha pela censura ao irmão. Não é um jogo de papéis  trocados , é uma desconstrução do que seriam  as reações   tradicionais e de atitudes esperadas.Desconstroi a imagem de “pai vilão” ou “pai tirano”sempre atribuída apenas ao homem,neste tipo de situação,pois  “dominação”  não é coisa só de homem embora pareça por ser mais explicito neles do que nelas.
      No caso das conversas de Mariano com Belisário  é possível perceber melhor o que acontece e também causa estranhamento ,pois normalmente como patrão espera-se uma atitude autoritária  ,mas não acontece ,ele é compreensível como no episódio  das  jurubebeiras.Ele não diz que o menino está errado,para confirmar a identidade da planta diz que devem  esperá-las  frutificarem para saber quem está certo.Normalmente , um  adulto diria que está certo e a criança  errada.
     No desenvolvimento  da narrativa Belisário  pensa como um fugitivo e  com seu jeito bonachão  Mariano procura acalmá-lo ,pois o senso de hierarquia e autoridade está  bem presente nas  atitudes do menino sem estar no patrão:
     _ Vamos, Bel. Parece que você  quer dizer alguma coisa. Pode falar. Aqui não tem doutor._ disse o desembargador.pg. 60.
     Graças a essa atitude, descobrem o mistério do relógio ,pois Belisário é a  personagem fundamental  para descobrir o mistério  do relógio de arara do desembargador e  ele acaba revelando ao casal que vê cenas (do passado) através do relógio.O tempo é um elemento importante  ,pois revela e esconde acontecimentos  que  fazem parte do passado,mas ligados ao presente que podem ou não repetir no futuro.
     No senso de hierarquia , a visão de cima para baixo  ,foi transformada em algo natural,aquele que  tem que mandar, manda e aquele que tem de obedecer , obedece.Não acontece no dialogo citado,mas permite perceber  que na mentalidade do menino esse senso de cada um no seu “devido lugar” está  presente.O que os frankfurtianos chamam  de identificação com a personalidade autoritária[xvi] ,o que parece acontecer mais claramente na relação de Maura com Belisário.
     O caso de Artemisa e Dolores , também é interessante por causa dos  romances  anteriores do próprio Veiga:  entre as  suas  personagens femininas  são poucas que têm  voz ativa, e no caso da mãe e filha  neste romance há  um embate de valores  que  só é possível perceber através dos diálogos e mudanças temporais.A aspiral do tempo é bem visível nelas.O autor não aprofunda o conflito de valores,apenas mostra que a relação dominadores e dominados ocorre de outros modos, no campo das ideias, no comportamento.E tudo a nível micro é mais complexo e/ou confuso,diluído ,pois é um perceber  desconfortável por explorar o íntimo da “natureza” humana das crenças, o íntimo da natureza  social dentro da familiar,a qual tem pouco haver com o mito da família feliz das propagandas de margarina entre outras.
     D.  Artemisa apresenta as características  citadas por  Dowling em Complexo de Cinderela ,mas o que causou estranhamento,neste caso, é o marido não apresentar as características  do “lugar” do masculino citadas por Chauí e Nolasco.Ela “atua” com medo das reações  do marido e cria uma  expectativa  frustrada para o leitor,pois Mariano não age  segundo  se esperaria  do papel tradicional , o que surpreende.Artemisa também identifica-se com a personalidade autoritária  que não há em Mariano , é sim nela mesma ,recebida através da educação de seu tempo.A questão do choque de valores  fica claro ao observamos os diálogos  entre mãe e filha:
     _ Ainda  bem._ disse Dolores,segurando um pedaço de frango  com os dedos, hábito que a mãe ainda não desistiu de tentar corrigir ,por isso não descolava  os  olhos dela,na esperança de poder mandar-lhe algum sinal de censura. Mas a moça muito na sua, parecia infensa aos olhares da mãe.pg.49.
      A questão da compostura feminina segundo as normas sociais é algo bem marcado e constantemente martelado na educação  feminina. A moça  é despojada de um costume que para a mãe é importante.Como um conflito de gerações sutil e  sem brigas.Uma cena que exemplifica  fazendo o contraponto é em Titanic quando a  protagonista vê  uma mulher que  automaticamente  supõe-se ser a mãe falando para a menina  sentada  numa cadeira  a qual se encolhe no móvel  a medida que a  mulher  fala.Ou seja,  a dita postura feminina  até debaixo d’água neste caso. No romance ,a mãe não conseguiu  “ concertar” a filha.
     Em outro momento ,Dolores vai para o sítio onde os pais passaram a morar deixando o apartamento na cidade por conta dela e do irmão. Simão não estava com ela, o que deixou a mãe preocupada:

     _E você ficou sozinha naquele  apartamento ,filha?_ perguntou D. Artemisa.
     _Como sempre estive desde que vocês se mudaram para cá. Eu e Simão passamos dias sem nos ver, nos comunicamos por bilhetes pregados na porta da geladeira. Nossos horários são desencontrados.
     _ Que vida mais esquisita._ disse a mãe resignada.
     _ Cada tempo com seus usos._ disse  o desembargador sem tirar os olhos do livro que  folheava.pg 53

   Nesse fragmento é possível   perceber a transição do tempo entre elas e o tempo tem valor emocional também, o que a mãe não compreende  ,o pai já assimilou.É esquisito porque  é diferente do que seria  comum na sua época de moça.Ela  tem a visão de que a filha precisa  do irmão ao lado para garantir proteção, mas o interesse dos dois irmãos são totalmente desencontrados, o que torna uma relação de fusão impossível.
     Nos dois últimos fragmentos escolhidos para esta parte percebemos mais momentos  de choque  de valores entre elas e descontração por parte do pai,além de mudanças de valores:

   _Ah não pai! Tem dó! Comemorar a minha  nota máxima com licor de jenipapo da tia Arminda! Que pobreza!Não tem uísque? Não tem um Napoleón?_disse Dolores.
     _Que é isso, Dolores! ‘Tou te estranhando_ disse a mãe._Que  costumes são esses que  você apanhou na cidade?Bebendo bebida forte de homem!No meu tempo mulher não bebia.
      _ Só escondido, não era? Não se esqueça que foi a senhora mesma quem contou. As farrinhas no quarto  no meio dos ti-ti-tis?pg 108.
      _ Se é coisa boa assim, eu  também fico contente._disse a mãe_ Só não estou tão encantada é com essa história de viajar sozinha para  o estrangeiro. O estrangeiro é sempre um lugar perigoso para moça  solteira. Mas enfim...
     _Mãe , depois que inventaram  ao satélites , a fibra ótica, o fax, o avião a jato , a informática e outros  breguetes, o estrangeiro é ali na esquina. É mais perto que ir  a Uberaba, no famoso tempo de que a senhora tanto fala. De mais a mais, se eu for mesmo, não irei sozinha .Vou com o meu namorado, que também fez o curso.
     _Valha-me  Deus!_ disse a mãe levando as mãos no rosto._ Você  ouviu isso, Mariano?
     _Ouvi, e não  arregalei os olhos ,nem a minha pulsação se alterou. São os costumes de hoje, minha filha. Nada a estranhar. Pg. 109.

     O que era impossível e impensável  para Artemisa é possível e pensável  para Dolores,pois o tempo e as ideias mudaram um pouco.O tempo da filha é diferente do tempo da mãe.E não faz tanto tempo físico  assim que tais atitudes da filha seriam impossíveis  e mal interpretadas. E outra  vez o desembargador surpreende por não reagir como um pai tradicional agiria, não repete frases típicas em momentos como este do tipo “minha filha não faz isso ou aquilo!” tão comuns e esperadas em situações como a anteriormente mencionada,ele aceita as novidades sem problemas  e sem dramas, bem diferente da mãe.Porque as conquistas femininas são recentes  historicamente falando começaram no século passado  , o século  XX, e no Brasil na década de 30 as mulheres conquistaram o direito ao voto,na década  de 40 conquistaram o direito ao mercado de trabalho,na década de 60 o direito à sexualidade,na década de 80 o direito a propriedade da terra,na década de 90 a dirigir seus próprios negócios .Ou seja, algumas décadas , historicamente foi ontem.Mas no tempo-emocional parece que foi a séculos atrás.Porém nem todas as mulheres as aceitam.
     O fator de estarmos no século XXI não elimina o fato de pequenos e grandes preconceitos contra a mulher e o homem os quais ainda prevalecerem na mente de muitas pessoas .Nem todos os mitos sociossexuais   foram derrubados, o medo de mudanças faz com  que sejam reforçados  através de discursos apocalípticos .No tempo alguns conceitos muda(ra)m ,outros prevalecem mesmo estando errados, pois muitas pessoas tem muito medo da mudança seja ela qual for.As tecnologias avançam  rapidamente,mas o espírito  humano não evolui tão rápido.O medo do futuro como horizonte de mudanças  faz que muitas pessoas queiram retroceder no e ao passado, idealizado-o como um ninho de segurança emocional, e muitos usam as religiões antigas ou “novas” como muletas psicológicas  para permanecer de modo inquestionável  com   a  sua ligação com o passado.Exemplo: campanhas de supostos  evangélicos ( no sentido banalizado do termo) de retorno da mulher ao lar  como se isso fosse a solução para  todos os problemas da modernidade.Retrocede ,mas não resolve nada.O custo de vida já não permite que um homem sozinho banque as despesas da casa e da família dependendo da classe social que se situe.  
      Segundo Crochik[xvii]os frankfurtianos em suas teorias observaram a questão  da personalidade autoritária : a relação  com a ideologia  que o indivíduo adere tem haver com a  sua personalidade. O individuo autoritário   adere as ideologias  autoritárias  se surgir um campo e  momento propício  como foi o caso da Alemanha nazista,mas há alguns casos de segundas intenções. A constituição do indivíduo  é medida pela sociedade[xviii].O que leva  também a questão da servidão voluntária .
     No caso  Maura e Belisário, ela é serviçal da família de Mariano e Bel é o auxiliar de  cozinha.Na atitude dela há um certo grau de identificação com a personalidade autoritária  que não existe em Mariano,pois apesar de ser amiga de Belisário, diante  das outras personagens ela demonstra um senso de hierarquia  forte. As reações  que ela apresenta seriam  consideradas extremamente comuns num patrão ,e não numa empregada:

     D. Maura apareceu para saber se queriam alguma coisa, um café, um chá. Ao ver Belisário sentado na sala com os patrões, e rindo, fez um muxoxo e resmungou “hum, muito chique” entre dentes. (...)Ao sair , D. Maura fez menção de dizer alguma coisa,mas apenas balançou a cabeça.(...) O desembargador percebeu e sorriu,parece que  dizendo para si mesmo , “ quem é que entende essa chamada natureza humana?” Uma criatura  que sempre pareceu gostar de Belisário, e  sempre o  protegeu.pg 61.

      Voltando a pensar na questão dos “lugares” é  ela que demarca o “lugar do patrão” e o “lugar do empregado” o qual o patrão não está nem um pouco preocupado em ficar demarcando.Seria o esperado de tão cristalizado que Mariano fizesse isso,mas  ele não tem esse  senso de hierarquia  que aflora em outras personagens do autor ,como por exemplo o pai de Lu em Sombra de Reis Barbudos .E muito comum em outras ficções  essa demarcação constante de” lugares de patrões e empregados” entre outros .Quando se vê  uma empregada agindo como patroa  causa um pouco de estranhamento,mas também pode ser um pouco de ciúmes por parte dela com relação ao menino:

       Resolvida essa parte a contento geral .D. Maura com uma bandeja  de chá de rosas e ,para  mostrar que não era  carta pequena naquela casa, disse autoritária a Belisário:
     _ E você ai, seu mequetrefe ,deixa de posar de senhozinho  e  vá buscar uma  travessa de sonhos que está na mesa da cozinha.Anda, senão esfria.pg.105.

     Depois  quando Bel ganha a bicicleta de Simão e Dolores:

     Por algum motivo difícil de entender, D. Maura  insistia em mostrar uma mistura de  indiferença com desaprovação; mas bem que gostava quando precisava  de uma  estafeta ligeiro para levar um recado ou um agrado a alguém na vizinhança.Tanto  gostava que quando o pneu  muchou e Belisário ainda  não tinha aprendido a resolver esse contratempo ,ela ficou tão  desassossegada quanto ele. Vá entender a cabeça de certas pessoas. Pg. 111 e 112.

     Num  momento que todos na sala aguardam uma  manifestação de relógio :

     D. Maura retirou-se desapontada ,mas  não sem lançar um olhar reprovador na  direção de Bel, sentado na poltrona fofa,como visita importante ou gente da família.Pg.117

     Ela é ambígua  com relação ao menino,não sabe sobre seu dom .Gosta dele,mas desaprova a intimidade  dele com os patrões,pois ocorreu uma quebra de hierarquia por causa dessa proximidade.Como diz o ditado popular :empregada com espírito de patrão.É o tipo de pessoa, na vida real, que gosta de dar ordens, quer ser obedecida de qualquer maneira e em casos extremos parte para a ignorância se questionada.
     A denominada relação dominadores e dominados tem mais de uma  faceta,com  a  leitura da psicologia  e a filosofia  podemos perceber algumas facetas do que parece  um jogo ao avesso devido a  fragmentação e parcialidade  que o assunto é tratado  por determinados seguimentos socioculturais .Não acontece a complementação dos pares dominante e dominado o que causou estranhamento , questionamento e busca de possíveis respostas sem a intenção de esgotar o assunto.Veiga não abandonou um dos seus temas principais ,apenas “mostrou” os outros  modos que pode acontecer sem chegar as vias de fato, as crenças pessoais de algumas personagens que não encontraram eco nas atitudes do desembargador.
      O estranhamento foi desencadeado pelos nossos conhecimentos prévios  que antes da pesquisa  eram apenas intuições, o pequeno choque entre a ficção harmoniosa e a realidade  conturbada das relações familiares em muitas outras ficções,as atitudes das personagens que revelam uma  descristalização de determinadas  atitudes que seriam típicas da personagem no caso do pai e patrão Mariano,porém noutras parece um “algo fora do lugar” como Artemisa e Maura  e a própria diferença de estilo que  o autor apresenta entre os primeiros livros e  este  que foi analisado.
      O que Orlando[xix]   observou  sobre interpretação está presente em toda e qualquer manifestação da linguagem. O sentido depende da interpretação, pois o sentido não fecha, não é  evidente embora pareça ser, jogando também com a ausência e o não-sentido.Para ela  a  relação ser humano, mundo e linguagem não é direta como também não é  a relação linguagem e pensamento, linguagem e mundo. São relações medidas na  qual o discurso  é uma   das instancias  materiais (concretas) da relação  somada a abertura do simbólico. Pois a relação  humana com os sentidos possuem diferentes materialidades. O  que afeta a interpretação. O gesto de interpretar ocorre porque o espaço simbólico tem a marca da incompletude e  relação com o silêncio. Lugar próprio da ideologia  “materializada” pela história. A  interpretação se dá num lugar histórico ,social  e tem uma direção (política) .Na analise  do discurso desenvolvida por Michel Perxer  faz ele percebeu o “entremeio” que produz o deslocamento do sentido e sua noção de ideologia.A  disciplina do  entremeio discuta seus pressupostos continuamente . Faz  uma  ligação entre a linguagem e sua exterioridade constitutiva, mostrando  que não se separa linguagem e  sociedade na história.Trabalha justamente a contradição  entre  elas . “Quando ao social,não são os traços sociológicos  empíricos _ classe social, idade, sexo, profissão _ mas as formações imaginárias  que se constituem a  partir das  relações sociais, que funcionam no discurso: a imagem que se fez de um operário, de um presidente, de um pai, etc.Há em  toda língua  mecanismos de projeção para que  se constitua essa relação entre  a situação_ socialmente descritível _ e a  posição dos sujeitos discutivelmente significativa”[xx]. Sendo  assim ,ideologia “ é a interpretação de  sentido em certa direção, direção determinada pela relação da   linguagem com a história em seus mecanismos imaginários .A  ideologia não é ,pois ocultação, mas função da relação necessária entre linguagem e o mundo. Linguagem e mundo  se refletem , no sentido da refração, do efeito (imaginário) necessário de um sobre o outro.  Na  verdade é o efeito da separação e da relação necessária  mostrada  nesse mesmo lugar. Há uma contradição entre mundo e linguagem e a ideologia  é trabalho desta contradição.”[xxi]
      Além da divisão física do tempo em presente,passado e futuro,há também o tempo emocional  que não seguem uma linha reta ,mas sim uma aspiral na qual os tempos convergem e divergem de acordo com os acontecimentos Históricos e históricos.Através do tempo regras  são criadas para depois serem modificadas ou quebradas  evolutivamente ou não.Há as pessoas que querem o congelamento do tempo para manter regras e comportamentos que julgam ser adequados ,por medo de toda e qualquer mudança, enquanto outras pessoas querem as mudanças como avanços e esperança de futuro melhor do que o presente. No tempo se estabelece a memória  e as (H)histórias. O  macro e o micro mundo estão interligados. No micro mundo familiar é possível perceber os avanços e recuos da mentalidade e as mudanças que o tempo social atual oferece.

Romance:
VEIGA,José J. O Relógio Belisário.  Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996.  
       
Referências Bibliográficas:

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ALMEIDA,Cleomar.Amor que vira agressão.O Popular: 15/07/12.
______________.Abrigos não passam de projetos.O Popular:15/07/12.
BOUQUET, Tim. Vítimas da honra.Rio de Janeiro: Seleções Reader’s Digest: janeiro,2012. Pg .100 a109.
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia.São Paulo: Ática.pg 165 a  176.
CROCHIK, José Leon. Colóquio Teoria Crítica, Cultura, Sociedade e Conhecimento. Anotações: 28/02/2002.
DOWLING, Collete. Complexo de Cinderela. Trad. Amarylis Eugênia F. Miazzi. São Paulo: Melhoramentos, 1987.
KOTHE, Flávio. Literatura e Sistemas Intersemióticos. São Paulo: Cortez Autores Associados, 1981.
LABOISSIÈRE,Maria Luiza Ferreira.Processos de Transfiguração da Realidade em  José J. Veiga e  Miguel Jorge. Goiânia,Gráfica e Editora São Paulo, 1989.
LUFT.Lia.Perdas e Ganhos.
MACHADO, Marieta Telles. Narrativas do Cotidiano.
MARTINS,Patrícia Ferreira da Silva. Realismo Mágico e Pós-modernidade: Descentrando o Discurso Dominante. Dissertação de Mestrado.UFG.1999.
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NETO,Alfredo Naffah. Psicodramatizar. São Paulo:Agora,1980.
NOLASCO,Sócrates Alvares. O Mito da Masculinidade. Rio de Janeiro: Rocco, 1993.
ORLANDI, Eni Puccinelli. Interpretação _ Autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico.Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes,1996.
QUEIROZ, Renato. A crise deles. O Popular: 15/07/12.
SEBBA,Jardel. Alguns pilares da condição masculina não mudam. O Popular: 15/07/12.
SOUZA, Agostinho Ponteciano. Um Olhar Crítico sobre Nosso Tempo: Uma leitura da obra de José J. Veiga. Campinas, 1987.
SOUZA,Regina Célia de . Atitude, Preconceito e Esteriótipo :www. brasilescola.com/psicologia/atitude-preconceito-esteriótipo.htm.
VALLE, Beatriz. O que é  ser um homem hoje  em dia ? O Popular: 15/07/12.


         
    
     


[i] SOUZA, Agostinho Ponteciano. Um  olhar crítico sobre o nosso tempo.
[ii] Programa Silvia Poppovic com Astrid. Assunto: Fui expulso de casa: 04/05/2000, rede Bandeirantes.
[iii] CHAUÍ,Marilena. Convite à Filosofia.
[iv] Idem pg. 174.
[v] Rio de Janeiro : Rocco.1993.
[vi] Idem.pg 30.
[vii] NETO, Alfedro  Naffah. Psicodramatizar.
[viii] Idem. Pg.41.
[ix] DOWLING,G. Colette. Complexo de Cinderela.
[x] AIRES, Eliana Gabriel. O conto feminino em Goiás.
[xi] LOBATO,Margareth.(Anotações em sala de  aula, que infelizmente não sobreviveram a fúria de limpeza  da minha mãe).
[xiii] MIYAZAKI, Teiko Yamaguchi. Lendo José J. Veiga: de Platiplanto a Torvelinho.
[xiv] Narrativas do cotidiano.
[xv] NOLASCO,Sócrates. O mito da masculinidade.
[xvi] Colóquio Teoria  Crítica, Cultura, Sociedade e Conhecimento. Prof. Dr. José Leon Crochik(28/02/02) anotações.  
[xvii] Idem.
[xviii] Idem.
[xix] ORLANDI,Eni Puccinelli. Interpretação_ Autoria, leitura  e efeitos do trabalho simbólico.
[xx] Idem pg. 30.
[xxi] Idem,ibidem ,pg 31.