Coisas de gaveta é um blog de textos de minha autoria.Tem de tudo um pouco:contos,crônicas,artigos acadêmicos,etc;principalmente poemas por ter escrito mais do que outros textos.Escrevo porque penso e logo reflito.Existo?Creio que sim.Há quem duvide,mas ter dúvidas é bom para a saúde intelectual.Certezas demais detona(ra)m o mundo.Vivo entre as fronteiras das ficções e das realidades e pensados sobre elas.
sexta-feira, 28 de dezembro de 2012
Conto:
O melhor amigo da onça
Eduardo tinha uma cisma que o irritava: o
cachorro do vizinho Anibal.O animal parecia pronto para atacar qualquer coisa que passasse diante dele. Anibal ,
que dizia ser seu amigo,acalmava-o com
a frase típica que todo dono de cachorro
bravo diz:
_Que isso? Ele não morde!
Eduardo ouviu este refrão várias vezes .E
várias vezes se arrependeu por acreditar no seu amigo de bebedeira.Seus bichos de estimação sempre foram gatos e todos foram estraçalhados pelo
cão de Anibal. O atual sobrevivente também é gato.Mas será que teria
sete vidas? Os seus antecessores só
tiveram uma vida,mortos foram
enterrados com as devidas
homenagens.Todos foram mastigados pelo
cachorro do vizinho. O mesmo que
dizia ser seu amigo e que seu cachorro
não morde. Nada vivo retorna vivo depois de
entrar naquele quintal.
Num dia de domingo Eduardo teve uma desagradável surpresa.O gato morreu na boca do cachorro do
vizinho que tentou se explicar alegando que foi um acidente e até
pagou o funeral do bichano por ver o quanto transtornado ele ficou.
Inconformado Eduardo adotou outro gato
,Mel, e disse para si mesmo que esse o
cachorro não pega e se pegar ele nunca mais teria outro bicho de estimação.Mel era um
filhote grande que foi cuidado com todo
carinho e dedicação. Depois de um tempo
Anibal percebeu que algo
acontecia com o gato de Eduardo ,estava maior do que os antecessores, quase do
tamanho do cachorro ,Rex.
Numa noite,num ato de descuido, não muito
descuidado, Anibal deixou o portão do vizinho e o seu abertos.E aconteceu
o encontro entre o gatão e o
cachorro.Brigaram.Rex acabou morto por Mel. O exterminador de gatos foi exterminado
pelo gato.Outros vizinhos que viram o
ocorrido,não se arriscaram a sair de
casa. Alguém lembrou de ligar para o
IBAMA e Corpo de Bombeiros para prender o gato.Nessas horas são os bombeiros que resolvem.
Anibal chorou a morte do seu Rex e recebeu
os pêsames de Eduardo.
_Calma ! Isso acontece...
_Seu gato matou o meu cachorro?
_Foi uma
onça, provavelmente de um criador
particular.Ela foi levada para o zoo da cidade._ironizou.
Eduardo se fez de desentendido e Anibal chorava como uma criança que perdeu o seu brinquedo favorito,
soltava faíscas de ódio e disse que seu cão foi vítima de um crime premeditado.
_Que isso? Gatos não mordem! _ironizou de novo.
24/05/98.
25/03/03.
15/12/12.
domingo, 23 de dezembro de 2012
sexta-feira, 21 de dezembro de 2012
Conto:
O nome do inglês
Certos
pais incertos ou não
muito certos, não tem pena e/ou respeito
pelos seus filhos.Põe nomes cujos significados não conhecem por achar a
sonoridade linda ,como palavras de uma língua estrangeira, principalmente do inglês: lady,
barman, Merry Christmas, etc .Houve um
homem que achava as palavras
Xerox,fotocópia e autenticada eram tão
bonitas que nomeou as três filhas
com elas, as quais eram vítimas
constantes de piadas e por isto resolveram lutar na justiça para mudarem seus
nomes.Depois disto não se soube se
conseguiram ou não;ou se continuam lutando para mudar seus nomes.
O grande problema de um menino era o seu
grande nome:Shakespeare.Os pais acharam que o nome do inglês importante
traria status e sorte para o garoto.Trouxe problemas.Shakespeare não sabia
escrever seu próprio nome,pior ainda
era pronunciar abrasileirado, saia de
todo jeito,menos a pronuncia correta.Os colegas pronunciavam de todos os modos
possíveis ,alguns fazendo gozação com o
tal nome tão esquisito.Para encurtar o nome
e evitar gozações um dos colegas resolveu chamá-lo de
Xeique.Porém o tiro saiu pela culatra:
Xeique parecia nome de cachorro.O que rendeu novas piadas de mau gosto.
Sempre aparecia um colega maldoso para
fazer gracejos na hora do recreio, estalar os dedos como se chamasse um
cachorro e chamá-lo como se fosse um cachorro.
Shakespeare ficava deprimido,mas não podia fazer nada. De onde
os pais teriam lhe arranjado esse raio
de nome? Não tinha ideia e o pior era que nem eles sabiam,só sabiam que era de
um fulano importante.Quem seria
Shakespeare , o primeiro?
Quando menos esperava Shakespeare descobriu quem era Willian Shakespeare.Certo dia, uma
professora novata entrou na escola e
ao depois de devolver alguns trabalhos escolares deparou-se com o estranho nome escrito na folha de papel.
_De quem é esse trabalhos?
_É meu ‘fessora._ já sabia ,pois sempre teve esse problema.
_Qual é o seu nome?
_Xeiquispeare.
_ Traga sua certidão de nascimento para mim
amanhã.
No
dia seguinte, ao ver o documento surpreendeu-se com a escrita correta do nome:
Shakespeare. Ela instruiu-o sobre como
se escreve é diferente de como se pronuncia :xeiquespir.Ela disse ao menino quem era o famoso Shakespeare: dramaturgo e poeta inglês autor
de peças famosas como Romeu e Julieta, Hamlet, Otelo e outras.
Shakespeare foi aconselhado a ler Shakespeare quando ficasse mais velho.E espera que diferente dos seus pais tenha
juízo para escolher nomes bonitos e simples para seus
filhos não sofrerem o que ele sofreu e evitará dores de cabeça.
06/02/00.
20/03/03.
05/12/12.
sábado, 15 de dezembro de 2012
Conto:
Mais cena de rua
Eles veem em bando,como lobos querem uma presa.São ou não são monstros, eis a questão?Predam para sobreviver. Maltrapilhos, com um preparado de cola nas mãos,outros de mãos
vazias e todos temidos como monstros.
Todos olham paralisados.Ninguém diz algo ou se mexe no ponto de ônibus.Os
menores entram numa casa.Tentaram roubar a casa de uma senhora idosa,velha moradora do bairro.Porém
, ela tinha um cachorro que
avisou-a a tempo para ver quem chegava. Pegou o revólver e impediu a invasão a sua casa.
Os invasores eram meninos de sete ou oito anos. Só deu para vê-los
correndo mais rápido do que o vento, mesmo assim debochando da mulher que
apareceu furiosa com sua arma na mão e o
cachorro de coleira e corrente na outra
querendo ir atrás dos invasores.Enfurecida gritava coisas do tipo “ onde
está a polícia quando se precisa?”, “direitos humanos só servem para fortalecer
marginais!”, e palavrões.
Numa
distância segura os meninos,alguns meio dopados pela cola e outros
bem alertas faziam gracinhas nada engraçadas para a quase vítima que virou algoz ,insistiam
para fazê-la atirar e fazer o animal latir.Ficou perigoso para os
pedestres que passavam por perto.Com o Estatuto da Criança e do Adolescente em
vigor a vítima já estava no papel de algoz.Talvez se
lembre-se disso ,pois não atirou,mas
gritou com ódio até quando aguentou.
De repente, eles esquecem dela e
correm.Para onde? Talvez atrás de outra
presa menos prevenida e menos
furiosa.Hoje são menores abandonados,mas o que será deles quando crescerem? Se crescerem.
O pessoal que cuida de direitos
humanos no Brasil age de modo parcial,
só olham os bandidos,menores e os adultos, como as pobres vítimas do
sistema e quem é fardado como o policial é o agente do
sistema opressor,os caras maus .Como se
estivéssemos dentro de um filme maniqueísta o qual os mocinhos estão de
um lado e os bandidos do outro
lado. Como se alguém vivesse fora do tal “sistema”.A teoria explica de modo geral e focada numa mentalidade maniqueísta de tempo da Guerra Fria.A atualidade é bem mais complexa do que isso.Cada caso é
um caso. As leis são lindas no papel,mas são só para enfeitar papel,para valerem os cidadãos
terão que lutar para fazer valer seus direitos escritos na lei. Pois o
fato de ser lei não garante que será cumprida, que uma estrutura bem estruturada será criada para cuidar de
menores infratores ou bandidos ou quem quer que seja.Do jeito que o sistema carcerário
está não segura e nem recupera ninguém,
só piora o que já está ruim.
11/09/99.
20/03/03.
04/12/12.
sábado, 8 de dezembro de 2012
Conto:
Epifania?
Mês de dezembro. Ao comprar
anjinhos de madeira um sentimento emergiu.Um misto de saudade e alegria de
natais que não tive.Ou tive e não lembrava com exatidão? Ou que já tive? Perdidos em algum lugar no tempo.Em qual espaço?
Essa sensação acompanhou-me no
percurso até em casa.O pacote na minha
mão palpitava.Os pequenos anjos estariam
vivos? Apenas uma impressão.Mas as pequenas
figuras pareciam vivas e felizes, além
do próprio sorriso cuidadosamente
pintado com tinta. Um belo trabalho de artesanato.
Perdidos entre os outros enfeites coloridos da árvore de Natal eles
encontraram seu lar.Uma parte do brilho da festa e tornaram-se parte da casa agora. E sinto um certo carinho por eles,como
se não fosse a primeira vez que nos
encontramos.
A canção de uma caixinha de música fez-se ouvir, em algum
lugar, enquanto a tampa da minha caixinha estava fechada. De onde vem e para onde vai a música?
O tempo passa. Numa noite nebulosa
descubro na sala os anjinhos brincando
com um mecanismo de caixinha de música quebrada que pertenceu a outro
alguém.O que foi no passado uma caixinha ainda é música. E agora virou
brinquedo de pequenas crianças de madeira.
02/12/00.
20/12/00.
18/03/03.
06/10/03.
04/12/12.
sexta-feira, 30 de novembro de 2012
Conto:
Liberdade: uma questão de
pensamento
Toda
moral condena a vida,nega-a,não se cansa de a empobrecer,de a
sufocar ou de a condenar.
André Conte-Sponville
Luci, canto e canção do pássaro
.Passarinho chamado amor. Arte e amor rimam
em sua alma. Canções que alcançam os nossos corações, os verdes e
os maduros.
Ela não se deixou silenciar e não que o
marido a silenciasse .Agora ela está
conosco na Oficina Literária , ensinando
coisas que só aprende quem já
passou pela escola da vida.
Mas ela também é guerreira.Canta para nós,
para os parentes e amigos, para si mesmo. Fez curso de música ,não faz Faculdade
por causa do marido.
Infelizmente , uma amiga sua não fez isso. Fez curso de
música,mas parou de cantar e não canta nem em casa
porque o marido, ruído de ciúmes,
diga-se de passagem,proibiu e argumentou
que não fica bem uma dona de casa
aparecer demais por aí , fazendo shows, saraus,etc.
Com uma pontinha de orgulho, essa mulher
disse para Luci que não canta nada há
vinte anos por causa do marido.
_Pois você foi mais cruel consigo mesma do
que ele ._disse-lhe Luci.
__/__/__.
15/11/12.
domingo, 25 de novembro de 2012
Conto:
Só Spilberg explica
Joane folheava uma revista entediadamente.Parou numa página para
observar uma foto entre outras tantas.
Era a foto de um lago cercado por
árvores e mato verdinho como
recém-nascido , água escura neblinada e ondulante ;no centro um barco a remo ,
a silhueta de um homem pescando.
_Parece que algo vai pular de dentro da
água._pensou em voz alta.
E pulou... A água começou a borbulhar. O homem, ou melhor , a
silhueta do homem levou um susto, deixou
a vara de pescar cair e segurou-se num dos lados do barco.Subitamente a silhueta de
uma serpente marinha surgiu dentre as bolhas, abriu a bocarra, engoliu o barquinho
de uma vez e submergiu.
Joane
despertou de seu estado de letargia, gritou, soltou a revista num canto
e saiu correndo para o seu quarto.Parou de repente. Julgou sua ação como um ato
absurdo.Mas o que viu também era absurdo.Seu irmão apareceu para saber o motivo do grito.
_Nada não!Foi um pesadelo,acho eu.
_Que tipo de pesadelo?_alfinetou.
_Ah!...Er...Uma serpente marinha ,a sombra
dela,engoliu um barquinho na foto da
revista.
_Cadê a revista?_ perguntou provocativamente.
_Lá,na sala.
_ Vamos ver?
_ Foi só um pesadelo.
Foram até lá.Ela sabia que era loucura,mas tinha que mostrar para ele só por
mostrar.Faltava pouco para ser chamada de louca ou ser perguntada se tem tomado “alguma coisa” que fez alucinar.A
cena de ação que viu não cabe numa única foto.
Ele pegou a revista ,ela indicou a página e ele folheou,achou a foto.Todos os
elementos estavam lá,menos o barco.
_Na revista não tem nada de mais._ disse
ele.
_Engraçado, tem a silhueta de outro homem correndo no bosque.
_O quê?! Pirou de vez.
_Olha aqui.
Ela mostrou para ele que caiu sentado do
chão. Também deixou a revista cair de suas mãos.A cara era de terror absoluto
,apontou para a janela atrás dela freneticamente.
Joane o olhou a revista no chão e virou-se lentamente para trás e viu na janela
um olho enorme fitando-a.Soltou um
berro. O animal berrou também,mostrando os dentes.Depois , de dar uma olhadinha nos dentes serrilhados
do bicho saiu correndo de lá junto com o
irmão.E jurou que se saísse viva dessa situação se tornará defensora das espécies em
extinção.
24/05/98.
quarta-feira, 14 de novembro de 2012
Mini-conto:
Transcendência
O homem nu
corre pelas ruas.Um sorriso estampado na face. Os braços abertos.Quer voar ou já está voando?
Parece feliz
por estar livre. Livre de quê?
Os moradores da rua ao percebé-lo se assustam, entram para
dentro de suas casas, se trancam e olham certificando-se de que foi embora. Os transeuntes saem do
meio do caminho, outros fingem que nem o
veem.Mulheres assustadas agarram-se as
crianças pequenas.
Os garotos de um colégio tentam agredi-lo.
Ele corre mais depressa. Eles não o alcançam. Continua sorrindo. Corre... Vai
levantar voo... Desaparece.
15/04/98.
quinta-feira, 23 de agosto de 2012
Um oceano numa gota
Sete vidas como um gato
E várias faces como um
Diamante,
Tudo em uma só pessoa
A mesma vida
Partida em duas:
Real e virtual.
Convergindo e divergindo.
Real: cotidiana, social,rotineira, etc.
Virtual: imaginária,onírica, fake,etc.
Tantas vidas dentro
Da mesma vida.
Administrá-las sem
Enlouquecer.
No uno múltiplo
Da normalidade
Mesmo que pareça
Fora do normal:
Normais normalidades.
19/08/12.
21/08/12.
E várias faces como um
Diamante,
Tudo em uma só pessoa
A mesma vida
Partida em duas:
Real e virtual.
Convergindo e divergindo.
Real: cotidiana, social,rotineira, etc.
Virtual: imaginária,onírica, fake,etc.
Tantas vidas dentro
Da mesma vida.
Administrá-las sem
Enlouquecer.
No uno múltiplo
Da normalidade
Mesmo que pareça
Fora do normal:
Normais normalidades.
19/08/12.
21/08/12.
quarta-feira, 22 de agosto de 2012
Eter-n-idade
De repente cantores mortos,
Fisicamente mortos,
Reaparecem em cena:
Hologramas.
Vidas congeladas na imagem
Imaginação?
Fantasmas da memória
Afetiva revividos.
Ressurreição do passado
No presente imagens
Congeladas: gravações.
Mortos eternamente vivos,
O público nega a morte
Do(s) ídolo(s) que ama.
E reinará absoluto
O holograma?
05/08/12.
08/08/12.
11/08/12.
14/08/12.
21/08/12.
Fisicamente mortos,
Reaparecem em cena:
Hologramas.
Vidas congeladas na imagem
Imaginação?
Fantasmas da memória
Afetiva revividos.
Ressurreição do passado
No presente imagens
Congeladas: gravações.
Mortos eternamente vivos,
O público nega a morte
Do(s) ídolo(s) que ama.
E reinará absoluto
O holograma?
05/08/12.
08/08/12.
11/08/12.
14/08/12.
21/08/12.
sexta-feira, 10 de agosto de 2012
O Tempo em Aspiral:A dialética dos comportamentos e das comunicações
Resumo:
Análise
psicológica e filosófica
da relação dominadores e
dominados ,o modo sutil apresentado no
romance O Relógio Belisário de José J.
Veiga,nas relações entre as personagens interconectando com as outras obras do autor,outras
ficções e a realidade,além do estranhamento e busca de explicação por determinadas (re)ações diferirem de
outras ficções e na realidade .
(...) não há sentido sem interpretação ,
e a interpretação é um excelente observatório para se trabalhar a relação historicamente determinada do sujeito com os sentidos, em
um processo em que intervém o imaginário
e que se desenvolve em determinadas situações sociais.
É
assim que entendemos a ideologia,
nesse percurso que fizemos para
entender também o que é interpretação.
Eni
Puccinelli Orlandi
Os homens têm complicado tanto o mecanismo da
vida que já ninguém tem certeza de nada: para fazer alguma coisa é preciso aliar
a um impulso de aventura grandes sombras
da dúvida.
Cecília
Meireles
O livro em
questão é considerado pela crítica especializada uma obra menor do autor, respeito a opinião ,mas para mim não consideramos o livro como menor , o consideramos
diferente do conjunto da obra .Mas um diferente
do conjunto da obra de Veiga
sem destoar do seu tema principal: a relação dominadores e
dominados. Como isso acontece? De modo bem sutil , através das personagens femininas: Artemisa e Maura ,em especial ,e na
interlocução com as outras personagens:tempo-mentalidade ou ideologia da época
,âmbito interno da personalidade das
personagens acontece a relação dominadores e dominados.Além disso a questão do
tempo que não caminha em linha reta é sim como uma aspiral ,velhos valores
coexistem com novos costumes com mudanças que questionam o passado ,mas não o
destroem completamente como muitos temem ao menor sinal de mudança.Nem todas as
pessoas querem mudanças,mesmo sabendo que não foi bom o tal passado vira um marco de
referência com regras fixadas, o “no meu
tempo era assim ...”.
O “no meu tempo”
em termos de comportamentos masculinos e femininos acontece de muitos modos previsíveis e tem diferentes denominações.O que a
psicologia denomina como machismo feminino ou mulher machista, Margareth Lobato denomina de preconceito reverso, Dowling
denominou Complexo de Cinderela ,Chauí
chamou de ideologia do “lugar do feminino”,Luft chama de espírito
de manada. São atitudes que ocorrem numa
parte do conjunto da obra de Veiga,no foco desta analise de um romance. As personagens
femininas, mães/esposas , são elementos
que unem a família mesmo não tendo participação ativa e também conciliadora diante do possível rompimento familiar( De Jogos a Festas, Sombra de Reis
Barbudos ) e quando ausente a
família se separa( Roupa no
Coradouro e Viagem de dez léguas) , enquanto em O
Relógio Belisário há duas personagens femininas (Artemisa e
Maura) que são contrárias as mudanças e quebra de hierarquia que pode ser
percebido através dos seus comportamentos, num sutil jogo dialético entre mãe
e filha, empregada e o auxiliar de
cozinha que percebemos ter um algo mais
do que Adorno denominou personalidade autoritária : a “ dominada” que
identifica-se com o discurso da
dominação num ambiente no qual as
demais personagens não estão preocupadas com hierarquia ou demarcação de
território (cada um no seu devido lugar), em especial o desembargador Mariano
é despojado de autoritarismo causa humor
e surpresa . Quando a aparente normalidade é dominação?Depende de
quanto determinadas regras estão
enraizadas no pensamento coletivo.O que é normal para uma pessoa,pode não ser
para outra.Até o modo de pensar pode ser aprisionado quando não aceita a diversidade de opiniões
alheias.
No fragmento em O
Relógio Belisário:
(...) D. Artemisa tomou a iniciativa
de convidá-lo a voltar sempre que
quisesse, agora que o casal tinha decidido ficar no sítio.Mas logo percebeu que
pela segunda vez no mesmo dia havia transgredido uma norma
da educação recebida: o convite devia partir
do marido. E tentou corrigir o resvalo. Pg 50.
Como já foi
mencionado um dos temas recorrentes no
conjunto da obra de Veiga é a relação
dominadores e dominados. Na fase sombria[i]
essa relação ocorre de modo
macrocósmico e explicitamente.
Exemplo: em Hora dos Ruminantes estrangeiros
chegam num pacato lugarejo e junto com bois e cachorros alteram a rotina
do lugar. As pessoas são prisioneiras
em suas próprias casas. Depois eles vão embora tão de repente quanto
chegaram.Em Sombra de Reis Barbudos Lucas acompanha em sua cidade as transformações com a
chegada da Companhia Melhoramentos que
aos poucos revela seu objetivo de controlar as pessoas. A vida de todos passa a ser registrada, catalogada e vigiada. Quem
contraria as regras é preso rapidamente.
Para não fugirem barreiras são
construídas impedindo tanto a entrada quanto a saída . Voar é o
único modo de escapar.
Nos romances da
fase luminosa como O Relógio Belisário
e Torvelinho Noite e Dia a
relação ocorre de modo micro e sutil.
Como? Através da mentalidade das personagens.Que só foi possível de perceber
através da desconstrução dos
comportamentos tradicionais dentro de
situações nas quais as outras
personagens demonstram
comportamentos diferentes do
esperado em determinada situação,tipo de pai,
da mãe ,de filhos.
Há harmonia e um
descompasso entre as personagens reflexo do tempo-mentalidade, como um choque
de gerações sem desencadear conflito ou ruptura.Enquanto se espera uma ação acontece outra: o desembargador Mariano é o chefe da família e patrão , mas sem o peso dos mitos da masculinidade,
sua maneira de agir é diferente da tradicional. Ele é uma autoridade sem o
autoritarismo. Normalmente ,na vida real ,as pessoas tendem a confundir autoridade com autoritarismo, o que acontece também em muitas outras ficções que o choque
de gerações e diferenças de opinião sobre determinado assunto é apresentado.Percebemos bem no momento que Simão e Dolores revelam
que o rapaz quer ser roqueiro:
Se esperavam que o
pai entrasse em pânico, soltasse
exclamações de incredulidade ou
de censura, calcularam mal. Ele apenas
olhou para Simão com um olhar mais curioso do que sério. Pg. 27.
Na vida real a reação é outra, por
parte de alguns muitos pais é outra do tipo não
aceitação do que é diferente do padrão estabelecido socialmente,
qualquer profissão ligada a música ou
artes em geral ainda é vista como coisa sem futuro, de malandro ou marginal até mesmo em outras ficções, o que normalmente
gera a expulsão do filho de casa na vida real, porque artista ou músico não é considerada
profissão descente , e sim coisa de
vagabundo[ii].
Cria-se um clima de apreensão ,mas a reação é contraria do que esperado para personagens e leitores.É a expectativa
frustrada que desperta a inquietação :
por que ele age assim?Mariano vê o filho como uma pessoa autônoma.Tanto na vida
real como em outras ficções, isso não ocorre:alguns pais veem seus filhos como extensão
deles próprios e por isso não podem sair da linha estabelecida, outros
como objeto de posse e ainda há aqueles que
julgam-se senhores absolutos da
vida de seus filhos.A autonomia dos
filhos para estes tipos de pai é vista
como uma ameaça a sua autoridade.
Mariano tem um
comportamento democrático e despojado também dos preconceitos sociais.Valoriza as opiniões alheias, mesmo as de um menino:
_ Está bem Bel.
Vamos fazer um trato. Por enquanto elas ficam sendo jurubebeiras para mim, e
lobeiras pra você. Quando crescerem
mais, e chegarem no tempo de produzir, elas que decidam o que
é que vão ser. Combinado? Pg. 33.
O que tem haver
com a relação dominadores e dominados?A presença
de uma autoridade não-autoritária
permite perceber que a
mentalidade autoritária está noutras personagens ,além de ser um assunto
psicológico complexo ,pois não há a complementação entre as partes
envolvidas .Há uma quebra de paradigma do esteriótipo ,o qual frustra a expectativa,mas também faz pensar no motivo
das ideias fixa(da)s.
Segundo Chauí[iii] a alienação social é o desconhecimento
das condições histórico-sociais
concretas em que vive, produzidas pela ação humana igualmente
produtora das condições
históricas anteriores e determinadas. “ A alienação social se exprime na “teoria” do conhecimento
espontâneo , formando o senso comum da sociedade. Por seu intermédio , são
imaginadas explicações e justificativas
para a realidade tal como é diretamente percebida e vivida.”[iv]
A elaboração incorporada pelo senso
comum social é ideologia . Sua principal
função é ocultar e dissimular as
divisões sociais e políticas dando a
aparência de indivisão e de diferenças
naturais entre os seres humanos, o que quer é
impedir a reflexão. E pensar além do que é estabelecido como normal é
algo que dói ,por isto há quem evite
tentar pensar por conta própria e espera
que outra pessoa faça isso por ele(a)
como um líder religioso, político e/ou
comunitário, etc.Como isso acontece? A ideologia opera na inversão, colocando os efeitos no lugar
das causas e transforma as causas em efeitos, operando como o
inconsciente: fabrica ideias e falsas casualidade.Exemplo: apesar
dos avanços de algumas mulheres no mercado de trabalho e na vida social, o
senso comum social afirma que lugar de mulher é
na cozinha, cuidar dos filhos,do marido e da casa. Historicamente
sucedeu o contrário,pois a divisão
sexual-social do trabalho e na divisão dos poderes no interior da
família , a mulher recebeu a função de
subordinada, auxiliar e complementar
reprodutora levando-se em conta o lugar do masculino: domínio , autoridade e
poder.Estabelecidas as condições sociais para
cada um dos sexos era preciso
persuadir as mulheres que era o certo,
não provinha da organização social e sim
da Natureza, o excelente e
desejável cada um no seu devido lugar. Por isso, montou-se a ideologia
do “ser feminino” e da “função feminina” como naturais camuflando os motivos históricos e sociais.
A ideologia também
opera através da produção do imaginário social, através da imaginação
reprodutora .Recolhe imagens que reproduz transformando-as num conjunto coerente, lógico e sistemático de ideias que agem em dois
registros: como representações da realidade(sistema explicativo
ou teórico ) e como normas e
regras de conduta e de comportamento(
sistema prescritivo de normas e valores) que ensinam como pensar, sentir e
agir.E o terceiro modo que a ideologia opera é o silêncio: nem tudo é dito
numa frase para que não elimine a
coerência e a unidade do imaginário social ou ideológico, ou seja , atua como o
inconsciente descrito pela psicanálise.
Ideologias regem
a vida humana , assim como os mitos ,
nos mais diferentes aspectos e cristalizados viram
mitos. Como observou Nolasco em O
Mito da Masculinidade [v]
. Se o “ lugar do feminino” não é
confortável para as mulheres , o
“lugar do masculino” para os homens também não é, pois entre os “lugares” há os extremos além de um
abismo que os separa. Ele analisou e percebeu o esforço dos homens para
adequarem-se ao papel de machão mesmo não identificando-se com o modelo, reconheciam o reforço da
família,na escola e nas relações sociais
para adotarem modelos viris, determinados e agressivos , o ser homem reduzido a
ser macho.O modelo talhado para os homens elimina a sensibilidade numa maneira
opressiva de socialização.Critérios
adotados dentro a própria família e
depois pelo meio social que valoriza a violência e a competição como atributos
de homem,negando a afetividade e o
amor.A reflexão lhe
propiciou compreender o abismo e o silêncio que se interpuseram entre gerações.O
feminismo desencadeou a reflexão dos papéis sociais no Ocidente
que desencadeou , também a busca
de alguns homens para desvencilharem-se do machismo e dos esteriótipos do
machão ,pois quanto mais inseguro é o homem, mais violento ele é(isto já foi
psicologicamente comprovado dentro de determinados contextos),embora o
esteriótipo diga o contrário . “ A
representação masculina é uma esfinge de
um deus ou de um herói que segue pelos caminhos
desenhados por este deus”[vi].
Como Ulisses na Odisséia de Homero, Adão na Bíblia: feito a imagem e semelhança de Deus. Nas
estórias de Sêneca são sempre homens determinados
pelo destino, a “resolver” tarefas
difíceis e complicadas( Hércules) e
mesmo o pouco heroico não perde sua origem divina(Claúdio) , atributos de
força, poder, coragem, astúcia
e inteligência e excluindo
sentimentos como medo, inveja e raiva, tornando o herói digno das premiações divinas.
No Ocidente a
ideia de pai segue essa orientação:
continuamente associada à imagem divina, um referencial moral e distante que aos poucos perde sentido
através da busca de proximidade. O esteriótipo do macho exclui as diferentes dinâmicas da
subjetividade , além de fazer crer que um homem se faz com sucessos
absolutos: nunca chora, ser sempre o
melhor, competir sempre. Ser forte, jamais se envolver afetivamente e nunca
renunciar ( o tão comum se não for minha não será de ninguém).Privados pela sociedade dos afetos do Eros, crescem
direcionados investindo energia e
devotando-se a Thanatos (uma entre as
razões de existir tanta violência doméstica, mesmo em países que se dizem
desenvolvidos.Desenvolvimento humano/emocional não está diretamente ligado a
desenvolvimento econômico. Em realidade, pode ser justamente ao contrário. Além
de outros tipos de crimes de violência
urbana por motivo fútil. ). E além do
direcionamento para Thanatos,deus da morte
grego, o comportamento masculino também tem como característica o “Complexo
de Atlas”, o carregar o mundo nas costas, como marco de referência para
construir a identidade e marco nas
relações ,reproduzindo o pessimismo
de Sísifo, repetir sempre a mesma tarefa.Inconscientemente a mulher é
auxiliar nesse processo como alienada e alienante no papel de mãe(,por exemplo, que não ensina
o filho a cuidar dos afazeres domésticos,mas exige que a filha saiba e ajude-a;aquela mãe que
não confia na sua autoridade e diz ao
filho “você vai ver quando seu pai chegar e ficar sabendo”, ou que usa também a instituição “ o que os outros vão dizer?”,etc),
entre outros e a presença do pai é a própria ausência, ambos vítimas e cúmplices no
processo.
Questões abordadas também por Naffah Neto[vii] que alega que na vida em sociedade qualquer movimento para mudança social
encontra-se controlado por um sistema de
funções fixas, hierarquicamente dispostas, regulando e prescrevendo a ação humana para padrões de conduta compatíveis com
a preservação da ordem
instituída. Legitima(n)do pelo discurso ideológico que
naturaliza e universaliza as
funções sociais em características da
natureza humana. Sendo assim, a família
nada mais faz(ou fazia no caso de algumas) do que
reproduzir em micro-escala a
ordem social mais ampla. As mães aprenderam com as gerações anteriores de mães que o lugar
fundamental da mulher era a
“dona-de-casa” e como sua função
era cuidar da casa e da
educação dos filhos, através da educação
transmitem os valores e a ideologia
vigente, o pai funciona(va) como
a autoridade a recorrer nos
momentos de pane e ausente o
restante do tempo. São( ou eram) as posições oficiais na sociedade.Além disso
são papéis que se complementam, ou seja “as
ideologias veiculadas pelo papel de mãe devem refletir em forma invertida , a realidade do mundo externo à casa , tal
qual a
mulher apreende através do homem, seu
agente direto. De forma invertida, na medida em que a cisão mercado material/mercado simbólico,
instaurada no seio da estrutura de papéis, gera
uma cisão e de uma oposição entre
ação e representação , cabendo dentro do espaço familial , a primeira mais ao homem , a segunda mais à mulher”[viii].
Considera ingênua a alegação do feminismo que a mulher sempre foi oprimida pelo homem, pois o jogo de relações micro e macro
sociais é extremamente complexo e precisa de complementação entre as partes
envolvidas.
Cremos que ele se
refere ao modo que somos educados para ver as
questões de modo parcial fragmentado e radicalizando um extremo e
esquecendo o outro extremo, construindo pontos de vista mais emocional do
que racionalmente , sem abrangência da totalidade de qualquer assunto, porque pensar dói , pois
exige que deixe de lado as respostas prontas e acabadas é que busque suas
próprias respostas .O por que dentro do
por quê.A relação de opressão precisa que os pares se complementem ,a mulher
machista complementa o homem machista e
vice-versa, assim como indivíduo e sociedade se complementam . É um complexo
jogo de dois que não se veem como par ,mas que se complementam como par, como
no jogo do(a) sádico(a) e da(o) masoquista.E é no ambiente doméstico que as pessoas revelam umas as outras como são realmente
,sem as máscaras sociais,se são
agressivas ou não,etc.
Justamente na
complexidade destas e outras questões
que Dowling[ix]
buscou explicações para os comportamentos
femininos ,observou o fenômeno que o feminismo não percebeu: o profundo
desejo psicológico enraizado
nas mulheres de serem cuidadas por alguém e de serem aliviadas de suas
responsabilidades essenciais para
consigo mesmas, de serem salvas.O “complexo de Cinderela” é um sistema de desejos reprimidos, ideias e ações
distorcidas iniciadas na infância na qual encuca na menina que sempre haverá
uma outra pessoa mais forte para
sustentá-la e protegê-la .Sempre alimentada pela sociedade (família,
escola, mídias, etc.) e com o tempo sofistica-se seguindo a mulher por toda a sua vida , resultando em todas as espécies de medos internos e
descontentamentos.Mantendo vivo na mulher um sentimento de inferioridade. O que leva a sabotar seu próprio futuro.Descobriu-se que a liberdade assusta,
pois a maioria das mulheres não foi educada para cuidar da própria vida e nem
para comandar , o que fez muitas
mulheres recuarem e retornar ao
conhecido papel de mulher aparentemente
tão seguro,pois a mulher jamais era
treinada para a liberdade, mas sim para o extremo oposto: a dependência.
O processo começa na educação infantil. Mudar
algo tão enraizado não ocorre da
noite para o dia, é um processo lento e
gradativo,mas está acontecendo. Há aquelas que
se recusam e como a Cinderela esperam que algo ou alguém externo
para modificar suas vida( um companheiro, uma força
sobrenatural,uma instituição ,etc). A autora
considera que a “nova
mulher” não é tão nova assim; é uma
mutante que tenta conciliar os dois sistemas de
valores , o novo e o velho, sem muito êxito(exemplos: a mulher que
trabalha fora ,mas crê que é obrigação do homem pagar as contas dos dois; há as
que achem que homem educado é gay, que homem que sabe cozinhar e cuidar do
serviço doméstico é gay,etc, aquelas que
quando escolhem um homem diz que quer um sujeito gentil,carinhoso e
companheiro e na prática ficam
com o homem másculo, viril e/ou
violento) , e observa que pouca coisa mudou,muitos homens e muitas
mulheres ainda são criados para ocupar
os “lugares” do masculino e feminino tradicional.Há outros
estudos a respeito destes assuntos.Apesar de todo alarde da
mídia sobre mudanças que acontecem ,mas em alguns poucos lugares ,não em todos
os lugares no-tudo-ao-mesmo- tempo-agora.Estranhamente os pais entram em pânico
quando a filha foge(ou pelo menos tenta fugir) ao padrão que supostamente
deveria ser coisa do passado e tomam as mais diversas posturas.Muitas pessoas entram em pânico com a mínima possibilidade de mudança em e de qualquer coisa, em especial os
comportamentos estabelecidos para cada gênero sexual , é como se alguém roubasse o chão sobre seus pés , o medo novo é mais assustador
do que o famigerado fim do mundo,pois não podem mandar o outro ficar no “seu devido lugar”.Ou quando
algo considerado novo acontece sempre há
alguém que exclame que é o fim do
mundo.Qual mundo? O do passado.
Contando a
História ,que antecede a estas reflexões dos psicólogos, Aires[x]
mostra que as mulheres foram desfavorecidas ideológica(religião e regras
sociais),material e
educacionalmente.Confinadas ao lar e o objetivo máximo de suas vidas era (para
muitas mulheres ainda é) o casamento,
sem direito de aprender a ler, escrever e estudar “aceitavam” o confinamento ao
espaço privado.As mulheres que
ousassem não seguir esse modelo não eram
bem vistas socialmente.Através da luta do feminismo, alguns colaboradores
homens e mudanças causadas por
movimentos ideológicos no decorrer da História
foi possível uma lenta e gradativa evolução, mesmo que pouco
expressiva.E mesmo assim houveram mulheres que lutaram contra as
feministas.No século XX ,anos 60, ocorreu com mais ênfase
o questionamento dos papéis
sociais do homem e da mulher, crises e avanços tecnológicos que beneficiaram ( até certo ponto) o avanço
intelectual das mulheres.
Como são assuntos interelacionados e complexos demos apenas algumas pinceladas
de História e psicologia ,pois tem haver com o tipo de análise proposta
as personagens do romance e que
me levaram a usar a denominação
mulher machista,pois não deixa de ser
um machismo às avessas como perceberam
Aires,Dowling, Nolasco,Neto.O preconceito reverso mencionado por Lobato[xi]
.
A relação
dominadores e dominados acontece em
todos os níveis de relações humanas, não só nas relações extrapessoais mais
visíveis, mas também e especialmente nas relações interpessoais por serem as
mais próximas e aparentemente invisíveis.O
que é externo é mais visível ,por isto recebe mais valor,também por parecer
algo fora dos seres humanos.Mas é algo que existe e parte de dentro para
fora.Externalisação de um aspecto humano que se aprende a denominar como algo
desumano.
O foco de nossa
análise são as personagens que
compõem a família, a empregada Maura
e o menino Belisário.Mas antes a
localização do livro: o romance foi publicado em 1996. No conjunto da obra de
Veiga ,se localiza no que a crítica denominou fase luminosa do autor[xii]
e que Miyazaki[xiii]
denominou de retorno ao paraíso.
Nenhum retorno à
luz ou ao paraíso ( que só tem valor depois de perdido) ocorre sem marcas das sombras ou da ida ao
inferno.O livro retrata uma esperança de
futuro melhor ,mas sem esquecer o passado tenebroso para não correr o risco de
repeti-lo é que providências devem ser tomadas como levar o menino a escola( espaço pensado como lugar de conhecimento e evolução). O
relógio e a magia da volta ao
passado ( uma quase viagem no tempo) são
elementos que desencadearam o pensar em outros elementos
relacionados:memória ,história e História interligados com ideologia e comportamentos aparentemente paradoxais.O
tempo é um elemento no qual é tecida as
História e a histórias.
As relações
familiares em romances consagrados, livros e series juvenis, etc, o enfoque ,na grande maioria, esta focado nos conflitos na relação pais e filhos ,por exemplo no último tomo de O tempo e o vento de Érico Veríssimo.Mesmo
em algumas obras de Veiga já citadas.O
que causou estranhamento por não ter o típico conflito, pois o pai no ,romance de Veiga em questão, é
compreensivo.O não acontece com a mãe,ela sempre espera que o marido haja diferente,ou seja, do modo tradicional. A
normalidade encuca preconceitos que só
se percebe quando espera-se uma ação é
acontece outra de determinada personagem e/ou pessoa.
O autor trabalhou com a expectativa do leitor a qual é frustrada através das atitudes
inesperadas da personagem Mariano
com relação aos filhos e ao menino
ajudante de cozinha:compreensivo e aberto as mudanças do chamado “ novos
tempos” ,fato que chamou nossa atenção. O
mais comum é
justamente o contrário, a incompreensão do “no meu tempo”, como por exemplo as atitudes dos pais dos contos Crônicas da casa velha e A mãe e seu filho
de Marieta Teles Machado[xiv]
.A situação do filho querer ser músico
assemelha-se ,mas com fim triste, a questão das cenas finais do
filme Sociedade dos Poetas Mortos no qual o rapaz comete suicídio por se ver sem saída , pois
queria e tinha talento para ser ator, mas o pai queria um filho médico, tinha
dado duro para isto e não aceitou a recusa do rapaz ameaçando-o mandá-lo para escola militar.
Dentro dos
desdobramentos do “lugar” social do
homem há a figura do pai associada tradicionalmente a do pai-patrão .E é própria a a(tua)ção deste tipo de pai é uma
relação distante e autoritária com
relação aos seus filhos.O padrão que
predomina nas ficções e na realidade ,apesar de alguns segmentos sociais ,como
associações de pais, lutarem por mudanças ou por flexibilização do mesmo.Suas atribuições e funções como pai
se misturam a do chefe ou patrão, ou seja , um tipo de autoridade para submeter
e subjulgar os outros e fazer valer seu
ponto de vista acima dos demais.(Exemplo: o filme italiano,baseado em fatos
reais, titulado Pai Patrão).Constroe a relação com os filhos de forma ambígua e contraditória ,pois
mescla amor com violência como se fosse
“natural”[xv] (por isto, as pessoas confundem educar com o apenas
bater e bater com espancar.Como se a
violência fosse a solução rápida e imediata para resolver
todos os problemas).Na vida real , e em ficções, o momento de escolha da
profissão é o momento que muitos pais
acham que têm o direito de decidir pelos filhos, e no caso de recusa por
parte dos filhos pode tornar-se o momento de ruptura da
família nas formas de fuga de casa, suicídio, expulsão,etc.
No caso do romance
em questão nada disso acontece e por isso foi surpreendente: Simão cursava economia ,mas desapontado com
os fracassos das medidas econômicas e a
descoberta de que economia é a menos universal de todas as
ciências.(Que também é uma crítica a História recente do Brasil) O pai
compreende o desencanto dele e pergunta o que tem em mente. O filho vacila e a irmã é quem conta que ele quer ser
músico.A reação positiva quebra o
clímax de medo criado que direcionava
para uma reação negativa : o pai não
entrou em pânico, nem censurou apenas olhou para o filho mais curioso do que
sério. Quem fez a censura foi Dolores que foi repreendida pelo pai, que foi
também outra surpresa.Numa cena cristalizada como “normal” o pai teria o
repreendendo o filho pela escolha e
não a filha pela censura ao irmão. Não é
um jogo de papéis trocados , é uma
desconstrução do que seriam as
reações tradicionais e de atitudes
esperadas.Desconstroi a imagem de “pai vilão” ou “pai tirano”sempre atribuída
apenas ao homem,neste tipo de situação,pois
“dominação” não é coisa só de
homem embora pareça por ser mais explicito neles do que nelas.
No caso das
conversas de Mariano com Belisário é
possível perceber melhor o que acontece e também causa estranhamento ,pois
normalmente como patrão espera-se uma atitude autoritária ,mas não acontece ,ele é compreensível como
no episódio das jurubebeiras.Ele não diz que o menino está
errado,para confirmar a identidade da planta diz que devem esperá-las
frutificarem para saber quem está certo.Normalmente , um adulto diria que está certo e a criança errada.
No
desenvolvimento da narrativa
Belisário pensa como um fugitivo e com seu jeito bonachão Mariano procura acalmá-lo ,pois o senso de
hierarquia e autoridade está bem
presente nas atitudes do menino sem
estar no patrão:
_ Vamos, Bel.
Parece que você quer dizer alguma coisa.
Pode falar. Aqui não tem doutor._ disse o desembargador.pg. 60.
Graças a essa
atitude, descobrem o mistério do relógio ,pois Belisário é a personagem fundamental para descobrir o mistério do relógio de arara do desembargador e ele acaba revelando ao casal que vê cenas (do
passado) através do relógio.O tempo é um elemento importante ,pois revela e esconde acontecimentos que
fazem parte do passado,mas ligados ao presente que podem ou não repetir
no futuro.
No senso de
hierarquia , a visão de cima para baixo ,foi
transformada em algo natural,aquele que
tem que mandar, manda e aquele que tem de obedecer , obedece.Não
acontece no dialogo citado,mas permite perceber
que na mentalidade do menino esse senso de cada um no seu “devido lugar”
está presente.O que os frankfurtianos
chamam de identificação com a
personalidade autoritária[xvi]
,o que parece acontecer mais claramente na relação de Maura com Belisário.
O caso de Artemisa
e Dolores , também é interessante por causa dos
romances anteriores do próprio
Veiga: entre as suas
personagens femininas são poucas
que têm voz ativa, e no caso da mãe e
filha neste romance há um embate de valores que só
é possível perceber através dos diálogos e mudanças temporais.A aspiral do tempo
é bem visível nelas.O autor não aprofunda o conflito de valores,apenas mostra
que a relação dominadores e dominados ocorre de outros modos, no campo das
ideias, no comportamento.E tudo a nível micro é mais complexo e/ou confuso,diluído
,pois é um perceber desconfortável por
explorar o íntimo da “natureza” humana das crenças, o íntimo da natureza social dentro da familiar,a qual tem pouco
haver com o mito da família feliz das propagandas de margarina entre outras.
D. Artemisa apresenta as características citadas por
Dowling em Complexo de Cinderela ,mas o que causou
estranhamento,neste caso, é o marido não apresentar as características do “lugar” do masculino citadas por Chauí e
Nolasco.Ela “atua” com medo das reações
do marido e cria uma expectativa frustrada para o leitor,pois Mariano não
age segundo se esperaria
do papel tradicional , o que surpreende.Artemisa também identifica-se
com a personalidade autoritária que não
há em Mariano , é sim nela mesma ,recebida através da educação de seu tempo.A
questão do choque de valores fica claro
ao observamos os diálogos entre mãe e
filha:
_ Ainda bem._ disse Dolores,segurando um pedaço de
frango com os dedos, hábito que a mãe
ainda não desistiu de tentar corrigir ,por isso não descolava os
olhos dela,na esperança de poder mandar-lhe algum sinal de censura. Mas
a moça muito na sua, parecia infensa aos olhares da mãe.pg.49.
A questão da
compostura feminina segundo as normas sociais é algo bem marcado e
constantemente martelado na educação
feminina. A moça é despojada de
um costume que para a mãe é importante.Como um conflito de gerações sutil
e sem brigas.Uma cena que exemplifica fazendo o contraponto é em Titanic quando
a protagonista vê uma mulher que automaticamente supõe-se ser a mãe falando para a menina sentada
numa cadeira a qual se encolhe no
móvel a medida que a mulher
fala.Ou seja, a dita postura
feminina até debaixo d’água neste caso.
No romance ,a mãe não conseguiu “
concertar” a filha.
Em outro momento
,Dolores vai para o sítio onde os pais passaram a morar deixando o apartamento
na cidade por conta dela e do irmão. Simão não estava com ela, o que deixou a
mãe preocupada:
_E você ficou
sozinha naquele apartamento ,filha?_
perguntou D. Artemisa.
_Como sempre
estive desde que vocês se mudaram para cá. Eu e Simão passamos dias sem nos
ver, nos comunicamos por bilhetes pregados na porta da geladeira. Nossos
horários são desencontrados.
_ Que vida mais
esquisita._ disse a mãe resignada.
_ Cada tempo com
seus usos._ disse o desembargador sem
tirar os olhos do livro que folheava.pg
53
Nesse fragmento é
possível perceber a transição do tempo
entre elas e o tempo tem valor emocional também, o que a mãe não
compreende ,o pai já assimilou.É
esquisito porque é diferente do que
seria comum na sua época de
moça.Ela tem a visão de que a filha
precisa do irmão ao lado para garantir
proteção, mas o interesse dos dois irmãos são totalmente desencontrados, o que
torna uma relação de fusão impossível.
Nos dois últimos
fragmentos escolhidos para esta parte percebemos mais momentos de choque
de valores entre elas e descontração por parte do pai,além de mudanças
de valores:
_Ah não pai! Tem dó!
Comemorar a minha nota máxima com licor
de jenipapo da tia Arminda! Que pobreza!Não tem uísque? Não tem um
Napoleón?_disse Dolores.
_Que é isso,
Dolores! ‘Tou te estranhando_ disse a mãe._Que
costumes são esses que você
apanhou na cidade?Bebendo bebida forte de homem!No meu tempo mulher não bebia.
_ Só escondido,
não era? Não se esqueça que foi a senhora mesma quem contou. As farrinhas no
quarto no meio dos ti-ti-tis?pg 108.
_ Se é coisa boa
assim, eu também fico contente._disse a
mãe_ Só não estou tão encantada é com essa história de viajar sozinha para o estrangeiro. O estrangeiro é sempre um
lugar perigoso para moça solteira. Mas
enfim...
_Mãe , depois que inventaram ao satélites , a fibra ótica, o fax, o avião
a jato , a informática e outros
breguetes, o estrangeiro é ali na esquina. É mais perto que ir a Uberaba, no famoso tempo de que a senhora
tanto fala. De mais a mais, se eu for mesmo, não irei sozinha .Vou com o meu
namorado, que também fez o curso.
_Valha-me Deus!_ disse a mãe levando as mãos no rosto._
Você ouviu isso, Mariano?
_Ouvi, e não arregalei os olhos ,nem a minha pulsação se
alterou. São os costumes de hoje, minha filha. Nada a estranhar. Pg. 109.
O que era
impossível e impensável para Artemisa é
possível e pensável para Dolores,pois o
tempo e as ideias mudaram um pouco.O tempo da filha é diferente do tempo da
mãe.E não faz tanto tempo físico assim
que tais atitudes da filha seriam impossíveis
e mal interpretadas. E outra vez
o desembargador surpreende por não reagir como um pai tradicional agiria, não
repete frases típicas em momentos como este do tipo “minha filha não faz isso
ou aquilo!” tão comuns e esperadas em situações como a anteriormente
mencionada,ele aceita as novidades sem problemas e sem dramas, bem diferente da mãe.Porque as
conquistas femininas são recentes
historicamente falando começaram no século passado , o século
XX, e no Brasil na década de 30 as mulheres conquistaram o direito ao
voto,na década de 40 conquistaram o
direito ao mercado de trabalho,na década de 60 o direito à sexualidade,na
década de 80 o direito a propriedade da terra,na década de 90 a dirigir seus próprios
negócios .Ou seja, algumas décadas , historicamente foi ontem.Mas no tempo-emocional
parece que foi a séculos atrás.Porém nem todas as mulheres as aceitam.
O fator de
estarmos no século XXI não elimina o fato de pequenos e grandes preconceitos
contra a mulher e o homem os quais ainda prevalecerem na mente de muitas
pessoas .Nem todos os mitos sociossexuais foram
derrubados, o medo de mudanças faz com
que sejam reforçados através de
discursos apocalípticos .No tempo alguns conceitos muda(ra)m ,outros prevalecem
mesmo estando errados, pois muitas pessoas tem muito medo da mudança seja ela qual
for.As tecnologias avançam
rapidamente,mas o espírito humano
não evolui tão rápido.O medo do futuro como horizonte de mudanças faz que muitas pessoas queiram retroceder no
e ao passado, idealizado-o como um ninho de segurança emocional, e muitos usam
as religiões antigas ou “novas” como muletas psicológicas para permanecer de modo inquestionável com a
sua ligação com o passado.Exemplo:
campanhas de supostos evangélicos ( no
sentido banalizado do termo) de retorno da mulher ao lar como se isso fosse a solução para todos os problemas da modernidade.Retrocede
,mas não resolve nada.O custo de vida já não permite que um homem sozinho
banque as despesas da casa e da família dependendo da classe social que se
situe.
Segundo Crochik[xvii]os
frankfurtianos em suas teorias observaram a questão da personalidade autoritária : a relação com a ideologia que o indivíduo adere tem haver com a sua personalidade. O individuo
autoritário adere as ideologias autoritárias
se surgir um campo e momento
propício como foi o caso da Alemanha
nazista,mas há alguns casos de segundas intenções. A constituição do indivíduo é medida pela sociedade[xviii].O
que leva também a questão da servidão
voluntária .
No caso Maura e Belisário, ela é serviçal da família
de Mariano e Bel é o auxiliar de
cozinha.Na atitude dela há um certo grau de identificação com a
personalidade autoritária que não existe
em Mariano,pois apesar de ser amiga de Belisário, diante das outras personagens ela demonstra um senso
de hierarquia forte. As reações que ela apresenta seriam consideradas extremamente comuns num patrão
,e não numa empregada:
D. Maura apareceu
para saber se queriam alguma coisa, um café, um chá. Ao ver Belisário sentado
na sala com os patrões, e rindo, fez um muxoxo e resmungou “hum, muito chique”
entre dentes. (...)Ao sair , D. Maura fez menção de dizer alguma coisa,mas
apenas balançou a cabeça.(...) O desembargador percebeu e sorriu,parece
que dizendo para si mesmo , “ quem é que
entende essa chamada natureza humana?” Uma criatura que sempre pareceu gostar de Belisário,
e sempre o protegeu.pg 61.
Voltando a pensar na questão dos “lugares”
é ela que demarca o “lugar do patrão” e
o “lugar do empregado” o qual o patrão não está nem um pouco preocupado em
ficar demarcando.Seria o esperado de tão cristalizado que Mariano fizesse
isso,mas ele não tem esse senso de hierarquia que aflora em outras personagens do autor
,como por exemplo o pai de Lu em Sombra
de Reis Barbudos .E muito comum em outras ficções essa demarcação constante de” lugares de
patrões e empregados” entre outros .Quando se vê uma empregada agindo como patroa causa um pouco de estranhamento,mas também
pode ser um pouco de ciúmes por parte dela com relação ao menino:
Resolvida essa
parte a contento geral .D. Maura com uma bandeja de chá de rosas e ,para mostrar que não era carta pequena naquela casa, disse autoritária
a Belisário:
_ E você ai, seu
mequetrefe ,deixa de posar de senhozinho
e vá buscar uma travessa de sonhos que está na mesa da
cozinha.Anda, senão esfria.pg.105.
Depois quando Bel ganha a bicicleta de Simão e
Dolores:
Por algum motivo
difícil de entender, D. Maura insistia
em mostrar uma mistura de indiferença
com desaprovação; mas bem que gostava quando precisava de uma
estafeta ligeiro para levar um recado ou um agrado a alguém na
vizinhança.Tanto gostava que quando o
pneu muchou e Belisário ainda não tinha aprendido a resolver esse
contratempo ,ela ficou tão
desassossegada quanto ele. Vá entender a cabeça de certas pessoas. Pg.
111 e 112.
Num
momento que todos na sala aguardam uma
manifestação de relógio :
D. Maura retirou-se desapontada
,mas não sem lançar um olhar reprovador
na direção de Bel, sentado na poltrona
fofa,como visita importante ou gente da família.Pg.117
Ela é ambígua com relação ao menino,não sabe sobre seu dom
.Gosta dele,mas desaprova a intimidade
dele com os patrões,pois ocorreu uma quebra de hierarquia por causa
dessa proximidade.Como diz o ditado popular :empregada com espírito de patrão.É
o tipo de pessoa, na vida real, que gosta de dar ordens, quer ser obedecida de
qualquer maneira e em casos extremos parte para a ignorância se questionada.
A denominada
relação dominadores e dominados tem mais de uma
faceta,com a leitura da psicologia e a filosofia podemos perceber algumas facetas do que
parece um jogo ao avesso devido a fragmentação e parcialidade que o assunto é tratado por determinados seguimentos socioculturais
.Não acontece a complementação dos pares dominante e dominado o que causou
estranhamento , questionamento e busca de possíveis respostas sem a intenção de
esgotar o assunto.Veiga não abandonou um dos seus temas principais ,apenas
“mostrou” os outros modos que pode
acontecer sem chegar as vias de fato, as crenças pessoais de algumas
personagens que não encontraram eco nas atitudes do desembargador.
O estranhamento
foi desencadeado pelos nossos conhecimentos prévios que antes da pesquisa eram apenas intuições, o pequeno choque entre
a ficção harmoniosa e a realidade
conturbada das relações familiares em muitas outras ficções,as atitudes
das personagens que revelam uma
descristalização de determinadas
atitudes que seriam típicas da personagem no caso do pai e patrão
Mariano,porém noutras parece um “algo fora do lugar” como Artemisa e Maura e a própria diferença de estilo que o autor apresenta entre os primeiros livros
e este
que foi analisado.
O que Orlando[xix] observou
sobre interpretação está presente em toda e qualquer manifestação da
linguagem. O sentido depende da interpretação, pois o sentido não fecha, não
é evidente embora pareça ser, jogando
também com a ausência e o não-sentido.Para ela
a relação ser humano, mundo e
linguagem não é direta como também não é
a relação linguagem e pensamento, linguagem e mundo. São relações
medidas na qual o discurso é uma das instancias
materiais (concretas) da relação
somada a abertura do simbólico. Pois a relação humana com os sentidos possuem diferentes
materialidades. O que afeta a
interpretação. O gesto de interpretar ocorre porque o espaço simbólico tem a
marca da incompletude e relação com o
silêncio. Lugar próprio da ideologia
“materializada” pela história. A
interpretação se dá num lugar histórico ,social e tem uma direção (política) .Na analise do discurso desenvolvida por Michel
Perxer faz ele percebeu o “entremeio”
que produz o deslocamento do sentido e sua noção de ideologia.A disciplina do
entremeio discuta seus pressupostos continuamente . Faz uma
ligação entre a linguagem e sua exterioridade constitutiva,
mostrando que não se separa linguagem
e sociedade na história.Trabalha
justamente a contradição entre elas . “Quando ao social,não são os traços
sociológicos empíricos _ classe social,
idade, sexo, profissão _ mas as formações imaginárias que se constituem a partir das
relações sociais, que funcionam no discurso: a imagem que se fez de um
operário, de um presidente, de um pai, etc.Há em toda língua
mecanismos de projeção para que
se constitua essa relação entre a
situação_ socialmente descritível _ e a posição dos sujeitos discutivelmente significativa”[xx].
Sendo assim ,ideologia “ é a
interpretação de sentido em certa
direção, direção determinada pela relação da
linguagem com a história em seus mecanismos imaginários .A ideologia não é ,pois ocultação, mas função
da relação necessária entre linguagem e o mundo. Linguagem e mundo se refletem , no sentido da refração, do
efeito (imaginário) necessário de um sobre o outro. Na
verdade é o efeito da separação e da relação necessária mostrada
nesse mesmo lugar. Há uma contradição entre mundo e linguagem e a
ideologia é trabalho desta contradição.”[xxi]
Além da divisão
física do tempo em presente,passado e futuro,há também o tempo emocional que não seguem uma linha reta ,mas sim uma
aspiral na qual os tempos convergem e divergem de acordo com os acontecimentos
Históricos e históricos.Através do tempo regras
são criadas para depois serem modificadas ou quebradas evolutivamente ou não.Há as pessoas que querem
o congelamento do tempo para manter regras e comportamentos que julgam ser
adequados ,por medo de toda e qualquer mudança, enquanto outras pessoas querem
as mudanças como avanços e esperança de futuro melhor do que o presente. No
tempo se estabelece a memória e as
(H)histórias. O macro e o micro mundo
estão interligados. No micro mundo familiar é possível perceber os avanços e
recuos da mentalidade e as mudanças que o tempo social atual oferece.
Romance:
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[i]
SOUZA, Agostinho Ponteciano. Um olhar
crítico sobre o nosso tempo.
[ii]
Programa Silvia Poppovic com Astrid. Assunto: Fui expulso de casa: 04/05/2000,
rede Bandeirantes.
[iii]
CHAUÍ,Marilena. Convite à Filosofia.
[iv]
Idem pg. 174.
[v] Rio
de Janeiro : Rocco.1993.
[vi]
Idem.pg 30.
[vii]
NETO, Alfedro Naffah. Psicodramatizar.
[viii]
Idem. Pg.41.
[ix]
DOWLING,G. Colette. Complexo de Cinderela.
[x]
AIRES, Eliana Gabriel. O conto feminino em Goiás.
[xi]
LOBATO,Margareth.(Anotações em sala de
aula, que infelizmente não sobreviveram a fúria de limpeza da minha mãe).
[xii]
i
[xiii]
MIYAZAKI, Teiko Yamaguchi. Lendo José J. Veiga: de Platiplanto a Torvelinho.
[xiv]
Narrativas do cotidiano.
[xv]
NOLASCO,Sócrates. O mito da masculinidade.
[xvi]
Colóquio Teoria Crítica, Cultura,
Sociedade e Conhecimento. Prof. Dr. José Leon Crochik(28/02/02) anotações.
[xvii]
Idem.
[xviii]
Idem.
[xix]
ORLANDI,Eni Puccinelli. Interpretação_ Autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico.
[xx]
Idem pg. 30.
[xxi]
Idem,ibidem ,pg 31.
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