Ser virtual virou
Virtude atual.
Virtual atitude:
Amor virtual
Que vira real
Para quem ama
O amor e/ou o(a) amado(a) ?
Amor virtual
Pode virar real
No coração de quem
Ama.
17/07/12.
18/07/12.
Coisas de gaveta é um blog de textos de minha autoria.Tem de tudo um pouco:contos,crônicas,artigos acadêmicos,etc;principalmente poemas por ter escrito mais do que outros textos.Escrevo porque penso e logo reflito.Existo?Creio que sim.Há quem duvide,mas ter dúvidas é bom para a saúde intelectual.Certezas demais detona(ra)m o mundo.Vivo entre as fronteiras das ficções e das realidades e pensados sobre elas.
quinta-feira, 19 de julho de 2012
sábado, 14 de julho de 2012
Por trás de cada caso
Resumo
Breve estudo de literatura comparativa-estrutural sobre elementos
semelhantes nos livros O Relógio
Belisário de José J. Veiga e O Xangô
de Baker Street de Jô Soares.
1. Introdução:
Em
literatura existem as regras de cada
gênero ou tipo de literatura,mas são
regras que depois de estabelecidas podem
e são quebradas de acordo com a evolução e cada gênero , a mistura dos gêneros
e intencionalidade dos autores.Em literatura as regras são criadas para depois serem
quebradas.O estudo dos períodos e das escolas
literárias no Ensino Médio são a
prova disso, pois os momentos de
ruptura que são registrados como os mais
importantes , estudados e não a continuidade depois de consagrado .
No universo dos gêneros literários acontecem
boas surpresas para leitores de todos os níveis de leitura, principalmente na
elaboração das narrativas como nos casos
de e em O Relógio Belisário de José J.
Veiga e o Xangô de Baker Street de
Jô Soares nos quais encontramos Serlock Holmes, personagem de autoria original
de Conan Doyle. Nos dois romances citados temos caricaturas da
personagem de Doyle e a integração entre
o romance histórico e o policial:
ambas as personagens vão para o Brasil
no período da belle èpoque, a primeira
de férias e a segunda convidada para
resolver um caso que tem relação com outro caso.
E O Relógio Belisário há a conexão entre
as narrativas fantástica, histórica e policial: a narrativa fantástica desencadeia
as outras duas narrativas. Enquanto em O Xangô de Baker Street há a
conexão entre as narrativas histórica,
policial e cômica. O que demonstra que
na atualidade diferentes tipos de
romances podem ser reunidos numa única obra,de acordo com a intenção do autor(a). A literatura
modificou-se de acordo com as mudanças
que ocorreram no mundo e com os seres humanos.
1.1.Antes um pouco de história literária:
O romance policial
clássico nasce no século XIX, por volta de 1840, por Edgar Allan Poe (1809-1849), além da
personagem detetive, o gênero e as regras do gênero através dos seus contos: A
carta roubada,Assassinatos na Rua Morgue e o Mistério de Marie Roget;
influenciado pelos acontecimentos de sua época( crescimento das cidades,
positivismo, etc) abrindo a
possibilidade para outros tipos de
narrativa policial que surgiram depois[i].
Poe criou a tradição e o tipo clássico de detetive através da personagem
Auguste Dupin que resolve os casos através de processos lógicos.Depois dele
surgiu todo o universo dos romances policiais,
de autores e personagens.
O romance
policial clássico ou de enigma tem um enigma que desencadeia a narrativa na
qual o detetive através de seus
métodos de dedução soluciona o
crime e assim que é desvendado encerra
a narrativa que é um conjunto de duas histórias : a do crime e a do
inquérito.A investigação começa após o
crime ter acontecido e o detetive
procura desvendar o que aconteceu
para solucionar o caso e prender o culpado. O detetive não corre risco de
vida. Os casos são narrados em primeira
pessoa pelas personagens-narradoras fixas que
acompanham os detetives, esse por sua vez não é um agente oficial na
maioria dos romances.
Dentro deste
universo a personagem mais famosa é Sherlock Holmes de Conan Doyle(1859-1930).O detetive e Jhon Watson surgem em 1887 na obra
Um Estudo em Vermelho ,utilizando procedimentos técnicos científicos
como coleta de pistas , por exemplo, e raciocínio lógico para solucionar os casos.
Para Todorov “ o
bom romance policial não transgride as regras de construção,mas sim se adapta
a elas. Caso contrário estará fazendo
literatura” [ii] .Ele
também define as “três espécies” de romance
policial:
1.O clássico,ou romance de enigma, que contém duas histórias:
a do crime cometido e a do inquérito (
quem ?,como? e por quê?).Na
história do inquérito ,as
personagens descobrem raciocinando , não agem
para descobrir o criminoso. O detetive possui imunidade.
A história do inquérito é contada pelo amigo do detetive, que através dos fatos, escreve um livro sobre os
casos.
2.O romance negro ,no qual as duas histórias são fundidas em
uma .Não é apresentado em forma de memórias. O detetive arrisca a
vida e a saúde. É narrado em terceira
pessoa imparcial ou em primeira pessoa, pelo próprio detetive.
3. O romance de suspense: surge através da união de
características das duas espécies anteriormente
citadas.
2. Serlock Holmes de
Doyle
Ele, sem sombra de
dúvida,é uma criatura que fugiu ao controle de seu
criador. Embora existam outros detetives importantes no mundo do romance policial, e o próprio
Holmes tenha sido inspirado pelo Auguste Dupin de Poe, ele é o mais popular
personagem do gênero, a ponto de
haver pessoas que acreditem que ele
realmente existiu como pessoa do
mundo real, e não só como criação ficcional. A residência no 221_B da Baker Street, em Londres foi
criada para receber as cartas que
pessoas enviam endereçadas ao detetive.
Doyle escreveu
quatro romances e cinco livros de contos que imortalizaram sua personagem .Em O Estudo em Vermelho o leitor é
apresentado a personagem e a seu
método de racionalização dedutiva: através do pensamento construído através das pistas consegue reconstruir a
história do fato passado e descobrir o(s) culpado(s).Utiliza também os recursos
científicos de sua época e conhecimentos
que julga serem importantes para as investigações.
Mesmo
transcendendo como personagem imortal Holmes não deixou de ser o tipo clássico de detetive de romance policial
trabalhando com seus recursos que conjugam ciência e intuição além também de senso prático com o gosto
pela aventura.Outra posição clássica no romance policial de enigma é do
narrador testemunha: o fiel Dr. Watson
que é parte responsável pela
popularidade de Holmes,pois é através
das anotações no diário do médico que os
leitores conhecem o detetive.
Ele é o narrador
que escolhe as aventuras que devem ser relatadas. Nem todas as aventuras de
Holmes viraram narrativas policiais. O critério de seleção de Waston consiste
em privilegiar os casos que foram pouco divulgados nos jornais, os que acentuam as qualidades de Holmes, e casos
que foram esclarecidos por provas totalmente lógicas, segundo o método
preferencial do detetive. O relato da solução do mistério ocorre depois que foi solucionado
e é uma visão parcial dos fatos apresentados pelo ponto de
vista de quem sabe tanto dos fatos como
qualquer outra das personagens envolvidas no caso.Além disso o autor
deixa registro que possibilita crer que as
personagens são pessoas reais.É
um recurso ficcional para dar
credibilidade à obra de ficção , mas há
leitores que caem no jogo do autor.Como por exemplo, em Um Estudo em Vermelho: “Quando ao
que aconteceu lá o melhor a fazer é
citar o que o próprio relato do velho
caçador, conforme ficou registrado no diário do Dr. Watson a quem já
devemos tanto.”[iii]
O interesse do
público por Holmes o fez fugir ao
controle do seu criador devido admiração despertada.O autor o matou e
foi forçado a ressuscitá-lo devido ao
clamor dos leitores.Em Sherlock Holmes_ Psicológia Social Aplicada
,Truzzi[iv] recorda
que o autor quis matar a
personagem e por causa dos leitores indignados com o fato foi forçado a ressucitá-la. “A imagem de
Sherlock como epíteme da aplicação da racionalidade e do método científico ao
comportamento humano é, certamente, um
fundamental do talento do detetive para
conquistar a imaginação do
mundo.”[v]Segundo ele, o que impressiona não é a habilidade
superior de Sherlock, mas antes o
caráter razoável e a obviedade do seu “método” depois de esclarecido ao
leitor, levando a crer que seu “método”
é acessível a um atento estudante de seus “métodos”. O que esperasse
dos cientistas no mundo real é o que Holmes executa no seu mundo ficcional: mais luz e mais justiça. Ele é o herói que triunfa,
sempre por meio da lógica e do método
científico. O que fascinou leitores, criminologistas e pessoas
preocupadas com a vida real
paralela a ficção. Tanto que atualmente
muitos métodos inventados por Doyle são
usados em laboratórios científicos.A séries CSI são herdeiras desta
tradição do romance policial e também
são a continuidade evoluída do uso dos
métodos científicos atuais nas investigações policiais .
Sherlock possui
uma postura do positivismo e ceticismo
científico verdadeiramente comtiano e não crê em sobrenatural,também resume a orientação basicamente determinista da maioria das
ciências sociais modernas. Determinismo é visto como presente em todos os
níveis da vida,alinha ao lado sociológico contrariando os psicólogos. A ênfase
é colocada na procura de leis e eventos
recorrentes. Preocupa com a verificação empírica das conjecturas é um ponto
central de sua abordagem básica. Insistindo sobre a absoluta necessidade de
fatos observáveis: dados.Mas, forçados a dotar hipóteses ou “intuições”.
Às vezes, até o
detetive faz suposições equivocadas. Aparentemente também compartilha de alguns
esteriótipos e preconceitos do seu mundo vitoriano com relação a determinados grupos minoritários . Demonstra leve preconceito contra
negros e judeus. E também revela ideias falsas e incomuns a respeito dos
processos de pensamento já mencionados.
3.O romance de Veiga
Nele temos a
relação entre os romances policial, fantástico e histórico.
Segundo Todorov [vi]
,o romance fantástico acontece através de um evento sobrenatural que se insere
no mundo real. Existe através da incerteza da personagem que é compartilhada
com o leitor.Quando tem explicação ,passa a ser da categoria fantástico
estranho e quando o sobrenatural é aceito
passa a ser da categoria fantástico maravilhoso.Ele também observou a função social do fantástico: um
pretexto para falar de assuntos proibidos tanto por alguma forma de censura
institucionalizada quanto a autocensura por causa das regras sociais e é também uma forma de combater a censura.
Enquanto o romance
histórico foi um gênero surgido com o
Romantismo.Como o escritor e o artista românticos não se sentiam integrados ao mundo
industrializado e materialista da Europa do século XIX, fizeram o regresso ao
passado recriando lendas e heróis medievais ou de épocas passadas que lhes permitiam fugir à
realidade.Como o gênero passou por
mudanças com a crise do romance
moderno dependendo da intenção do
autor, a narrativa pode fugir ou enfrentar a realidade descentralizando o
discurso dominante.Ou até recontar a história
pelo visão do vencidos, a qual é sempre omitida pelos vencedores na historigrafia oficial.
Acontece do
seguinte modo no romance: Belisário é um
menino que vive no sítio de Mariano, um
desembargador aposentado, traduz para as outras pessoas as histórias que lhe são transmitidas de maneira
misteriosa por um relógio antigo o qual o
desembargador adquirira num antiquário .A partir da descoberta desta
propriedade do relógio e da capacidade
de Belisário em captar as imagens e descrevê-las, reúnem-se na sala de jantar o
desembargador, sua esposa Artemisa, os filhos Simão e Dolores e o vizinho grego
Mirkiz, especialista em ervas medicinais.Através de Belisário ficam sabendo que
o relógio foi trazido para o Brasil em 1905, por José Carlos Roche, um bibliófilo
e publicista, que o adquiriu num antiquário em Paris.
Em sua viagem de
regresso ao Brasil, Roche trava
conhecimento com um passageiro do mesmo
navio o qual descobre ser o
detetive inglês Sherlock Holmes que decidiu passar uma
temporada no Brasil na tentativa de recuperar-se do choque causado pela
morte de seu fiel auxiliar ,o Dr. Jhon Waston.Embora pretenda manter-se incógnito,
ao chegar ao Rio de Janeiro, Holmes
ajuda a desvendar o roubo na casa de
uma amiga de Roche, a condessa de
Windsor, cuja investigação está a cargo do
delegado Edgar Pahl. A pista encontrada
por Holmes , uma ponta de punhal
utilizada para arrombar a porta e as
gavetas onde se encontravam as joias da
condessa, que ele identifica como
fragmento de um Cris javanês , leva-os ao escritor Lima Barreto, conhecido
romancista que acabara de publicar o conto O
Homem que sabia javanês , e fornece a pista necessária: ele tivera a ideia para o conto
ao ver, num botequim, um homem tentar vender um punhal javanês. De posse do endereço , o delegado
vai à procura do tal homem, que
afirma ter vendido a arma para um certo
Cartucho.O delegado efetua a prisão deste último , e as joias são recuperadas.
As histórias
transmitidas pelo relógio sofrem um hiato, provavelmente correspondente a um período em que ele estivera avariado ou fora de uso. As próximas
imagens que Belisário volta a captar se
situam num período bem mais recente: nos
anos da ditadura militar.Declarando serem histórias já conhecidas, que ninguém gostaria de
reviver, Mariano decide que o melhor a
fazer é enviar Belisário à escola, e esquecer ,que o futuro reserve histórias melhores a serem
registradas pelo relógio.
Na capacidade mágica que o relógio tem de
transmitir histórias e na sensibilidade
que permite ao menino Belisário
apreendê-las e traduzi-las , temos elementos da
narrativa fantástica. Na reconstrução do ambiente da belle époque
carioca ,podemos ver uma característica
do romance histórico.Por fim, o caso solucionado por Sherlock Holmes pode ser
considerado com conto policial interpolado na narrativa do romance.
3.1. O Holmes de Veiga
É uma caricatura
da personagem de Doyle.Não é o detetive racional, está abatido
pela morte de Wastson, ele não conduz a situação, é conduzido pelos
eventos desencadeados na narrativa.A
narração é em terceira pessoa,pois o
narrador por excelência das aventuras de
Holmes é Watson. A morte dele é o que dá
credibilidade a narrativa de Veiga.Além disso, o autor rompe com as regras do romance policial tradicional e problematiza a
narrativa simplificando-a. Por quê ?
3.2. O caso
A narrativa
policial é a de enigma, na qual Holmes
participa da investigação, conhecedor de armas, reconhece que o fragmento da
faca na cena do crime é um cris javanês. O roubo das joias é a primeira
história. O inquérito é conduzido pelo delegado Edgar Pahl, que assume o comando da investigação e prende o ladrão,
seguindo as pistas indicadas ,primeiro por Holmes e a seguinte pelo jornalista Roche e depois pelo escritor Lima Barreto que
conhecera o javanês ao procurar
informações para seu famoso conto O
homem que falava javanês. A integridade física de todas as personagens é
mantida. Pahl é recompensado e o infrator é preso .Como de praxe ,o bandido ,
na notícia de jornal, é visto como inimigo da sociedade.
Dentro do contexto
da narrativa, as personagens não
questionam a causa do crime, aceitam os fato
como se apresentam. O leitor superficial
também pode ficar neste nível de leitura, mas lendo atentamente percebe-se algo mais dentro desta
narrativa aparentemente simples.O autor não monta um quebra-cabeças
como é típico no romance policial. A história é desenvolvida como um jogo de
dominó. Veiga problematiza a construção tradicional da história
policial, por incrível que pareça,
através da simplificação do caso a ser desvendado. Na época em que a narrativa acontece ,1905, é que temos a
resposta.
Jeffrey D. Needell
nos apresenta ao mundo e a ordem da belle époque num detalhado estudo sobre ela[vii]
.Foi um período conturbado , no qual a
elite carioca utilizou paradigmas culturais derivados da
aristocracia europeia para se manter, promover seus interesses e ter uma visão elevada de si
mesma. A mentalidade política era conservadora .Houve crises
de ordem econômica e social que de modos diferentes afetaram todas as
classes sociais, mas a elite se
beneficiou através de arranjos políticos. O Rio de Janeiro era um importante
centro político e sócio-econômico.A elite
afrancesou-se e consolidou a
dependência cultural do Brasil, tendo o
elemento negativo e indissociável : o caminho da civilização pelo atalho da
europeização, negando a cultura realmente brasileira.O racismo “cientifico” era usado para inferiorizar o povo no seu conceito de
civilização. O preconceito era aplicado também a quem não
soubesse falar francês. Fora da elite, a realidade era outra: a miséria
dos negros e mulatos que falavam português.
Dentro da
teoria sobre o romance policial , esse é
o mundo da ordem defendido pelo delegado Pahl.Enquanto Holmes é um detetive particular, Pahl é um
detetive que trabalha oficialmente a serviço da lei. O roubo no palacete da condessa desestrutura a ordem
estabelecida, que é restabelecida com
a prisão do ladrão e a devolução do
produto do roubo.Tem outra característica
do romance policial que é de
manter a integridade física das personagens.
4. O romance de Jô Soares
Nesse romance temos
a relação entre os romances policial, histórico ,anteriormente comentados ,
e o cômico (que é um elemento que merece atenção, embora a teoria sobre comédia
seja muito escassa).No dicionário [viii]:
obra ou representação teatral em que predominam a sátira e a graça. No sentido
figurado é fato ridículo. E comédia de
costumes: “ Teat. A que reflete
os usos e costumes, ideias e sentimentos habituais determinada sociedade,
classe ou profissão: “Martins Pena é o fundador da nossa comédia de costumes” [ix].
Para Aristóteles[x] a comédia é arte através da imitação de seres
inferiores em ações vulgares(no ponto de vista grego antigo) ,não pelo
vício,mas sim por ser o cômico uma espécie de feio. O que demonstra uma divisão valorativa pejorativa para com a comédia que
marcou o desinteresse de estudiosos quase que totalmente pela comédia .Questão
levantada por Ivo C. Bender[xi] que também resalta a existência
da Poética II na qual o assunto é
o riso ,que pouco chegou até nós. A comédia dessacraliza heróis
e deuses o que foi feito fartamente por Aristofanes.
A inferioridade
mencionada é resultado de um defeito ou
falha a qual é risível por sua insignificância . Na comédia os deuses ou os
simples mortais deixam exposto seu lado ridículo o que não pode ocorrer
na tragédia. Pode ocorrer também na paródia. O
riso implica reconhecer o ridículo, atribuir um valor determinado às ações; a comicidade é possível ser
criada no âmbito da linguagem. É
adesão do humano . Uma marca de
determinada ação seja uma falha ou um padrão de gosto que fuja à norma estabelecida: de caráter ou de aspecto
físico, mas em pequena proporção.
Para Massaud Moisés
o riso “deflagra em razão da
incongruência ou da ruptura, ainda que
breve, das regras estabelecidas pelo uso.
A comédia explora justamente
esses instantes em que o imprevisto da ação gera o ridículo ou a surpresa espontânea.”[xii]
No caso da comédia de costumes, ela visa
criticar os hábitos e costumes de uma sociedade de determinada época.
O que acontece no
romance: No Rio de Janeiro de 1886 um homem mata uma prostituta e deixa uma pista, enquanto Sarah Bernhardt, estrela de uma companhia de teatro francesa e a trupe
apresentam espetáculos na cidade.
Durante um encontro, no final do espetáculo com
D. Pedro II menciona o roubo do violino Stradivarius da marquesa de
Avaré, Maria Luísa Catarina de
Albuquerque, e como não deseja
envolvimento da polícia Sarah menciona
ser amiga de Sherlock Holmes, o grande detetive dedutivo e que Wastson
deve publicar as aventuras dele para que todos o conheçam.Num jantar com a sociedade carioca a atriz conta
o fato que se espalha rapidamente
através da coluna de fofocas do jornal.
Em Londres, no
apartamento 221 b da Baker Street, Holmes recebe o telegrama do imperador do
Brasil convidando-o para ir ao Rio de Janeiro resolver o caso do roubo do
violino sigilosamente. Ele e Wastson partem imediatamente para o Brasil .Ao ler
o jornal do commercio a imperatriz fica sabendo de todas as notícias e se enfurece. O
imperador tentou remediar ,mas não conseguindo retira-se.
No final de uma
apresentação de Sarah mais uma moça é
atacada e morta pelo assassino à noite. Quando amanhece a polícia é
chamada e o legista observa as
semelhanças com o crime anterior. O delegado Mello Pimenta encontra um cartão que a vítima ganhou da atriz francesa e ao conversar com a sua esposa,Esperidiana, que é
leitora do jornal do commercio, fica sabendo da chegada do detetive inglês que cuidará do roubo do
violino. Quando navio chega ao Rio de
Janeiro ele recebe a carta de Pimenta que lhe pede ajuda.
Sarah soube que
a moça a qual deu o cartão foi morta,
mas não tinha nenhuma informação que
pudesse ajudar o delegado.E na livraria O Recanto de Afrodite, de Miguel Solera
de Lara, que era também um ponto de encontro dos boêmios, Sarah esbarra em
Mercedes Leal que põe cartas como passatempo.A atriz pede para ela por as
cartas e a leitura índica um acidente na próxima vez que voltar ao Brasil.Outro ponto preferido da
boêmia era o Bar do Necrotério: Bilac,
Passos, Coelho Neto, Paula Nei, Azevedo,
Patrocínio, Albertino Fazelli, Chiquinha Gonzaga formam o grupo se autodenominavam a “Malta”. Reunidos discutem a chegada de Holmes, as moças mortas e o roubo do violino. O delegado
aparece por lá e já que as notícias são de
domínio público, confirma e os
convida para irem ao necrotério.Somente Passos, Nei, Neto ,Bilac e Gonzaga
aceitaram o convite e lá conversam a respeito delas. A musicista confirma
que as pistas são as cordas de violino,o
sol e o mi.
Ao chegar ao
Brasil Holmes revela que sabe falar
português aprendido em Macau, na China, Língua que Wastson não compreende. São hospedados no Hotel
Albion. Mais tarde os dois participam de um almoço com
Sarah, seu filho Maurice, o visconde de Ibiutaça e o marquês de Salles no qual
conversaram sobre a possibilidade de Watson escrever as aventuras de Holmes, os casos e amenidades.Pratos
típicos foram servidos.O detetive deseja
falar com a baronesa para saber mais
detalhes. O cocheiro particular do
imperador os leva até ela. Souberam que
um criado levou o violino para o conserto na loja Viola d’Ouro.
À noite Holmes
sente o efeito da comida, perdeu o sono e resolve dar uma volta. O homem atacou
a atriz Anna Candelária que conseguiu escapar, encontrou Holmes que correu atrás do agressor o qual despistou-o
na Biblioteca Nacional. De dia, Pimenta foi a Viola d’Ouro, confirmou com Giacomo a informação dada por
Chiquinha e encontra Holmes e Watson. A convite do marquês de Salles os três vão ao
Café Amorim e conversam sobre os assassinatos. Holmes classifica o assassino
como um serial killer e liga esse caso ao caso do violino roubado: o mesmo homem matou as moças
e roubou o instrumento.
O visconde de
Ibituaçu oferece um jantar em homenagem
a Sherlock e Sarah, comparecem a Malta, a baronesa de Avaré, Maurice, moças e
rapazes os quais voltam a falar nos casos e a
moça que escapou.Sarah alega ter visto alguém parecida com ela: Anna Candelária. O detetive procura por Anna e a encontra.
Carolina de
Lourdes sai à noite durante uma tempestade para ir a casa do pai,mas a chuva
a impede e o assassino serial a executa. No dia seguinte, Pimenta chama Holmes e Watson para verem o local do crime. No necrotério confirmam a terceira vítima do serial
killer.Vão ao hospício e entrevistam um canibal. Após participam dos eventos da
Corte como ir a Petrópolis e ao Jockey
Club. Também são levados a um
babalorixá que afirma que Holmes é filho de Xangô.
Sarah termina a
sua turnê no Brasil e parte aplaudida
por todos. Pimenta recebe uma carta do assassino Oluparun, leva para Holmes e
diz que receberam ajuda de Nina Milet
,jovem criminologista e patologista
baiano que quer ajudar a traçar o
perfil do assassino,mas a conversa foi
pouco proveitosa. À noite , o assassino mata a
baronesa de Avaré e seus
escravos, e como as outras vítimas, e
escreve na testa dela a palavra MISTÉRIO. Oluparun é Miguel Solera de Lara que
arromba o quarto de Holmes deixa o violino e um bilhete: goodbye .O imperador
deu o violino ao detetive.Holmes e Watson partem no mesmo barco que Sorela de
Lara para irem para Inglaterra, ele vai
morar em Londres. O doutor resolve escrever as aventuras de Holmes e este pede
para não escrever sobre a aventura no Brasil.
Lara recorda o jogo das pistas que Holmes não soube
ligar para desvendar o crime.E crimes semelhantes acontecem em Londres.
Ele se autodenomina Jack, o estripador.
4.1. O Holmes de
Soares
Também é uma
caricatura da personagem de Doyle. O detetive não é a infalível
máquina de pensar e não soluciona
os crimes.O que rompe com duas das principais características do romance policial: o detetive que descobre o culpado e
esse por sua vez ser punido. O assassino deste caso não é descoberto nem punido
.Além disso todas as informações sobre o
andamento das investigações são de domínio público, fato que parece prejudicar as investigações,mas é a falha
que caracteriza a comédia.
No romance
policial clássico só o detetive, a polícia e os contratantes do detetive
particular tem conhecimento de algumas
informações.Mesmo que o crime seja
de conhecimento público não há o envolvimento mássiço e direto das
personagens não ligadas ao caso como acontece no romance de Soares .Holmes
comete erros em suas deduções ,pois é um inglês pouco familiarizado com a cultura brasileira da belle époque e suas nuances.Do romance histórico temos a minuciosa recriação do
ambiente da belle époque carioca.
O texto é narrado
em terceira pessoa.Watson está vivo, acompanha Holmes,mas não é o narrador das aventuras do detetive e por
motivos óbvios a viagem ao Brasil não constará
na biografia oficial das
aventuras do detetive e também é pedido
pelo próprio ao doutor, afinal o caso não foi solucionado e o assassino
escapou.Um vexame para o infalível Holmes.Sarah
sugere no início do livro que Watson escreva as aventuras de Holmes.A sugestão é acatada no
final do livro.
Houve empenho do
autor com relação a pesquisa histórica como demonstra a bibliografia no final do romance.Recria o ambiente histórico e
ficcionalizou personagens históricos com personagens ficcionais.Intertextualiza
com os romances policiais clássicos e
personagens de outro autor,mas como caricaturas, é tempera com humor e uma boa pitada de ironia por causa do descompasso da belle époque carioca: brasileiros
que querem ser europeus enquanto europeus querem descobrir o Brasil:
Se naquela noite
Sarah realmente pensava experimentar a
comida da terra , ficou decepcionada. O cardápio, preparado por um chef francês
chamado especialmente para a ocasião,
copiava radicalmente os restaurantes de Paris. Pg.24
No romance de
Veiga a belle époque retratada é o mistério a ser revelado ou compreendido , no romance
de Soares a belle époque é retratada por dentro
com momentos de comicidade devido aos próprios paradoxos que a belle
époque proporcionava:
(...) Para muitos,
que não entendiam uma palavra do que estava sendo dito em cena, era um
espetáculo de circo, e Sarah um fenômeno tão misterioso quanto um tigre que tocasse flauta ou um
elefante equilibrista. Pg. 47 e 48.
O choque cultural entre as personagens inglesas e
francesas com o comportamento dos brasileiros da elite é inevitávelmente gera momentos cômicos.Exemplo:
_ Os trajes. Não compreendo por que os homens
todos se vestem de preto, à
europeia, num país tropical.
O detetive tocara
uma corda sensível .O costume de copiar
os coletes e as pesadas
sobrecasacas dos climas frios era motivo
de espanto e de chacota por parte dos
viajantes e até “O Mequetrefe” já fizera
charges criticando está mania.
_O senhor Holmes
há de nos perdoar,mas a civilização tem
seu preço.(...)_ respondeu a baronesa de Avaré. Pg 175.
Os males de determinadas tendências
de moda não são novos. Os brasileiros
como cita Needell[xiii]
chegaram a fazer o absurdo de vestir
roupas do inverno europeu em pleno calor
carioca de 40 graus para alcançar
a civilização, como observado no fragmento do livro.O tempo passou , a nação
hegemônica mudou e de outros modos o que ocorria
na belle époque continua acontecendo.Existem brasileiros que não gostam
do Brasil e infelizmente há muitos que só dão valor aos produtos e as pessoas
que são estrangeiras, como se tudo que fosse de fora fosse o melhor.
4.2.O caso
Há dois crimes que
são cometidos pela mesma personagem Oluparun: o
roubo do violino e os assassinatos das mulheres nos quais deixa uma corda do
violino em cada vítima.O detetive é chamado para desvendar os crimes,mas não consegue.Fato que
surpreende ,mesmo sendo uma caricatura.Porém o detetive está fora do seu habitat natural ,Londres, e não
esta familiarizado com as minúcias
culturais do país que se encontra e seus paradoxos.
Os eventos são
desencadeados como elos de corrente ligadas através das indicações das
personagens que levam ao passo seguinte da ação.Rompe a principal regra do
romance policial,pois o detetive não
“lê” as pistas corretamente, não evita
os crimes anunciados pelo assassino o qual as deixa de propósito , não descobre a identidade do
criminoso e não o prende.Heresia total com as regras do romance policial,mas são falhas que fortalecem o cômico na história.Apenas
os leitores conhecem no final a
identidade dele.O interessante é que
Lara depois se denomina Jack, o
estripador e na história real de Jack ninguém
descobriu a sua verdadeira
identidade, há apenas especulações sobre
sua verdadeira identidade, o que leva investigadores modernos a tentar
descobri-la até hoje.
5.Conclusão:
Entre Veiga e
Soares, os únicos pontos em comum no caso dos respectivos romances é o
material usado para tecer as narrativas, cada qual à sua maneira mostrou criatividade com elementos
narrativos conhecidos conectados e
oferecem aos leitores narrativas que
apresentam crítica social e humor
com leveza apesar da aparente simplicidade.
6.Referências
Bibliográficas:
Romances:
SOARES, Jô. O Xangô de Baker Street. São Paulo: Companhia
das Letras, 1995.
VEIGA, J.J.. O Relógio
Belisário. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996.
Teoria:
ADORNO, Theodor W. “Posição do narrador no romance contemporâneo”.In.: Teoria estética
.Trad. Modesto Carone.São Paulo: Abril Cultural, 1983. Col. Os Pensadores.
ARISTÓTELES.Poética. São Paulo: Ed. Nova Cultural, 1996.
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[i]
REIMÃO,Sandra Lúcia. O que é o Romance Policial. São Paulo :Brasiliense, 1983.
[ii]
TODOROV, Tzvetan. “Tipologia do Romance Policial”In.:
Estruturas Narrativas.
[iii]
Pg.144.
[iv]
TRUZZI,Marcelo. “Você conhece meu método _Uma justaposição de Charles S. Pierce
e Sherlock Holmes” In.:O signo dos três (org.) Umberto Eco e Thomas A. Seblek.
São Paulo: Perspectiva.
[v]
Idem. Pg. 59.
[vi] TODOROV,Tvetan.Introdução
à Literatura Fantástica. São Paulo: Perspectiva.
[vii] NEEDELL,Jeffrey
D.. Belle Époque Tropical: Sociedade e cultura
da elite do Rio de Janeiro na virada do século
[viii]
Novo Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa.Rio de Janeiro: Nova
Fronteira.1986. pg.435.
[ix]
Idem .pg.435.
[x]
ARISTÓTELES. Poética. São Paulo:Editora Nova Cultural, 1996.
[xi] BENDED,Ivo
C.. Comédia e Riso: Uma poética do teatro cômico. Porto Alegre:Ed.
Universidade., UFRGS/EDPUCRS, 1996.
[xii]
MOISES,Massaud.Dicionário de Termos
Literários. São Paulo:Cultrix.1995.
[xiii]
Idem :vii.
sábado, 7 de julho de 2012
sexta-feira, 6 de julho de 2012
Notas de Rodapé:
[1]
ARISTÓTELES.Poética.São Paulo: Editora Nova Cultural, 1996.
[1]
FEIJÓ,Martin Cezar.O que é o herói. São Paulo: Brasiliense.
[1]
ROCHA,Everado.O que mito. São Paulo:Brasiliense,1991.
[1]
APPINESI,Richard.Conheça Freud.São Paulo:Proposta Editorial,1979.pg 126.
[1]
LEITE,Dante Moreira.Psicologia e Literatura.São Paulo:Ed. Nacional,1977.
[1] Idem.
Pg.124.
[1]
VEYNE,Paul.Acreditaram os gregos em seus mitos? .Portugal-Lisboa: Edições
70,1983.O autor também analisa a relação
dos mitos e da verdade, mas como o título índica é com outro enfoque.Por isso, apenas cito o
livro.
[1]
CHUÍ,Marilena.Repressão Sexual _ Essa nossa
(des)conhecida.São Paulo: Brasiliense, 1984.pg.55a76.
[1]
Assista o filme Freud além da alma.
[1] Idem.
pg.71.
[1]
BRANDÃO, Junito de Souza.Mitologia Grega.Vol.I,II,III.Petrópoles
:Vozes,1995.Especialmente o volume
III,cap.VII: Os Labdácidas: O Mito de
Édipo.pg. 233 a 286.
[1] MOSER ,Antônio.O
enigma da esfinge: a sexualidade.Petrópoles.R.J.:Vozes.2001.
[1] É
bom lembrar ou ter em mente que a visão religiosa da
tradição cristã católica vê a questões sexuais envoltas em culpa e medo
(o pecado original), além da visão
cultural cristã ser diferente da cultura grega
antiga.Sobre este assunto é bom ler o livro Textos da Fogueira de Rose
Marie Muraro o qual trata detalhadamente disso.
[1]
CAMPBELL,Joseph. O poder do mito, com Bill Moryers ;org. Betty Sue Flowers, trad. Carlos Felipe Moisés. São
Paulo: Palas Atena,1990.
[1]
MELENTÍNSI,Eleazar Mosséievitch. Os
arquétipos literários .Trad. Aurora Fornoni Bernadini,Homero Freitas de Andrade e Arlete Cavaliere.Atélie Editorial,1998.
[1] Como
esta discussão é complexa e vai muito
longe, prefiro apenas citar.
[1]
MURARO,Rose Marie.Textos da Fogueira.Brasília: Letraviva ,2000.
[1] AZEREDO,Thales.Ciclo
de vida_ Ritos e ritmos.São Paulo:Ática.1987.
[1] Dei
preferência para o termo elaborado por
Paulo Freire,pois é algo pensado e elaborado de cima para baixo e as pessoas não tem direito de escolha
na verdade.
[1]
ADORNO/HORKEIMER. “O conceito de Esclarecimento” in.: Dialética do
esclarecimento.R.J.: Jorge Zahar Editor,1985.
quarta-feira, 4 de julho de 2012
Segunda Versão do texto: Artigo
Édipo e os desdobramentos do conhecimento
_______________________________________________________________
Resumo:
O presente artigo é uma reunião de interpretações do mito de Édipo, das mais as menos conhecidas , o que por si só demonstra a sua importância na cultura ocidental e a análise dos mitos na atualidade,pois são parte e da cultura.
______________________________________________________________________________
(...)O mito para o coletivo assim como o sonho para o individuo .No sonho, tomamos contato com nossos impulsos mais profundos. Assim também no mito, eles aparecem concretizados e exorcizados. O medo da morte,do abandono, do nada, tudo é racionalizado e explicado de forma “palatável” pelo nosso frágil psiquismo.Nós não teríamos sobrevivido sem a esperança que os mitos nos trazem.E creio que enquanto nossa espécie existir mitos existirão.Onde quer que os coloquemos ( na religião, na ciência,no coletivo, etc) eles serão o princípio organizador, da nossa relação conosco mesmos.Não podemos psiquicamente viver sem eles.
Rose Marie Muraro
1. Eles sempre estiveram ,estam e estão entre nós
Os mitos em geral,assim como os mitos gregos que são os mais conhecidos ,interpretados e são fontes de inspiração para novas histórias; são narrativas orais que antecedem a escrita e depois de registrado tornam-se obra literária , eles foram importantes no passado e continuam importantes na atualidade, atraindo interpretações e criando outros mitos.
Na atualidade, o universo mítico do passado ,de muitos povos, é recriado e atualizado através de novelas, esportes, desenhos animados ,música , RPG, vida de artistas,etc.Estão em todo lugar ao mesmo tempo que pareça que não estão em parte alguma, para os mais desavisados. Eles ainda despertam paixões, criam novas religiões, legiões de seguidores,etc.Porém com as devidas adaptações para o gosto cultural das pessoas da atualidade.A razão(ciências e conhecimentos) como se apresenta atualmente também virou mito,porque abandonou a reflexão e esqueceu que seu poder reside na dúvida e autossuperação de teorias anteriormente consagradas como verdade que recebem acréscimos ou são derrubadas ou reformuladas no decorrer do tempo com a evolução dos estudos de determinado assunto, nunca na certeza.Deixará de ser mito quando voltar a aceitar a reflexão, a mudança ,o re-descobrir.
2.A história completa do mito de Édipo
Na história do mito Édipo é filho de Laio, rei de Tebas, e Jocasta .Ao consultarem o oráculo de Delfos sobre sua descendência, ouviram a terrível profecia: o filho que tivessem viria a ser o assassino do seu pai e marido de sua mãe.Ao nascer o primeiro filho, Laio temendo que a profecia acontecesse tomou a decisão de matá-lo. Então encarregou um de seus servos de matar a criança .O servo ,porém, lutando entre o horror de sua tarefa e a fidelidade ao rei , se limitou a perfurar os pés da criança e suspende-la com uma corda nos galhos de uma árvore do monte Cíterion.O pastor Forbas que tomava conta dos rebanhos de Políbio, rei de Corinto, atraído pelo choro, toma-o a seus cuidados e o entrega ao rei e sua esposa, a rainha adota-o como filho e em virtude dos seus pés inchados, deu-lhe o nome Édipo( em grego Oidipous, que significa ‘pé inchado’).Ele cresceu forte, destacando-se por sua força, destreza e sagacidade. Superava seus companheiros a tal ponto que despertava um forte sentimento de inveja. Um deles, certa vez, humilhado pela superioridade de Édipo, disse-lhe que era enjeitado adotado pelos reis.
Atormentado pela dúvida, indagou sobre seu nascimento e sempre a rainha , a quem julgava ser sua mãe,ela esforçava-se por persuadi-lo de que era seu filho.Não satisfeito Édipo consulta o oráculo de Delfos e dele ouve a profecia : não deve retornar jamais a sua terra natal para não vir a ser o assassino do pai e marido de sua mãe,pois dele nasceria uma raça odiosa.
Impressionado pela predição e desejando que ela nunca se concretiza-se não voltou a Corinto julgando que ali encontravam seus pais, vai para Fócida.Numa estrada estreita encontra um velho escoltado por alguns guardas.Esse ordena-lhe com arrogância que saísse do caminho ameaçando-lhe com uma espada. Mas não se humilha um príncipe impunemente,Édipo reage e acaba matando o ancião e os guardas. A profecia começa a tecer sua rede sobre o destino dele,pois o ancião era Laio.
Chegando nas cercanias de Tebas, Édipo encontra a cidade desolada por uma calamidade inaudita .Além do rei morto, a esfinge, fora enviada pela deusa Juno contra os tebanos.A esfinge propunha um enigma a todos os viajantes:”Decifra-me ou te devoro”.O enigma era:Qual é o animal que, de manhã, tem quatro pés, dois ao meio-dia e três ao entardecer?A morte da esfinge livraria os caminhos do monstro e salvaria Tebas, dependia da explicação do enigma ,mas os que tentaram falharam.
Creonte, irmão de Jocasta, e na posição de rei de Tebas , em desespero oferece sua irmã em casamento e, consequentemente , a coroa do reino aquele que destruir a Esfinge e salvar Tebas.Espalha-se a notícia em toda a Grécia.Édipo aceita enfrentar a esfinge. Ele vence, apontando para si mesmo e responde que o animal é o homem ,pois este engatinha na infância, o amanhecer da vida, e se utiliza de quatro pés, anda sobre duas pernas ao meio-dia,na plena idade e, ao entardecer da existência, na velhice, usa bengala, andando então com três pés. O monstro joga-se do penhasco e mata-se. Édipo é o novo rei de Tebas e marido de Jocasta .Eles governam e têm quatro filhos: Etéocles, Polinice,Antígona e Ismênia.
Passam-se os anos e o reino é acometido de uma nova desgraça.Uma peste sem precedentes devasta igualmente homens e animais.Desafia a ciência, as preces, os sacrifícios e destrói implacavelmente toda a região.O oráculo é consultado, diz aos tebanos se livraram da peste quando descobrirem e expulsarem do reino o assassino de antigo rei.
Édipo ordena um minucioso inquérito sobre a morte de Laio.Pouco a pouco,juntando depoimentos de antigos servos, as profecias dos oráculos,conversas com Jocasta e suas próprias lembranças, a dura verdade vai-se desenhando.Ele era assinalado pelo oráculo como causador da peste, matador de seu pai e marido de sua mãe. Jocasta mata-se imediatamente.Édipo fura os próprios olhos,é expulso do reino por seus filhos homens ,os quais assumem o comando de Tebas. Apenas Antígona não o abandona e ,no exílio, acompanha seu desgraçado pai.Os dois juntos acabam por se deter perto de uma pequena localidade,Colona,nas vizinhanças de Atenas. Ali entram num bosque consagrado aos Eumênidas cujo acesso era proibido a todo e qualquer profano. Alguns habitantes da área,horrorizados pelo sacrilégio, querem matá-lo.Antígona implora por seu pai e consegue que ambos sejam levados á presença de Teseu que os recebe com hospitalidade e dá a Édipo seu poder como apoio e seus estados como refúgio,protegendo-o .Édipo lembra que um oráculo de Apolo predisse sua morte em Colona e que seu túmulo seria o penhor da vitória dos atenienses sobre todos os seus povos inimigos.Tempos depois, ouviu um trovão e crê que é a hora de sua morte, avisa a Teseu e as filhas.Em seguida, com o solidário testemunho de Teseu,a terra treme, se entreabre suavemente , sem violência e sem dor Édipo é recebido, agora em paz ,pela morte.
Outras versões apresentam pequenas variações.
3. Começando do começo...
O mito entre os povos primitivos é um modo de se situar no mundo, de encontrar seu lugar entre os demais seres vivos, dominar o medo e a insegurança. Antecede a razão/reflexão e estabelece algumas verdades que explicam os fenômenos naturais, a construção cultural,mas também dão as formas da ação humana. O mito está ligado a magia , ao desejo e ao querer que as coisas aconteçam de um determinado modo, então desenvolvem-se os rituais como meio de alcançar os acontecimentos desejados. O ritual é o mito em ação. Também fixa modelos exemplares para ações e funções humanas, como o tabu(proibição), torna sagrado o acontecimento que teve lugar no passado mítico, atribui sentido ao mundo. É sempre um mito coletivo devido as necessidades dos grupos humanos, além de ser dogmático apresentando-se como verdade que não admite contestação , a sua aceitação acontece através da fé e da crença. Não é racional e não pode ser comprovado nem questionado e quando isso ocorre acontece a transgressão que afeta a comunidade , o tabu envolto em clima de temor e sobrenaturalidade ,cuja desobediência é grave, sendo assim restabelecida a ordem através de ritos de purificação ou de “bode expiatório”,nos quais o pecado é transferido para um animal , para restaurar o equilíbrio da comunidade e evitar castigos divinos.
O mito contém as contradições da sociedade que o criou (ou cria), exprimindo seus paradoxos, dúvidas e inquietações. O que pode significar muitas coisas, representar várias ideias, ser usado em diversos contextos, transmite mensagens cifradas, falando sério sem ser direto e óbvio , e sendo assim, precisa ser interpretado.O mitos compõe o extenso quadro das questões de origem: do universo, da Terra, da vida ,do homem, das línguas. As origens sempre foram fato de preocupação humana, mas não garante explicação do seu estado atual.Por isso, a importância da mensagem cifrada, o mito atrai interpretações é o que não falta no mundo são mitos.
Na Grécia antiga, por via de regra, as peças teatrais formavam o pano de fundo das velhas lendas relativas aos numes mitológicos e as desgraças que atingiam as infelizes famílias dos Atridas, dos Labdácidas( a de Édipo) e dos Tindários. O próprio teatro grego deve sua origem á religião( celebrações em homenagem a Baco).A tragédia devia expressar o sentimento coletivo do mito, da lenda. Assim os gregos também aprendiam quais eram os assuntos proibidos, pois a arte passa algum conhecimento. Para os gregos era primordial passar esse conhecimento, pois eles creem que o homem nasce com o destino traçado e por isso a grande personagem das tragédias é o destino.
O mito de Édipo existia anteriormente como narrativa oral e foi transformado em texto teatral pela mão de Sófocles(V a.C.) que escreveu Édipo Rei e Édipo em Colona e uma peça sobre Antígona, a filha mais velha de Édipo. Muitos autores gregos e fora da Grécia escreveram sobre Édipo, mas a versão que prevaleceu e é a mais conhecida é a de Sófocles.A popularidade e o desafio intelectual e emocional da tragédia desse príncipe é de extrema significação. Um dos mais estranhos retratos da alma humana no qual são projetados desejos, imagens, sentidos de largo alcance.
Em Édipo Rei temos o recorte do mito, a história começa com Édipo como soberano de Tebas, casado com Jocasta e Tebas sofrendo com outra peste. Consulta o oráculo em busca de solução .A resposta é que a peste acabará quando o assassino do antigo rei for descoberto e punido. Através da investigação Édipo descobre seu passado e que é o assassino de Laio e filho do mesmo. Jocasta comete suicídio e ele se pune furando os olhos e é exilado de Tebas.
A tragédia grega é a última fase da evolução pela qual passaram os ditirambos , cantados anteriormente nas festas periódicas celebradas em honra a Baco. A preferência dos autores de teatro era pelas lendas antigas redigidas em triologias ou grupos de três peças cuja o tema se relacionava. Nas tragédias gregas não havia enredo, mistério ou surpresa. Os episódios que os autores utilizavam eram de conhecimento público, o como eram redigidas e apresentadas era o diferencial esperado para ser apreciado. A tragédia surgiu, floresceu e alcançou o máximo do seu esplendor no decurso do século V a.C., no apogeu da existência da Grécia em plena maturidade intelectual e comercial.
A difusão do gosto pela tragédia grega pelo mundo helênico, inclusive nas cidades gregas da Ásia, da Sicília e da Itália Meridional, se por um lado trouxe uma fase de popularidade e fortuna para os autores, artistas e cantores, por outro lado produziu a decadência da mesma, que acompanha de perto o declínio grego.As composições efêmeras não passaram á posteridade.
As cidades gregas entram no ciclo das competições e das guerras pela conquista da hegemonia entre outros eventos que enfraqueceram as cidades-Estados. Unida a Grécia ganha a guerra contra os persas , desunida perde para os macedônios .E a tragédia cedeu lugar para a filosofia.
A tragédia enquanto composição literária é um mundo no qual acontece o choque entre forças opostas: o mítico e o racional.A religião olímpica era politeísta e reduplicava a organização social aristocrata , o que favoreceu a mitologia , aproveitada pela literatura, ontem e no hoje.Os deuses, semideuses, e heróis submetidos á moira(destino) e á ananké (necessidade), apresentando o destino humano como imutável e o cosmo como algo organizado.A tragédia como gênero literário centra-se , principalmente na relação lúdica estabelecida entre os dois elementos. Através dos mitos, os autores trágicos desvelaram e discutiram seus problemas morais, religiosos e filosóficos cujas características são o uso da máscara , o coro, o herói trágico, o conflito entre o ethos(caráter) e o dáimon(gênio mal), tratando dos temas proibidos pela sociedade.
Na cultura grega há o ‘eu coletivo’, um elemento comete o crime, mas todos da comunidade pagam pelo crime. Sendo assim o plano divino e o plano humano percorrem paralelamente o mito: é preciso restabelecer a ordem cósmica .As personagens são agentes de ação e Édipo, além disso comete a hybris(desmedida) ao acusar Creonte injustamente e Édipo paga por isto também.A situação trágica dessa peça é o rompimento da ordem cósmica, parricídio e incesto.A reconciliação entre o divino e o humano ocorre através da morte de Jocasta e o exílio de Édipo.
O nascimento da filosofia ocorreu através da busca de respostas além dos mitos: descobrir o como e o por quê. As questões sobre origens permanecem como tema central das indagações filosóficas. As religiões, as tradições e os mitos explicam, mas de modo limitado, e ao perderem sua força explicativa a razão passou a buscar as verdades que podem ser comprovadas sobre o mundo. Possivelmente a Filosofia nasceu no fim do século VII e inicio do século VI a.C., nas colônias gregas da Ásia Menor na cidade de Mileto.Nasceu como conhecimento racional da ordem do mundo e da Natureza.Da ruptura com o mito através do surgimento e desenvolvimento da razão desfazendo o privilégio religioso do modo único de visão única do mundo. As explicações da filosofia e da ciência são empíricas e concretas , modo diferente das visões míticas da realidade.
Pouco depois Aristóteles (384 a.C. a 332 a.C) utilizou Édipo Rei de Sófocles para definir as regras de uma boa tragédia grega na sua Poética ,as quais lhe eram indispensáveis para que uma tragédia fosse um monumento a beleza artística e moral, capaz de produzir profundas e duradouras impressões ele definiu que a tragédia é imitação(mímese) de uma ação de caráter elevado (não no sentido de moral cristão), completa e de certa extensão, em linguagem ornamentada, e que suscite “terror e piedade , por efeito a purificação dessas emoções” (Cartase).Constitui diferentes partes: as qualitativas,principais traços distintivos da mímese trágica, igual aos meios, os modos e os objetivos. Meios são a elocução(falas) e melopeia (canto coral); modo é o espetáculo cênico; objetivos são o mito( a fábula) ,o caráter e o pensamento. O mais importante para ele é a trama dos atos: a tragédia não existe sem a ação que é o mito. E duas partes que integram-no: a peripécia (efeito contrário de esperado) e o reconhecimento( descobrir a verdade) são meios de fascinação. A unidade extensão dependem da organização interna da peça de acordo com os critérios de necessidade e verossimilhança,num todo uno e coeso. E as partes quantitativas da tragédia: prólogo, episódio,êxodo, coral(párodo e estásimo) e kommós.
O herói trágico é aquele que está em uma situação intermediaria entre a felicidade e a infelicidade,mas pode cair por erro (harmatia) quando impulsionado pela desmedida(hybris).Delineia-se o uso do ethos com o dáimon e a falha trágica, estabelece com o expectador através do clímax para sentir temor e piedade. A peça de Sófocles possui todas as características citadas por Aristóteles.A Poética de Aristóteles também define , além da tragédia, a comédia e a epopeia;é também um manual de teoria literária utilizado na atualidade pelo curso de Letras.Para Feijó ,na teoria literária,através da evolução do teatro grego o herói sai da esfera mítica e passa a humana, em Édipo Rei pode-se fazer uma comparação dos dois momentos: no mito prevalece o destino no qual nenhum homem pode escapar e na tragédia é derrotado diante da força do destino,mas que o humaniza, luta contra isso.O herói trágico não se conforma com o seu destino.
Alguns anos depois de Cristo, o mito de Édipo foi interpretado por três grandes pensadores do saber ocidental: Freud (1856-1939), Foucault(1926-1984) e Lévi-Strauss(1908- ) . De modo geral os mitos atraem interpretações.Para a antropologia, interpretar um mito é forma de compreender uma determinada estrutura social: revelar o pensamento de uma sociedade, a sua concepção da existência e das relações que os homens devem manter entre si e com o mundo que o cerca.A Antropologia Social é a disciplina que aprofundou essa questão. A Psicanálise e a Filosofia também interpretaram os mitos resignificando-os.
Freud interpretou o mito de Édipo e inventou outros mitos importantes como Totem e Tabu. A Psicanálise de Carl Gustav Jung , conhecida como Psicologia Analítica ou junguiana, também interpreta mitos: considera que estão todos numa região da mente humana que ele denominou de inconsciente coletivo, uma espécie de repertório que todos possuem a experiência coletiva onde se encontram os mitos.O inconsciente coletivo é algo compartilhado pela humanidade, um patrimônio comum.
O mito pode ser efetivo e ,portanto, verdadeiro como estimulo forte para conduzir tanto o pensamento quanto o comportamento do ser humano ao lidar com realidades existenciais importantes. Mas uma realidade relativa, pois o conceito de verdade é problemático e o mito não se preocupa sobre a verdade( e não pretendo discorrer sobre esta polêmica,pois verdade é construída culturalmente,mas também pode ser manipulada segundo os interesses envolvidos em determinada verdade,a filosofia tratou de teorizar melhor este assunto ).O mito é parte da existência e resiste as interpretações. O mito de Édipo foi superinterpretado, mas permanece como mito grego e obra literária.
Para Foucault, filosofo, Édipo foi utilizado na discussão em torno de uma forma específica de verdade .Para Freud,psicanalista, Édipo aparece como um modelo de drama existencial humano:é equacionado à questão da ambivalência dos sentimentos, da difícil vivência de amores e ódios inconscientes no interior da tríade familiar.E para Lévi-Strauss, antropólogo social, Édipo é o mito que representa uma espécie de paradoxo sobre se nascemos de um único ou de dois.O único ponto em comum entre os três pensadores, em suas obras foi pensarem o mito de Édipo.
Freud buscou auxílio nos mitos para elaboração de alguns dos seus conceitos.Elucida elementos , aspectos da subjetividade humana por meio deles.Édipo algo pensando estar fazendo outra coisa, governado por uma força (o destino) a qual o empurrava sistematicamente no sentido não desejado e fora de seu controle.Ele não sabia onde estava indo, que matara o pai e desposou a mãe.Não era governado pela sua própria consciência do que era e do que queria, segundo Freud, nós também não.
A mente humana pode ser dividida em dois grandes sistemas : o consciente e o inconsciente.Para Freud, o inconsciente está para o consciente assim como a montanha que permanece submersa está para a ponta do iceberg acima d’água.Os seres humanos são governados pelo inconsciente.Arena onde se define a existência humana.O que nós aproxima de Édipo.Esse intrincado jogo Freud chamou de ‘Complexo de Édipo’, o qual é um conceito que foi gradualmente construído na obra de Freud.No início eram apenas alusões à tragédia de Sófocles.Em 1900 , em A Interpretação dos Sonhos menciona novamente a ideia que somos um pouco parecidos com Édipo.A forma final do complexo de Édipo aparece nos textos de 1921 a 1931.Em linhas gerais:
“Complexo: um conjunto de representações ou ideias ( e frequentemente recordações de momentos reais ou imaginários ), que estão ligados a fortes emoções que são eliminadas do consciente pelo recalcamento no inconsciente e que, do inconsciente, exercem uma forte influência no comportamento. O complexo pode algumas vezes se tornar parcial, embora a tarefa do recalque seja impedir que isso aconteça.
Complexo de Édipo: nasce no curso do desenvolvimento do Ego, entre o terceiro e quinto ano de vida e pode ser responsável ,mais tarde, por uma grande parte dos sentimentos inconscientes de culpa.Pessoas que estão fixadas na fase edipiana, escolhem, como parceiro sexual alguém ,de algum modo, parecido com o pai ou com a mãe.
Complexo de castração:a rivalidade edipiana com o pai provoca nos meninos o complexo de castração.Meninas e mulheres não podem sofrer esta angústia masculina.Mas nem por isso elas deixam de se sentir “castradas”, de desejarem provar a posse de um adequado substituto de pênis( simbólico); do mesmo modo elas podem mostrar sentimentos de angústia frente aqueles órgãos, objetos ou atividades que para elas representam um equivalente do pênis.Freud viu a origem deste deste complexo na inveja do pênis. Muitas psiquiatras e o movimento das mulheres mostram-se extremamente céticas em relação a este ponto de vista.”
Complexo é algo de difícil explicação ,complicado , e de certa forma o amor não é bem amor, o ódio não é bem ódio, o pai não é o pai mesmo e nem a mãe é a mãe.Pai e mãe são antes de tudo ‘lugares simbólicos’, funções desempenhadas, papéis exercidos frente a criança.Freud crê na universal presença do complexo de Édipo, vivido entre os três e cinco anos e reaparece para ser superado com maior ou menor grau de êxito na puberdade.
Do ponto de vista da criança, ela e sua mãe (ou quem ocupa esse lugar) formam uma totalidade.O bebê humano é absolutamente dependente de alguma fonte provedora que impeça de morrer.Sozinha é radicalmente frágil, incompleta e despreparada para existência .A mãe como fonte provedora, a alimenta, aquece e protege.É para a criança, o objeto de um forte investimento de desejo.É algo que ela julga ser parte de si mesma, que ela julga possuir. Mãe e criança vivem pelo olhar da segunda, uma relação simbiótica, de totalização e completude. Nada deverá interditar esta relação .Mas ,a relação nesses termos estaria, de fato, destinada ao fracasso. A criança deverá se constituir como sujeito, unidade individualmente .Este é o processo de separação simbólica que será acionado pela figura do pai, como representante da lei que impedirá o livre curso do desejo, canalizando o ódio da criança .Nessa trama encontramos o drama de Édipo, modelo dessa experiência.
O complexo de Édipo é, neste sentido, uma experiência modelar de regulamentação do desejo pela lei.
Leite observou a importância da literatura na obra de Freud ,começando pela Interpretação dos Sonhos (1900) no qual o pai da psicanálise interpreta o Édipo Rei de Sófocles e Hamlet de Shakespeare ,ambas obras reveladoras do complexo de Édipo.São peças consagradas,universalmente aceitas, as quais exercem poderosa influência sobre ele.Em Hamlet o complexo permanece reprimido: a curiosa incerteza do caráter do herói . O príncipe hesita em cumprir a vingança que é pedida pelo espectro.O texto não índica a causa da ou motivo da hesitação.Freud explica que Hamlet pode fazer de tudo, menos matar o homem que matou seu pai e assumiu o lugar deste junto a mãe, pois este lhe mostra, realizando os seus desejos infantis.A acusação paralisa Hamlet.A interpretação de Freud buscou na tragédia de Sófocles descobrir o sentimento inverso ao explicitamente apresentado.Apresenta “ o texto literário ,não como uma invenção arbitrária ,mas como expressão das camadas mais profundas de nossa vida mental”.
Foucault interpreta Édipo no contexto de uma discussão histórica ampla sobre as formas jurídicas para fazer surgir a verdade.O processo de se estabelecer uma verdade qualquer depende de formações sociais e contextos históricos particulares.Analisa Édipo Rei :a profecia já está completamente realizada, o ciclo fechado, a teia do destino tecida.Ninguém das personagens sabe ainda.A peça é a busca de se descobrir algo, a verdade que está por trás da peste. Quando a verdade é descoberta o quebra-cabeças está completo.O estabelecimento da verdade traduz um instrumento de poder. Neste caso a perda de poder. As metades da verdade se encaixam para destruir Édipo .A verdade como instrumento de poder é bem visível num tribunal: ela serve para salvar ou destruir o réu.
Lévi-Strauss diz que deve-se ver o mito com um olho na sociedade que o produziu e outro nos demais mitos daquele contexto. E o mito de Édipo é um mito sobre origem.Afirmação e negação de parentesco. “Nascemos de um único ou de dois?” Édipo é filho e marido de Jocasta, pai e irmão dos seus filhos. O que faz do mito um instrumento de expressão.
Onde mais podemos encontrar o mito de Édipo? Mutates mutantis e guardadas as devidas proporções, no filme Coração Satânico dirigido por Alan Parker.Os mitos em geral fazem parte das culturas humanas antigas e as atuais,o mito de Édipo permanece em novas tramas,outros ambientes e contextos, recria(n)do em outras linguagens como o filme de Parker.Édipo procurava o assassino de Laio e o detetive Harold Angel foi contratado para encontrar uma pessoa que ele descobre ser ele mesmo.Na busca pela própria identidade as personagens centrais do mito e do filme encontram quem procuravam: ambos buscavam eles mesmos. O cinema se alimenta de mitos para (re)criar “novas” ficções, assim como as literaturas em geral,pois ler,ouvir e/ou assistir histórias de ficção é uma necessidade humana .
E ainda há outras interpretações do mito edipiano: Marilena Chauí (1941- ) também analisou o mito brevemente sob quatro ângulos: dos helenistas(contexto histórico), de Freud, o do psicanalista Hélio Pellegrino ( a tragédia envolve o período oral ou pré-genital da sexualidade,persecutoriamente) ,de Lévi-Strauss.
Para os helenistas a tragédia de Sófocles é considerada exemplar devido as contradições entre passado e presente, família e Cidade, culpa e castigo, responsabilidade e pena, destino e liberdade, direito e força, justiça e violência não se distribuem como nas outras tragédias,nas várias personagens, elas se concentram na personagem principal:Édipo.Marilena Chauí lembra que o título da peça não é Édipo Rei (Oidipous Basileus) e sim Édipo Tirano(Oidipous Tyrannós) ,palavras essenciais para compreender qual é a tragédia de Édipo.O nome significa Pé Inchado, pois carrega uma deformação física ,portanto, seu corpo não está conforme à Natureza.Édipo transferirá isso também para sua psique tornando-se um ser contrário a natureza humana. Colocando-o aquém ou abaixo dos outros seres humanos, faz dele um monstro no sentido grego da palavra: parmakós(vicioso,impuro, venenoso).Sua ação envenena Tebas,impurificando-a (a peste).
O ritual de purificação na religião grega é a do bode expiatório(um animal que personificará os pecados da comunidade e será sacrificado em beneficio dela) .Rito que aparece no início da tragédia ,a procissão dos suplicantes que depositam nos altares os ramos para o ritual de purificação, da expulsão do parmakós: aviso para o que vai acontecer no final.
Tyrannós ,no sentido grego,não é um ditador violento. A palavra se opõe a baliseus: rei por hereditariedade ou linhagem, pois o tirano neste sentido é quem conquista o poder, em vez de herdá-lo, conquista através de suas altas e extremas virtudes, como guerreiro,protetor e sábio.Édipo decifrou o enigma da Esfinge e salvou a Cidade tornou-se o tirano de Tebas.Está acima e além dos demais ,mas num estado estabelecido de ostracismo.
Édipo é uma contradição viva: homem que por sua deformação (física e moral) está abaixo dos demais e por suas qualidades militares e políticas está acima dos demais: concentra dois polos extremos, é internamente contraditório ou dividido.Contrário à Natureza(parricida e incestuoso) e à Cidade (tirano). É um monstro .A busca ocorre por um lado por achar que Creonte é culpado e por outro pela busca da origem: quem sou eu? Quem são meus pais? No sentido político: numa sociedade aristocrática, para ser rei ou tirano, para chegar ao poder , o homem depende da origem de seu sangue , da sua família. Quem é de baixa extração, estrangeiro ou escravo, não pode ser rei e nem tirano.O medo da perda de poder leva Édipo a buscar sua origem e encontra a resposta que o destruirá por causa da sua falta de medida( própria do tyrannós). E o enigma da Esfinge? Édipo o decifra em partes: perguntou “ quem é ,ao mesmo tempo?...”Ele esqueceu desse detalhe e coloca o simultâneo como sucessivo(criança, adulto, velho). Descobre,sem o saber, era ele próprio e não todos os seres humanos.Ele é ao mesmo tempo criança ( filho),adulto(pai,marido) e velho(avô), pai e avô de seus filhos, filho e marido de sua mãe.
Na interpretação de Freud temos o Complexo de Édipo e etc (sem reprisar as explicações).Para Chauí uma das maiores descobertas de Freud, além do sentido da sexualidade ampliada sem confundir com um instinto da sexualidade infantil e da ideia de repressão da libido e não a mesma causa distúrbios físicos e psíquicos, é a descoberta do inconsciente.
Já Hélio Pellegrino considera ter um equívoco na interpretação freudiana de Édipo,ou seja, o fato de Freud haver situado a tragédia na fase fálica ou genital, consequência dos estudos de Freud sobre histeria.Para Pellegrino deveria se situar antes da fase fálica e determina os problemas para esta fase.O núcleo da tragédia é a rejeição e o abandono da Édipo por Jocasta e a ordem para ser morto.Situa nas primeiras relações de objeto.Na verdade, Édipo odeia Jocasta.(?) “O abandono e a condenação à morte logo após o nascimento é o núcleo traumático de Édipo, a fonte profunda e ameaçadora de sua angústia da qual procura defender-se pelo impulso incestuoso, modo de negar o abandono materno insuportável.A fixação edipiana ou incestuosa é um sintoma defensivo de traumatismos ocorridos na primeira relação de objeto: a fome incestuosa pretende disfarçar e negar as frustrações da oral e os impulsos destrutivos ligados a tais frustrações”.
Ele considera que a criança na fase oral, sente-se estimulada para os desejos genitais, colorindo a oralidade com a genitalidade e, depois sua sexualidade genital será fortemente colorida pelos ressentimentos e agressividades orais( o desejo de devorar e o medo de ser devorado).Ocorre com as crianças que não são ou não se sentem amadas pela mãe.Por outro lado, no esforço de preservar o objeto materno, transfere para o pai o ódio e a agressividade, os impulsos destrutivos, pois depende mais da mãe do que do pai para sobreviver.Criado e amado por Mérope e Políbio, Édipo atravessou satisfatoriamente as fases de sua sexualidade na relação com a mãe boa e o pai bom. O conflito incestuoso situa-se na relação com Jocasta e Laio, os pais maus que o abandonaram e odiaram até a morte.(?) O oráculo , inconsciente, ao profetizar as desgraças futuras apenas revelou o que Édipo trazia consigo e que iria destruí-lo e ele procura defender-se através da racionalização,ou seja, uma construção imaginária com aparência de coerência, lógica e racionalidade para ocultar o pavor do que vem do inconsciente.Destruir quem deseja destruí-lo. Para ter o direito de nascer, crescer e viver, precisa matar,mas ao matar, perde o direito de viver.
A morte de Laio na encruzilhada é altamente simbolizado. A encruzilhada: a escolha do caminho, Laio impede Édipo de trilhar o caminho: o pai assassino, objeto mau que joga a criança fora da estrada da vida. A morte do velho com um golpe de bastão: o falo de Édipo destruindo o de Laio.O filho oralmente insatisfeito precisa da relação genital com a mãe, só possível através do parricídio. A vitória sobre a Esfinge é a vitória sobre a mãe persecutória da fase oral e tem aberto o caminho para o incesto.No casamento com Jocasta ele realiza de forma genital o desejo oral e destrutivo.Mas a paz de Édipo é precária, a peste é a vingança da mãe má. Ele tenta enfrentar a verdade e desvendar o enigma desse castigo, embora também tentando livrar-se culpando os outros,colocando fora de si o que estava dentro de si.Além de parricida e incestuoso, com o suicídio de Jocasta, Édipo também se torna matricida .Ao furar os olhos, ele mergulha nas trevas da morte, por causa da dependência , em que fica,regride a situação infantil, ao ponto de onde nunca conseguira sair a vida toda.Assim completa o círculo de seu destino, infância interminável.
O interesse de Lévi-Strauss( aqui há acréscimos) pelo mito de Édipo está na estrutura do mito:o sistema de relações que o constituem.Pois considera que a passagem da Natureza à cultura ocorre quando é estabelecida a proibição do incesto e, com ela ,as regras de parentesco ou alianças fundamentais na constituição das sociedades arcaicas.Por isso, procurou demonstrar que a estrutura ( e não a história narrada) do mito é universal ,todas as sociedades possuem mitos para explicar sua origem e sua organização e em todos estes mitos tem-se sempre a mesma estrutura presente no mito de Édipo:1) as narrativas, começam e terminam com relações de parentesco ou consanguíneas hipervalorizadas; 2) as narrativas sempre contêm episódios em que as relações de parentesco ou consaguíneas são supervalorizadas(Édipo mata o pai, Eteócles mata o irmão Polinice); 3)as narrativas sempre contém um episódio no qual um humano destrói um monstro subterrâneo ou ctônico, vinda da Terra (Édipo mata a Esfinge); 4) as narrativas sempre contêm uma referência a humanos com dificuldade de andar(Lábdaco= coxo;Édipo= pé inchado;em outros mitos americanos e africanos aparecem nomes como Pé Frouxo,Manco,Pé Torto) relação de separação com o ctônico.
Lévi-Strauss observou a mesma estrutura em mitos de diferentes culturas( americanas, africanas,asiáticas).Além de que ainda a estrutura do mito busca resolver duas contradições:de um lado ,a afirmação e negação da autoctonia e, de outro, a valorização e desvalorização das relações de parentesco.Segundo ele, o mito é reflexão anônima e coletiva sobre o enigma da diferença sexual sobre a necessidade de regras regulando as relações entre os sexos( o sistema de parentesco) cuja a infração é delito mortal. A lei do incesto tornou-se válida quando são reconhecidas a não-autoctonia e a diferença sexual,pois quando se consuma a ruptura com a Natureza, advento da Cultura.
Já Antônio Moser(1939), teólogo, analisa o mito edipiano com referências ao estudo de Junito Brandão que analisou as variações do mito, o modo que Sófocles construiu sua peça que desencadeou, bem depois, a interpretação feita por Freud e as diferenças com a interpretação feita por Jung, além de apresentar as outras interpretações e comentá-las(Erich Fromm, Foucault,Paul Diel, Marie Delcourt) ; toma como ponto de partida o enigma da Esfinge para desvendar o mistério da sexualidade através de sete chaves: a chave da intuição contida nos mitos ,a das ciências, a da Teologia, a da Ética, a da experiência da Igreja, a da experiência pastoral e a da configuração afetiva das pessoas homossexuais.A Esfinge está presente em muitas culturas ,além da cultura grega:as benignas e as malignas.Tem em comum o querer falar algo sobre o ser humano que a linguagem comum não traduz: tematizam ângulos diferentes do mesmo mistério em torno de seres humanos e todas as formas de existência.Também de uma forma ou de outra tematizam a sexualidade e em especial a Esfinge de Tebas.Imortalizada por Sófocles é a mais lembrada entre as ns reais,mais complexados e até perversos: Laio e Édipo.
Para Moser,Édipo que envolto na categoria de semideus, aparece em diversas situações.O herói de muitas lendas e mitos, emerge como anti-herói, que não soube enfrentar devidamente o grande desfio da vida. O furar os olhos ao mesmo tempo é uma fatalidade é também perversidade, no sentido de negar-se a ver a luz da verdade, para enfrentá-la. Édipo ,nesta interpretação, é mais símbolo de um ser humano em fuga de si mesmo do que um ser humano capaz de defrontar-se com sua própria esfinge.Teve vitórias aparentes. Quanto ao enigma, alega que a resposta as etapas da vida, teoricamente simples esconde o verdadeiro sentido da questão: o ser humano é um mistério para si próprio e ao mesmo tempo vive rodeado de mistérios. Assim o enigma aponta para cada ser humano. O ‘resolver o enigma’ converte-se a ‘conhecer a si mesmo’, daí o sorriso irônico e misterioso da Esfinge: na vida ninguém jamais conseguirá conhecer-se totalmente.Por isso, a Esfinge está dentro de nós.O cerne do enigma da Esfinge, na interpretação de tragédia sófocleana aponta para a sexualidade.Por isso que toda escola de Psicologia Profunda, comandada por Freud, interpretou o mito, denominou o complexo de Édipo. Ele julga que Freud exagerou um pouco no exclusivamente sexual ,porém sua intuição estava correta.
Um dos ângulos do enigma é o da ambivalência da sexualidade humana: o que é mais trágico no mito, segundo Moser, é que o ser humano traz consigo as marcas da animalidade e é o ser humano suscetível a perversão.Laio e Édipo banalizam tanto o plano humano quanto o espiritual.O que reduz o humano aos seus instintos mais adjetos.O caminho para decifrar o enigma é espiritual.Diante da dura verdade, Édipo preferiu furar os olhos. A perversidade do herói não está na força do destino ,mas na decisão pessoal de não querer ver a realidade: não assumiu as próprias sombras.
Enquanto para o mitólogo Campbell ,a Esfinge de Tebas tem outro sentido: representa o destino de todo ser vivente. Seu enigma é a imagem da própria vida através do tempo:infância, maturidade, velhice e morte. As etapas da vida sempre levam à morte, ela é aspecto da vida , vencer o medo da morte propícia coragem para viver: iniciação de toda aventura heroica.
Meletínki(1918) prefere uma leitura jungiana e Lévi-straussiana, além de observar a leitura de dois freudianos: O.Rank vê no mito o trauma do nascimento e a tendência de voltar ao útero materno, enquanto Adler sublinha a tendência do herói efeminado a dominar a mãe. E ele, Meletínki: Jung também reconhece o ciúme infantil e a tendência a regressão, secundariza a erotização, substitui a rivalidade pela comida. Sendo mais importante os arquétipos da “mãe”, da “criança”, da “sombra”, do animus ( da anima) ou os mitologemas arquétipos . E o argumento mítico básico de Édipo, no sentido profundo consiste na troca de gerações dos poderosos que ocorre através do incesto: casar com a viúva do antigo rei ( mãe de Édipo) dá acesso ao poder.E Muraro analisou como a criação e/ou manipulação de mitos é decisiva na formação de uma estruturação social determinada, além de apontar por que o complexo de Édipo só ocorre em sociedades patriarcais: a competição.
Cada pensador(a) interpretou o mesmo mito com um enfoque diferente revelando faces do mesmo mito e mesmo assim não esgotaram-no.O que torna o assunto inesgotável por si só.Devem existir outras interpretações,mas o objetivo não foi esgotar o assunto,pois é impossível.
4.Mitos e a Atualidade
Outro assunto interessante dentro do mesmo assunto ,mas com outro foco é que há três semelhanças entre ideologia e o inconsciente freudiano: 1) o fato de adota-se crenças sem pensar em suas causas e motivos, sem avaliar se são coerentes ou não ,e verdadeiras;2)ideologia e inconsciente operam através de imaginário e do silêncio.Falar, agir e pensar o que parece ser perfeitamente natural e racional porque a sociedade repete, aceita e incute determinada ideia em cada pessoa através da família, escola ,livros, meios de comunicação, relações de trabalho, prática política,etc, e 3) inconsciente e ideologia não são deliberações voluntárias.Ambos agem se auto-ocultando os motivos por trás de cada ação, como máscaras.
O que tem haver com os mitos e a humanidade atual ?Muita coisa .Os mitos não são elementos só do passado, também fazem parte do presente. Na vida urbana,dita civilizada, examinando o cotidiano é possível perceber elementos míticos no futebol e no carnaval .Há ritos de iniciação no comportamento do ser humano moderno: casamento, aniversário, festas de ano novo,etc.
Os meios de comunicação para a massa trabalham em cima de desejos e anseios que existem no inconsciente.Os super-heróis dos desenhos animados, dos quadrinhos, personagens de filmes encarnam a concepção do Bem e da Justiça assumindo a proteção imaginária dos seres humanos, exatamente porque o mundo moderno é um lugar inseguro com inflação, sequestros, violência, instabilidade no emprego,etc. No campo político, figuras são transformadas em heróis nas eleições prometendo combater a inflação, a corrupção, os privilégios e demais mordomias ,etc.Artistas e esportistas podem ser transformados em modelos exemplares:são fortes,saudáveis ,tem sucesso na profissão, são sempre retratados como excelentes pais, filhos e maridos; vivem cercados de pessoas bonitas, interessantes e ricas.Essa imagem pode ser construída por eles mesmos ou pela mídia que se encarrega disso.Como não mitificá-los para o cidadão comum?Até as novelas trabalham a luta do Bem contra o Mal, liga-se aos valores míticos, pré-reflexivos de cada ser humano e nas novelas o casamento também é transformado em mito: é o grande anseio das mocinhas, solução de todos os problemas, apaziguamento de todas as paixões e conflitos, por isso o final de uma novela é um festival de casamentos.Os astros e estrelas da televisão transformados em mitos são heróis sem poder real: o seu poder é simbólico e atua no imaginário da população.
Os mitos na atualidade ainda tem força para inflamar paixões como nos casos citados ou mesmo causas políticas e/ou religiosas,mas sem o caráter existencial que tinha nos mitos primitivos, não abrange mais a totalidade do real.Houve uma especialização do trabalho e parece que ocorreu o mesmo com os mitos modernos além de especificações para cada grupo social,mitos específicos para tribos específicas .Até a cultura pop é repleta de mitos modernos.Mitos podem ser criados instantaneamente através da publicidade e de propaganda.Etc.
E ,concluindo, Adorno e Hokheimer observaram a relação mito e razão, alegam que o esclarecimento perseguiu sempre o objetivo de livrar os seres humanos do medo e coloca-los na posição de seres desencantando o mundo,visava dissolver os mitos e substituir a imaginação pelo saber.Destruir o animismo .A ciência moderna renunciando o sentido e substituiu o conceito pela fórmula , a causa pela regra e pela probabilidade,assim o esclarecimento se reconhece a si mesmo nos mitos: é totalitário. Os mitos que caem vítimas dele ,já eram produto do próprio esclarecimento. O preço do poder é a alienação daquilo sobre o que exercem poder.Age como o ditador que conhece os outros na medida que pode manipulá-los.Radicalizou a angústia mítica e a intranscendência do positivismo é o tabu. O que está “fora” gera angústia.
A razão sem a reflexão vira mito e assim a cegueira da razão esconde o regresso do pensamento humano enquanto acontece o progresso tecnológico.A volta no circulo uroborico do futuro que é a volta para o passado,em alguns comportamentos humanos.De modo geral, os mitos fazem parte da vida humana e sempre estarão conosco em novas roupagens e dentro de nós. E sempre tentaremos interpretá-los.
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