quinta-feira, 19 de julho de 2012

Fronteiras Misturadas

Ser virtual virou
Virtude atual.
Virtual atitude:
Amor virtual
Que vira real
Para  quem ama
O amor e/ou o(a) amado(a) ?
Amor virtual
Pode  virar real
No coração de quem
Ama.
                               17/07/12.
                               18/07/12.

sábado, 14 de julho de 2012


Por trás de cada caso

Resumo
      Breve estudo de literatura comparativa-estrutural sobre elementos semelhantes nos livros O Relógio Belisário de José J. Veiga e O Xangô de Baker Street de Jô Soares.

1. Introdução:

      Em literatura  existem as regras de cada gênero ou tipo de  literatura,mas são regras que depois de estabelecidas  podem e são quebradas de acordo com a evolução e cada gênero , a mistura dos gêneros e  intencionalidade  dos autores.Em literatura  as regras são criadas para depois serem quebradas.O estudo dos períodos e das escolas   literárias no Ensino Médio são a  prova  disso, pois os momentos de ruptura  que são registrados como os mais importantes , estudados e não a continuidade depois de consagrado .
      No  universo dos gêneros literários acontecem boas surpresas para leitores de todos os níveis de leitura, principalmente na elaboração das narrativas como nos  casos de e em O Relógio Belisário de José J. Veiga e o Xangô de Baker Street de Jô Soares nos quais encontramos Serlock Holmes, personagem de autoria original de  Conan Doyle. Nos dois  romances citados temos caricaturas da personagem de Doyle  e a integração entre o  romance histórico e o policial: ambas  as personagens vão para o Brasil no período  da belle èpoque, a primeira de férias  e a segunda convidada para resolver um caso que tem relação com outro caso.
     E O Relógio Belisário há a conexão entre as narrativas fantástica, histórica e policial: a  narrativa fantástica  desencadeia  as outras duas narrativas. Enquanto em O Xangô de Baker Street  há a conexão entre as  narrativas histórica, policial e cômica. O que demonstra  que na atualidade  diferentes tipos de romances podem ser reunidos numa única obra,de acordo com  a intenção do autor(a). A literatura modificou-se de  acordo com as mudanças que ocorreram no mundo e  com os  seres humanos.
1.1.Antes um pouco de história literária:
     O romance policial clássico nasce no século XIX, por volta de 1840, por  Edgar Allan Poe (1809-1849), além da personagem detetive, o gênero e as regras do gênero através dos seus contos: A carta roubada,Assassinatos na Rua Morgue e o Mistério de Marie Roget; influenciado pelos acontecimentos de sua época( crescimento das cidades, positivismo, etc)  abrindo a possibilidade para outros tipos de  narrativa policial que surgiram depois[i]. Poe criou a tradição e o tipo clássico de detetive através da personagem Auguste Dupin que resolve os casos através de processos lógicos.Depois dele surgiu todo o universo dos romances policiais,  de autores e personagens.
      O romance policial clássico ou de enigma tem um enigma que desencadeia a narrativa na qual o detetive através  de seus métodos  de dedução soluciona o crime  e assim que é desvendado  encerra  a narrativa que é um conjunto de duas histórias : a do crime e a do inquérito.A investigação começa  após o crime  ter acontecido e o detetive procura desvendar o que  aconteceu para  solucionar o caso e prender  o culpado. O detetive não corre risco de vida. Os casos são narrados  em primeira pessoa pelas personagens-narradoras fixas que  acompanham os detetives, esse por sua vez não é um agente oficial na maioria dos romances.
     Dentro deste universo a personagem mais famosa é Sherlock Holmes de Conan Doyle(1859-1930).O  detetive e Jhon Watson surgem em 1887 na obra Um Estudo em Vermelho ,utilizando procedimentos técnicos  científicos  como coleta de pistas , por exemplo, e raciocínio lógico  para solucionar os casos.
     Para Todorov “ o bom romance policial não transgride as regras de construção,mas sim se adapta a  elas. Caso contrário estará fazendo literatura” [ii] .Ele também define as “três espécies” de romance  policial:
1.O clássico,ou romance de enigma, que contém duas histórias: a do crime cometido e a  do inquérito ( quem ?,como? e por quê?).Na  história  do inquérito ,as personagens descobrem raciocinando , não agem  para descobrir o criminoso. O detetive possui  imunidade.  A história do  inquérito  é contada pelo amigo do detetive, que  através dos fatos, escreve um livro sobre os casos.
2.O romance negro ,no qual as duas histórias são fundidas em uma .Não é  apresentado  em forma de memórias. O detetive arrisca a vida e a saúde. É  narrado em terceira pessoa  imparcial  ou em primeira pessoa, pelo próprio detetive.
3. O romance de suspense: surge através da união de características das duas espécies anteriormente  citadas.
2. Serlock  Holmes de Doyle
     Ele, sem sombra de dúvida,é  uma  criatura que fugiu ao controle de seu criador. Embora existam outros detetives importantes no mundo do romance policial,  e o próprio  Holmes tenha sido inspirado pelo Auguste Dupin de Poe, ele é o mais  popular  personagem do gênero, a  ponto de haver pessoas que acreditem que ele  realmente  existiu como pessoa do mundo real, e não só como criação ficcional. A residência  no 221_B da Baker Street, em Londres foi criada para receber  as cartas que pessoas  enviam endereçadas ao  detetive.
     Doyle escreveu quatro romances e cinco livros de contos que imortalizaram sua personagem .Em O Estudo em Vermelho  o leitor é  apresentado a personagem e a seu  método de racionalização dedutiva: através do pensamento construído  através das pistas consegue reconstruir a história do fato passado e descobrir o(s) culpado(s).Utiliza também os recursos científicos  de sua época e conhecimentos que julga serem importantes para as investigações.
     Mesmo transcendendo como personagem imortal Holmes não deixou de ser o tipo  clássico de detetive de romance policial trabalhando com seus recursos que conjugam ciência e intuição além  também de senso prático  com o gosto  pela aventura.Outra posição clássica no romance policial de enigma é do narrador  testemunha: o fiel Dr. Watson que é  parte responsável pela popularidade de Holmes,pois é  através das anotações no diário  do médico que os leitores conhecem o detetive.
     Ele é o narrador que escolhe as aventuras que devem ser relatadas. Nem todas as aventuras de Holmes viraram narrativas policiais. O critério de seleção de Waston consiste em  privilegiar os casos que foram  pouco divulgados nos jornais, os que  acentuam as qualidades de Holmes, e  casos  que foram esclarecidos por provas totalmente lógicas, segundo o método preferencial do detetive. O relato da solução  do mistério ocorre depois que foi solucionado e é uma  visão  parcial dos fatos apresentados pelo ponto de vista de quem sabe tanto dos fatos como  qualquer outra das personagens envolvidas no caso.Além disso o autor deixa registro que possibilita crer que as  personagens são  pessoas reais.É um recurso ficcional para  dar credibilidade à obra de ficção , mas há  leitores que caem no jogo do autor.Como por exemplo, em Um Estudo em Vermelho: “Quando ao que  aconteceu lá o melhor a fazer é citar o que  o próprio relato do velho caçador, conforme ficou registrado no diário do Dr. Watson  a quem já  devemos  tanto.”[iii]
     O interesse do público por Holmes  o fez fugir  ao  controle do seu criador devido admiração despertada.O autor o matou e foi forçado a ressuscitá-lo devido   ao clamor  dos leitores.Em Sherlock Holmes_ Psicológia Social Aplicada ,Truzzi[iv]  recorda  que o autor quis  matar a personagem e por causa dos leitores indignados com o fato  foi forçado a ressucitá-la. “A imagem de Sherlock como epíteme da aplicação da racionalidade e do método científico ao comportamento humano é, certamente, um  fundamental do talento do detetive para  conquistar a  imaginação do mundo.”[v]Segundo  ele, o que impressiona não é a  habilidade  superior de Sherlock, mas  antes o caráter razoável e a  obviedade  do seu “método” depois de esclarecido ao leitor, levando a crer que  seu “método” é acessível a um  atento  estudante de seus “métodos”. O que esperasse dos cientistas no mundo  real é  o que Holmes executa no  seu mundo ficcional: mais luz  e mais justiça. Ele é o herói que triunfa, sempre por  meio da lógica e do método científico. O que fascinou leitores, criminologistas  e pessoas  preocupadas com a  vida real paralela a ficção. Tanto que  atualmente muitos  métodos inventados por Doyle são usados em  laboratórios  científicos.A séries CSI são herdeiras desta tradição  do romance policial e também são a continuidade  evoluída do uso dos métodos científicos atuais nas investigações policiais  .
     Sherlock possui uma postura  do positivismo e ceticismo científico verdadeiramente comtiano e não crê em  sobrenatural,também resume a orientação  basicamente determinista da maioria das ciências sociais modernas. Determinismo é visto como presente em todos os níveis da vida,alinha ao lado sociológico contrariando os psicólogos. A ênfase é colocada na  procura de leis e eventos recorrentes. Preocupa com a verificação empírica das conjecturas é um ponto central de sua abordagem básica. Insistindo sobre a absoluta necessidade de fatos observáveis: dados.Mas, forçados a dotar hipóteses ou “intuições”.
    Às vezes, até o detetive faz suposições equivocadas. Aparentemente também compartilha de alguns esteriótipos e preconceitos do seu mundo vitoriano com relação a  determinados grupos  minoritários . Demonstra leve preconceito contra negros e judeus. E também revela ideias falsas e incomuns a respeito dos processos de pensamento já mencionados.
 3.O romance de Veiga
     Nele temos a relação  entre  os romances policial, fantástico e histórico.
      Segundo Todorov [vi] ,o romance fantástico acontece através de um evento sobrenatural que se insere no mundo real. Existe  através da  incerteza da personagem que é compartilhada com o leitor.Quando tem explicação ,passa a ser da categoria fantástico estranho e quando o sobrenatural é aceito  passa a ser da categoria fantástico maravilhoso.Ele também  observou a função social do fantástico: um pretexto para  falar de assuntos  proibidos tanto por alguma forma de censura institucionalizada quanto a autocensura por causa das  regras sociais e é  também uma forma de combater a censura.
     Enquanto o romance histórico foi um gênero  surgido com o Romantismo.Como o escritor e o artista românticos  não se sentiam integrados ao mundo industrializado e materialista da Europa do século XIX, fizeram o regresso ao passado  recriando  lendas e heróis medievais ou de  épocas passadas que lhes permitiam fugir à realidade.Como o gênero  passou por mudanças com a crise  do  romance  moderno dependendo da  intenção do autor, a narrativa pode fugir ou enfrentar a realidade descentralizando o discurso dominante.Ou até recontar a história  pelo visão do vencidos, a qual é sempre omitida pelos  vencedores na historigrafia oficial.
     Acontece do seguinte modo no romance: Belisário é  um menino que  vive no sítio de Mariano, um desembargador  aposentado, traduz  para as outras pessoas as  histórias que lhe são transmitidas de maneira misteriosa por um relógio  antigo  o qual o  desembargador adquirira num antiquário .A partir da descoberta desta propriedade do relógio  e da capacidade de Belisário  em captar as imagens  e descrevê-las, reúnem-se na sala de jantar o desembargador, sua esposa Artemisa, os filhos Simão e Dolores e o vizinho grego Mirkiz, especialista em ervas medicinais.Através de Belisário ficam sabendo que o relógio foi trazido para o Brasil em 1905, por José Carlos Roche, um bibliófilo e publicista, que o adquiriu num antiquário em Paris.
     Em sua viagem de regresso ao Brasil, Roche  trava conhecimento com  um passageiro do mesmo navio  o qual descobre  ser o  detetive inglês Sherlock Holmes que decidiu passar  uma  temporada no Brasil na tentativa de recuperar-se do choque causado pela morte  de seu fiel auxiliar ,o Dr. Jhon  Waston.Embora pretenda manter-se incógnito, ao chegar ao Rio de  Janeiro, Holmes ajuda a desvendar o roubo na casa  de uma  amiga de Roche, a condessa de Windsor, cuja investigação está a cargo do  delegado Edgar Pahl. A pista encontrada  por Holmes , uma  ponta de punhal utilizada  para arrombar a porta e as gavetas onde se encontravam as joias  da condessa, que  ele identifica como fragmento de um Cris javanês , leva-os ao escritor Lima Barreto, conhecido romancista  que  acabara de publicar  o conto O Homem  que sabia  javanês  , e fornece a pista  necessária: ele tivera a ideia para o conto ao ver, num botequim, um homem tentar vender um punhal  javanês. De posse do endereço , o delegado vai à  procura do tal homem, que afirma  ter vendido a arma para um certo Cartucho.O  delegado efetua  a prisão deste último , e as joias são  recuperadas.
     As histórias transmitidas pelo relógio sofrem um hiato, provavelmente correspondente  a um período em que ele  estivera avariado ou fora de uso. As próximas imagens que Belisário volta  a captar se situam num período bem mais  recente: nos anos da ditadura militar.Declarando serem histórias  já conhecidas, que ninguém gostaria de reviver, Mariano decide que  o melhor a fazer é  enviar Belisário à  escola, e esquecer ,que o  futuro reserve histórias melhores a serem registradas pelo relógio.
     Na  capacidade mágica que o relógio tem de transmitir histórias  e na sensibilidade que permite  ao menino Belisário apreendê-las  e traduzi-las , temos  elementos da  narrativa fantástica. Na  reconstrução do ambiente da belle époque carioca ,podemos ver uma  característica do romance histórico.Por fim, o caso solucionado por Sherlock Holmes pode ser considerado com conto policial interpolado na narrativa do romance.
3.1. O Holmes  de Veiga
     É uma caricatura da  personagem de  Doyle.Não é o detetive racional, está  abatido  pela morte de Wastson, ele não conduz a situação, é conduzido pelos eventos desencadeados  na narrativa.A narração é  em terceira pessoa,pois o narrador por excelência  das aventuras de Holmes  é Watson. A morte dele é o que dá credibilidade a narrativa de Veiga.Além disso, o autor rompe  com as regras do romance  policial tradicional e problematiza a narrativa simplificando-a. Por quê ?
3.2. O caso
     A narrativa policial é a  de enigma, na qual Holmes participa da investigação, conhecedor de armas, reconhece que o fragmento da faca  na cena do crime é  um cris   javanês. O roubo das joias é a primeira história. O inquérito é conduzido pelo delegado Edgar Pahl, que assume  o comando da investigação e prende o ladrão, seguindo as pistas indicadas ,primeiro por Holmes  e a seguinte pelo jornalista  Roche e depois pelo escritor Lima Barreto que conhecera o javanês  ao procurar informações para seu famoso conto O homem que falava javanês. A integridade física de todas as personagens é mantida. Pahl é recompensado e o infrator é preso .Como de praxe ,o bandido , na notícia de jornal, é visto como inimigo da sociedade.
     Dentro do contexto da  narrativa, as personagens não questionam a causa do crime, aceitam os fato  como se apresentam. O leitor superficial  também pode ficar neste nível de leitura, mas lendo atentamente  percebe-se algo mais dentro desta narrativa  aparentemente  simples.O autor não monta um quebra-cabeças como é típico no romance policial. A história é desenvolvida como um jogo de dominó. Veiga  problematiza  a construção tradicional da história policial, por incrível  que pareça, através da simplificação do caso a ser desvendado. Na época em que  a narrativa acontece ,1905, é que temos a resposta.
     Jeffrey D. Needell nos apresenta ao mundo e a ordem da belle époque num detalhado estudo sobre ela[vii] .Foi um período conturbado , no qual a  elite carioca utilizou paradigmas culturais derivados da aristocracia  europeia  para se manter, promover seus  interesses e ter uma visão elevada de si mesma. A mentalidade política era conservadora  .Houve crises  de ordem econômica e social que de modos diferentes afetaram todas as classes  sociais, mas a elite se beneficiou através de arranjos políticos. O Rio de Janeiro era um importante centro político e sócio-econômico.A elite  afrancesou-se  e consolidou a dependência  cultural do Brasil, tendo o elemento negativo e indissociável : o caminho da civilização pelo atalho da europeização, negando a cultura realmente brasileira.O  racismo “cientifico”  era usado para  inferiorizar o povo no seu conceito de civilização. O preconceito era aplicado também a  quem não  soubesse falar francês. Fora da elite, a realidade era outra: a miséria dos negros e mulatos que falavam português.
     Dentro da teoria  sobre o romance policial , esse é o mundo da ordem defendido pelo delegado Pahl.Enquanto  Holmes é um detetive particular, Pahl é um detetive que trabalha oficialmente a serviço da lei. O roubo  no palacete da condessa desestrutura a ordem estabelecida, que é restabelecida  com a  prisão do ladrão e a devolução do produto do roubo.Tem outra característica  do romance policial  que é de manter a integridade física das personagens.
4. O romance de Jô Soares
     Nesse romance temos a relação entre os romances policial, histórico ,anteriormente comentados , e   o cômico (que é um elemento que  merece atenção, embora a teoria sobre comédia seja muito escassa).No dicionário [viii]: obra ou representação teatral em que predominam a sátira e a graça. No sentido figurado é fato ridículo. E comédia de  costumes:  “ Teat. A que reflete os usos e costumes, ideias e sentimentos habituais determinada sociedade, classe ou profissão: “Martins Pena é o fundador da nossa comédia de costumes” [ix].
      Para Aristóteles[x]  a comédia é arte através da imitação de seres inferiores em ações vulgares(no ponto de vista grego antigo) ,não pelo vício,mas sim por ser o cômico uma espécie de feio. O que  demonstra uma divisão  valorativa pejorativa para com a comédia que marcou o  desinteresse de estudiosos  quase que totalmente pela comédia .Questão levantada por Ivo C. Bender[xi]  que também resalta a  existência  da Poética II na qual o assunto  é o riso ,que pouco chegou até nós. A comédia dessacraliza  heróis  e deuses o que foi feito fartamente por Aristofanes.
     A inferioridade mencionada é  resultado de um defeito ou falha a qual é risível por sua insignificância . Na  comédia os deuses  ou os  simples mortais deixam exposto seu lado ridículo o que não pode ocorrer na tragédia. Pode ocorrer também na paródia. O   riso implica reconhecer o ridículo, atribuir um valor determinado  às ações; a comicidade é possível  ser  criada no âmbito da linguagem. É  adesão do humano . Uma marca de  determinada ação seja uma falha ou um padrão de gosto que fuja à  norma estabelecida: de caráter ou de aspecto físico, mas em pequena proporção.
    Para Massaud Moisés o riso “deflagra em razão  da incongruência ou da  ruptura, ainda que breve, das regras estabelecidas pelo uso.  A comédia explora  justamente esses instantes  em  que o imprevisto da ação gera o ridículo ou a  surpresa espontânea.”[xii] No caso da comédia de costumes, ela  visa criticar os hábitos e costumes de uma sociedade de determinada época.
      O que acontece no romance: No Rio de Janeiro de 1886 um homem mata uma  prostituta e deixa uma pista, enquanto  Sarah Bernhardt, estrela de uma  companhia de teatro francesa e a trupe apresentam  espetáculos na cidade. Durante um encontro, no final do espetáculo com  D. Pedro II menciona o roubo do violino Stradivarius da marquesa de Avaré, Maria Luísa  Catarina de Albuquerque, e como não  deseja envolvimento da polícia Sarah  menciona ser amiga de Sherlock Holmes, o grande detetive dedutivo e que Wastson deve  publicar as aventuras  dele para que todos o conheçam.Num  jantar com a sociedade carioca a atriz conta o fato  que se espalha rapidamente através da coluna de fofocas do  jornal.
     Em Londres, no apartamento 221 b da Baker Street, Holmes recebe o telegrama do imperador do Brasil convidando-o para ir ao Rio de Janeiro resolver o caso do roubo do violino sigilosamente. Ele e Wastson partem imediatamente para o Brasil .Ao ler o jornal do  commercio  a imperatriz fica sabendo  de todas as notícias e se enfurece. O imperador tentou remediar ,mas não conseguindo retira-se.
      No final de uma apresentação de Sarah  mais uma moça é atacada e morta pelo assassino à noite. Quando amanhece a polícia  é  chamada e o legista  observa as semelhanças com o crime anterior. O delegado Mello  Pimenta encontra  um cartão que a  vítima ganhou da atriz  francesa e ao conversar  com a sua esposa,Esperidiana,  que  é leitora do jornal do commercio, fica sabendo da chegada do  detetive inglês que cuidará do roubo do violino. Quando navio chega ao  Rio de Janeiro ele recebe a carta de Pimenta que lhe pede ajuda.
      Sarah soube que a  moça a qual deu o cartão foi morta, mas não  tinha nenhuma informação que pudesse ajudar o delegado.E na livraria O Recanto de Afrodite, de Miguel Solera de Lara, que era também um ponto de encontro dos boêmios, Sarah esbarra em Mercedes Leal que põe cartas como passatempo.A atriz pede para ela por as cartas e a leitura índica um acidente na próxima vez  que voltar ao Brasil.Outro ponto preferido da boêmia era o Bar do Necrotério:  Bilac, Passos, Coelho Neto, Paula  Nei, Azevedo, Patrocínio, Albertino Fazelli, Chiquinha Gonzaga  formam o grupo  se autodenominavam a “Malta”. Reunidos  discutem a chegada de Holmes, as moças  mortas e o roubo do violino. O delegado aparece por lá e já que as notícias são de  domínio  público, confirma e os convida para irem ao necrotério.Somente Passos, Nei, Neto ,Bilac e Gonzaga aceitaram o convite e lá conversam a respeito delas. A musicista confirma que  as pistas são as cordas de violino,o sol e o mi.
     Ao chegar ao Brasil Holmes revela que  sabe falar português aprendido em Macau, na China, Língua que Wastson não  compreende. São hospedados no Hotel Albion.  Mais  tarde os dois participam de um almoço com Sarah, seu filho Maurice, o visconde de Ibiutaça e o marquês de Salles no qual conversaram sobre a possibilidade de Watson escrever as aventuras  de Holmes, os casos e amenidades.Pratos típicos  foram servidos.O detetive deseja falar com a baronesa  para saber mais detalhes. O cocheiro particular  do imperador os leva até ela. Souberam que  um criado levou o violino para o conserto na loja  Viola d’Ouro.
      À noite Holmes sente o efeito da comida, perdeu o sono e resolve dar uma volta. O homem atacou a atriz Anna Candelária que conseguiu escapar, encontrou Holmes que  correu atrás do agressor o qual despistou-o na Biblioteca Nacional. De dia, Pimenta foi a Viola d’Ouro,  confirmou com Giacomo a informação dada por Chiquinha e encontra Holmes e  Watson. A  convite do marquês de Salles os três vão ao Café Amorim e conversam sobre os assassinatos. Holmes classifica o assassino como um serial killer e liga esse caso ao caso do  violino roubado: o mesmo homem matou as moças e roubou o instrumento.
     O visconde de Ibituaçu oferece um jantar  em homenagem a Sherlock e Sarah, comparecem a Malta, a baronesa de Avaré, Maurice, moças e rapazes os quais voltam a falar nos casos e a  moça que escapou.Sarah alega ter visto alguém  parecida com ela: Anna Candelária. O  detetive procura por Anna e a  encontra.
     Carolina de Lourdes  sai à noite durante uma  tempestade para ir a casa do pai,mas a chuva a impede e o assassino serial a executa. No dia seguinte, Pimenta chama Holmes  e Watson para verem  o local do crime. No necrotério  confirmam a terceira vítima do serial killer.Vão ao hospício e entrevistam um canibal. Após participam dos eventos da Corte como ir a Petrópolis e ao Jockey  Club. Também  são levados a um babalorixá  que afirma  que Holmes é filho de Xangô.
     Sarah termina a sua turnê  no Brasil e parte aplaudida por todos. Pimenta recebe uma carta do assassino Oluparun, leva para Holmes e diz que receberam ajuda  de Nina Milet ,jovem criminologista e patologista  baiano  que quer ajudar a traçar o perfil do assassino,mas a conversa  foi pouco proveitosa. À noite , o assassino mata a  baronesa de  Avaré e seus escravos, e como as outras  vítimas, e escreve na testa dela a palavra MISTÉRIO. Oluparun é Miguel Solera de Lara que arromba o quarto de Holmes deixa o violino e um bilhete: goodbye .O imperador deu o violino ao detetive.Holmes e Watson partem no mesmo barco que Sorela de Lara  para irem para Inglaterra, ele vai morar em Londres. O doutor resolve escrever as aventuras de Holmes e este pede para não escrever sobre a aventura no Brasil.
     Lara recorda  o jogo das pistas que Holmes  não soube  ligar para desvendar o crime.E crimes semelhantes acontecem em Londres. Ele se autodenomina Jack, o estripador.
4.1. O  Holmes de Soares
    Também é uma caricatura da personagem de Doyle. O detetive não é a  infalível  máquina de pensar  e não soluciona os crimes.O  que rompe com duas das  principais características do romance  policial: o detetive que descobre o culpado e esse por sua vez ser punido. O assassino deste caso não é descoberto nem punido .Além disso todas as  informações sobre o andamento das  investigações são de  domínio público, fato que parece prejudicar  as investigações,mas  é  a falha que caracteriza a comédia.
     No romance policial clássico só o detetive, a polícia e os contratantes do detetive particular tem  conhecimento de algumas informações.Mesmo que o crime  seja de  conhecimento  público não há  o envolvimento mássiço e direto das personagens não ligadas ao caso como acontece no romance de Soares .Holmes comete erros  em suas deduções ,pois  é um inglês pouco familiarizado  com a cultura brasileira da belle époque  e suas nuances.Do romance  histórico temos a minuciosa recriação do ambiente da belle époque  carioca.
     O texto é narrado em terceira pessoa.Watson está vivo, acompanha Holmes,mas não é o  narrador das aventuras do detetive e por motivos óbvios a viagem ao Brasil não constará  na biografia  oficial das aventuras do  detetive e também é pedido pelo próprio ao doutor, afinal o caso não foi solucionado e o assassino escapou.Um vexame para  o infalível  Holmes.Sarah  sugere no início do livro que Watson escreva as  aventuras de Holmes.A sugestão é acatada no final do livro.
     Houve empenho do autor com relação a pesquisa histórica como demonstra  a bibliografia  no final do romance.Recria  o ambiente histórico  e  ficcionalizou personagens históricos com personagens ficcionais.Intertextualiza com os romances policiais  clássicos e personagens de outro autor,mas como caricaturas, é  tempera com humor  e uma boa pitada de ironia por causa  do descompasso da belle époque carioca: brasileiros que querem ser europeus enquanto europeus querem descobrir o Brasil:
     Se naquela noite Sarah realmente  pensava experimentar a comida da terra , ficou decepcionada. O cardápio, preparado por um chef francês chamado especialmente para a  ocasião, copiava radicalmente os restaurantes de Paris. Pg.24
     No romance de Veiga  a belle époque  retratada é o mistério  a ser revelado ou compreendido , no romance de Soares a belle époque é retratada por dentro  com momentos de comicidade devido aos próprios paradoxos que a belle époque proporcionava:
     (...) Para muitos, que não entendiam uma palavra do que estava sendo dito em cena, era um espetáculo de circo, e Sarah um fenômeno tão misterioso  quanto um tigre que tocasse flauta ou um elefante equilibrista. Pg. 47 e 48.
     O choque  cultural entre as personagens inglesas e francesas com o comportamento dos brasileiros da elite é inevitávelmente  gera momentos cômicos.Exemplo:
     _ Os trajes. Não compreendo por que os  homens  todos se vestem de preto, à  europeia, num país  tropical.
     O detetive tocara uma corda sensível .O costume de copiar  os  coletes e as pesadas sobrecasacas dos climas frios  era motivo de espanto e de chacota  por parte dos viajantes e até  “O Mequetrefe” já  fizera  charges criticando está mania.
     _O senhor Holmes há de nos  perdoar,mas a civilização tem seu preço.(...)_ respondeu a baronesa de Avaré. Pg 175.
     Os males de determinadas tendências de moda não são novos. Os  brasileiros como cita Needell[xiii] chegaram  a fazer o absurdo de vestir roupas do inverno europeu em pleno calor  carioca  de 40 graus para alcançar a civilização, como observado no fragmento do livro.O tempo passou , a nação hegemônica  mudou e de outros modos  o que ocorria  na belle époque continua acontecendo.Existem brasileiros que não gostam do Brasil e infelizmente  há muitos  que só dão valor aos produtos e as pessoas que são estrangeiras, como se tudo que fosse de fora fosse o melhor.
4.2.O caso
     Há dois crimes que são cometidos pela mesma personagem Oluparun: o  roubo do violino e os assassinatos das mulheres nos quais deixa uma  corda do  violino em cada vítima.O detetive é chamado  para desvendar  os crimes,mas não consegue.Fato que surpreende ,mesmo sendo uma caricatura.Porém o detetive está  fora do seu habitat natural ,Londres, e não esta familiarizado com as minúcias  culturais do país que se encontra e seus paradoxos.
      Os eventos são desencadeados como elos de corrente ligadas através das indicações das personagens que levam ao passo seguinte da ação.Rompe a principal regra do romance  policial,pois o detetive não “lê”  as pistas corretamente, não evita os crimes anunciados pelo assassino o qual as deixa de  propósito , não descobre a identidade do criminoso e não o prende.Heresia total com as regras do romance policial,mas  são falhas que fortalecem o cômico na história.Apenas os leitores  conhecem no final a identidade  dele.O interessante é que Lara depois  se denomina Jack, o estripador e na história real de Jack ninguém  descobriu a sua  verdadeira identidade, há  apenas especulações sobre sua verdadeira identidade, o que leva investigadores modernos a tentar descobri-la até hoje.
5.Conclusão:
     Entre Veiga e Soares, os  únicos pontos  em comum no caso dos respectivos romances é o material usado para tecer as narrativas, cada qual à sua maneira  mostrou criatividade com elementos narrativos  conhecidos conectados e oferecem aos leitores narrativas que  apresentam  crítica social e humor com leveza apesar da  aparente  simplicidade.
6.Referências  Bibliográficas:
Romances:
SOARES, Jô. O Xangô de Baker Street. São Paulo: Companhia das  Letras, 1995.
VEIGA, J.J.. O Relógio  Belisário. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996.
Teoria:
ADORNO, Theodor W. “Posição do narrador no  romance contemporâneo”.In.: Teoria estética .Trad. Modesto Carone.São Paulo: Abril Cultural, 1983. Col. Os Pensadores.
ARISTÓTELES.Poética. São Paulo: Ed. Nova Cultural, 1996.
BENDED,Ivo C.. Comédia e Riso: Uma poética do teatro  cômico. Porto Alegre: Ed. Universidade.UFRGS/EDPUCR,1996.
BENJAMIN,Walter. “O narrador” In.: Textos escolhidos. São Paulo: Abril Cultural,1983.
CHAUÍ, Marilena de Souza. O que é ideologia. São Paulo: Brasiliense,1980.
CODO, Wanderley. O que é alienação. São Paulo: Brasiliense,1994.
KOTHE,Flávio R.. O herói. São Paulo: Ática, 1986.
_____________. A alegoria. São Paulo: Ática, 1986.
_____________. Literatura e Sistemas Intersemióticos. São Paulo : Cortez Autores Associados, 1981.
______________. A Narrativa Trivial. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1994.
LINS, Álvaro. “No Mundo do Romance Policial”In.: O Relógio e o Quadrado. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1963.
MOISES, Massaud.Dicionário de Termos Literários. São Paulo : Cultrix,1995.
Novo Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
REIMÃO, Sandra Lucia. O que é o romance policial. São Paulo: Brasiliense, 1983.
SANT’ANNA, Affonso Romano de . Paródia, Paráfrase e Cia. São Paulo:Ática, 1983.
SOENTGENS, Jens. “O riso como parte  do método filosófico” In. Filosofos n.1,v.4. Trad. Jordino Marques. Goiânia: Editora da UFG.
TODOROV, Tzvetan. “Tipologia do Romance  Policial”In.: Estruturas Narrativas.São Paulo: Perspectiva.
________________.Introdução a Literatura Fantástica. São Paulo: Perspectiva, 1975.
STALLONI, Yves.Os gêneros literários. Trad. Flávia Nascimento. Rio de Janeiro: Defil, 2001.
TRUZZI, Marcelo. “Você conhece meu método _ Uma justaposição de Charles S. Pierce e  Sherlock Holmes” In.: O signo dos três. (Org.) Umberto Eco e Thomas A Sebok. São Paulo: Perspectiva.
       

   


    


[i] REIMÃO,Sandra Lúcia. O que é o Romance Policial. São Paulo :Brasiliense, 1983.
[ii] TODOROV, Tzvetan. “Tipologia  do Romance Policial”In.: Estruturas Narrativas.
[iii] Pg.144.
[iv] TRUZZI,Marcelo. “Você conhece meu método _Uma justaposição de Charles S. Pierce e Sherlock Holmes” In.:O signo dos três (org.) Umberto Eco e Thomas A. Seblek. São Paulo: Perspectiva.
[v] Idem. Pg. 59.
[vi] TODOROV,Tvetan.Introdução à Literatura Fantástica. São Paulo: Perspectiva.
[vii] NEEDELL,Jeffrey D.. Belle Époque Tropical: Sociedade e cultura  da elite do Rio de Janeiro na virada do século
[viii] Novo Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa.Rio de Janeiro: Nova Fronteira.1986. pg.435.
[ix] Idem .pg.435.
[x] ARISTÓTELES. Poética. São Paulo:Editora Nova Cultural, 1996.
[xi] BENDED,Ivo C.. Comédia e Riso: Uma poética do teatro cômico. Porto Alegre:Ed. Universidade., UFRGS/EDPUCRS, 1996.
[xii] MOISES,Massaud.Dicionário  de Termos Literários. São Paulo:Cultrix.1995.
[xiii] Idem :vii.

sábado, 7 de julho de 2012

 Tentei concertar o texto o melhor possível,mas as notas de rodapé continuam arrancadas do texto, não sei por que aconteceu isto. Desculpe.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

 Notas de Rodapé:


[1] ARISTÓTELES.Poética.São Paulo: Editora Nova Cultural, 1996.
[1] FEIJÓ,Martin Cezar.O que é o herói. São Paulo: Brasiliense.
[1] ROCHA,Everado.O que mito. São Paulo:Brasiliense,1991.
[1] APPINESI,Richard.Conheça Freud.São Paulo:Proposta  Editorial,1979.pg 126.
[1] LEITE,Dante Moreira.Psicologia e Literatura.São Paulo:Ed. Nacional,1977.
[1] Idem. Pg.124.
[1] VEYNE,Paul.Acreditaram os gregos em seus mitos? .Portugal-Lisboa: Edições 70,1983.O autor  também analisa a relação dos mitos e da verdade, mas como o título índica  é com outro enfoque.Por isso, apenas cito o livro.
[1] CHUÍ,Marilena.Repressão Sexual _ Essa nossa  (des)conhecida.São Paulo: Brasiliense, 1984.pg.55a76.
[1] Assista o filme Freud além da  alma.
[1] Idem. pg.71.
[1] BRANDÃO, Junito de Souza.Mitologia Grega.Vol.I,II,III.Petrópoles :Vozes,1995.Especialmente  o volume III,cap.VII: Os  Labdácidas: O Mito de Édipo.pg. 233 a 286.
[1] MOSER ,Antônio.O enigma da esfinge: a sexualidade.Petrópoles.R.J.:Vozes.2001.
[1] É bom  lembrar ou ter em mente que  a visão religiosa  da  tradição cristã católica vê a questões sexuais envoltas em culpa e medo (o  pecado original), além da visão cultural cristã ser diferente da cultura grega  antiga.Sobre este assunto é bom ler o livro Textos da Fogueira de Rose Marie Muraro o qual trata detalhadamente disso.
[1] CAMPBELL,Joseph. O poder do mito, com Bill Moryers ;org. Betty Sue Flowers, trad. Carlos Felipe Moisés. São Paulo: Palas Atena,1990.
[1] MELENTÍNSI,Eleazar Mosséievitch. Os  arquétipos literários .Trad. Aurora Fornoni  Bernadini,Homero Freitas de Andrade e  Arlete Cavaliere.Atélie Editorial,1998.
[1] Como esta  discussão é complexa e vai muito longe, prefiro apenas citar.
[1] MURARO,Rose Marie.Textos da Fogueira.Brasília: Letraviva ,2000.
[1] AZEREDO,Thales.Ciclo de vida_ Ritos e ritmos.São Paulo:Ática.1987.
[1] Dei preferência  para o termo elaborado por Paulo  Freire,pois  é algo pensado  e elaborado de cima para  baixo e as pessoas não tem direito de escolha na verdade.
[1] ADORNO/HORKEIMER. “O conceito de Esclarecimento” in.: Dialética do esclarecimento.R.J.: Jorge Zahar Editor,1985.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Segunda Versão do texto: Artigo



Édipo e os desdobramentos  do conhecimento
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Resumo:
      O presente  artigo é  uma reunião  de interpretações do mito de  Édipo, das mais as menos conhecidas , o que por si só demonstra a sua importância  na cultura ocidental e a análise  dos mitos na atualidade,pois são parte e da cultura.
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        (...)O mito para o coletivo assim como o sonho para o individuo .No sonho, tomamos contato com nossos impulsos mais profundos. Assim também no mito, eles aparecem concretizados e exorcizados. O  medo da morte,do abandono, do nada, tudo é  racionalizado e explicado de forma “palatável” pelo nosso frágil  psiquismo.Nós não teríamos sobrevivido sem a esperança que os mitos nos trazem.E creio que enquanto nossa  espécie existir mitos existirão.Onde quer que os coloquemos ( na religião, na ciência,no coletivo, etc) eles serão o princípio organizador, da nossa relação conosco mesmos.Não podemos psiquicamente viver sem eles.
     Rose Marie Muraro


1. Eles sempre estiveram ,estam e estão entre nós

     Os mitos  em geral,assim como os mitos gregos que são os mais conhecidos ,interpretados e são fontes de inspiração para novas histórias; são narrativas orais que antecedem  a  escrita e depois de registrado tornam-se  obra literária , eles foram importantes no passado e continuam importantes na atualidade, atraindo interpretações e criando outros mitos.
     Na  atualidade, o universo mítico do passado ,de muitos povos, é  recriado e atualizado  através de novelas, esportes, desenhos animados ,música , RPG, vida de artistas,etc.Estão em todo lugar ao mesmo tempo que pareça que não estão em parte alguma, para os mais desavisados. Eles ainda despertam  paixões, criam novas religiões, legiões de seguidores,etc.Porém com  as devidas adaptações para  o gosto cultural das pessoas da atualidade.A  razão(ciências e conhecimentos) como se apresenta atualmente também  virou mito,porque abandonou  a reflexão e esqueceu que seu poder reside na dúvida  e autossuperação de teorias anteriormente consagradas como verdade que  recebem acréscimos ou são derrubadas ou reformuladas no decorrer do tempo com a evolução dos estudos de determinado assunto,   nunca na certeza.Deixará  de ser mito quando voltar a aceitar a reflexão, a mudança ,o re-descobrir.

2.A história completa do  mito de Édipo

      Na história do mito Édipo é filho de Laio, rei de Tebas, e Jocasta .Ao  consultarem o  oráculo de Delfos sobre  sua descendência, ouviram a terrível  profecia: o filho que tivessem  viria a ser o assassino do seu pai e marido de sua mãe.Ao nascer o primeiro filho, Laio temendo  que a profecia acontecesse tomou  a decisão de matá-lo. Então encarregou um de seus servos de matar a criança .O servo ,porém, lutando entre o horror de sua  tarefa e a fidelidade ao rei , se limitou a perfurar os pés da criança e suspende-la  com uma corda nos galhos de uma  árvore  do monte Cíterion.O pastor  Forbas que tomava conta  dos rebanhos de Políbio, rei de Corinto, atraído pelo choro, toma-o a seus  cuidados e o entrega ao rei e sua esposa, a rainha adota-o como filho e em virtude dos seus pés inchados, deu-lhe o nome Édipo( em grego Oidipous, que significa ‘pé inchado’).Ele  cresceu forte, destacando-se por sua força, destreza e sagacidade. Superava seus companheiros a tal ponto que despertava um forte  sentimento de inveja. Um deles, certa vez, humilhado pela superioridade de Édipo, disse-lhe que era  enjeitado  adotado pelos reis.
     Atormentado pela dúvida, indagou sobre seu nascimento e sempre a rainha , a quem julgava  ser sua mãe,ela esforçava-se por persuadi-lo  de que  era seu filho.Não satisfeito  Édipo consulta o oráculo de Delfos e dele ouve a profecia : não deve retornar jamais a sua terra natal para não vir a  ser o  assassino do pai e marido de sua mãe,pois dele  nasceria uma raça odiosa.
     Impressionado pela predição e desejando que ela nunca se concretiza-se  não voltou a Corinto julgando que ali encontravam seus pais, vai para Fócida.Numa  estrada estreita encontra um velho  escoltado por alguns guardas.Esse ordena-lhe com arrogância  que saísse  do caminho ameaçando-lhe  com uma espada. Mas não se humilha um príncipe  impunemente,Édipo reage  e acaba  matando o ancião e os guardas. A profecia  começa a tecer sua rede sobre o  destino dele,pois  o ancião  era Laio.
     Chegando nas cercanias  de Tebas, Édipo encontra a cidade  desolada por uma calamidade inaudita .Além do rei morto, a esfinge, fora enviada pela deusa Juno contra os tebanos.A esfinge propunha um enigma a todos os viajantes:”Decifra-me ou te devoro”.O enigma era:Qual é o animal que, de  manhã, tem  quatro pés, dois ao meio-dia e três ao entardecer?A morte da esfinge livraria os caminhos do monstro e salvaria Tebas, dependia da explicação do enigma ,mas os que tentaram falharam.
     Creonte, irmão de Jocasta, e na posição de rei de  Tebas , em desespero oferece sua irmã em casamento e, consequentemente , a coroa do reino aquele que destruir a Esfinge e salvar Tebas.Espalha-se a notícia em toda a Grécia.Édipo aceita enfrentar a esfinge. Ele vence, apontando para si mesmo e responde  que o animal é o homem  ,pois este engatinha na infância, o amanhecer da vida, e se utiliza de quatro pés, anda sobre duas pernas  ao meio-dia,na plena idade e, ao entardecer da existência, na velhice, usa bengala, andando então com três pés. O monstro joga-se do penhasco e mata-se. Édipo é o novo rei de Tebas e marido de Jocasta .Eles governam e têm quatro filhos: Etéocles, Polinice,Antígona e Ismênia.
      Passam-se  os anos e o reino é acometido de uma nova desgraça.Uma peste sem precedentes devasta igualmente homens e animais.Desafia a ciência, as preces, os sacrifícios e destrói implacavelmente toda a região.O oráculo é consultado, diz aos tebanos se livraram da peste quando descobrirem e expulsarem do reino o assassino de antigo rei.
     Édipo ordena um minucioso inquérito sobre a morte de Laio.Pouco a pouco,juntando depoimentos de antigos  servos, as profecias dos oráculos,conversas com Jocasta e suas  próprias lembranças, a dura verdade vai-se desenhando.Ele era assinalado pelo oráculo como causador da peste, matador de seu pai e marido de sua mãe. Jocasta mata-se  imediatamente.Édipo fura os próprios olhos,é expulso do reino por seus filhos homens ,os quais assumem o comando de Tebas. Apenas Antígona não o abandona e ,no exílio, acompanha seu desgraçado pai.Os dois juntos acabam por se deter perto de uma pequena localidade,Colona,nas vizinhanças de Atenas. Ali entram num bosque consagrado aos  Eumênidas  cujo acesso era proibido a todo e qualquer profano. Alguns habitantes da área,horrorizados pelo sacrilégio, querem matá-lo.Antígona implora por seu pai e consegue que ambos  sejam levados á presença de Teseu que os recebe  com hospitalidade e dá a Édipo seu poder como apoio e  seus estados como  refúgio,protegendo-o .Édipo lembra que um oráculo de Apolo predisse sua morte em Colona e que seu túmulo seria o penhor da vitória dos atenienses sobre  todos os seus povos inimigos.Tempos depois, ouviu um trovão e crê que é a hora de sua morte, avisa a Teseu e as filhas.Em  seguida, com o solidário testemunho de Teseu,a terra treme, se entreabre suavemente , sem violência  e sem dor Édipo é recebido, agora em paz ,pela morte.
     Outras versões apresentam pequenas variações.

3. Começando do começo...

      O mito  entre os povos  primitivos é um modo de  se situar no mundo, de encontrar seu lugar entre  os demais seres vivos, dominar o medo e a insegurança. Antecede a razão/reflexão e estabelece algumas verdades que explicam os fenômenos naturais, a construção cultural,mas  também dão as formas da ação humana. O mito está ligado a magia , ao desejo e ao querer  que as coisas aconteçam de um determinado modo,   então desenvolvem-se os rituais como meio de alcançar os acontecimentos desejados. O ritual é o mito  em ação. Também fixa modelos  exemplares para ações e funções humanas, como o tabu(proibição), torna sagrado o acontecimento que teve lugar no passado mítico, atribui sentido ao mundo. É sempre um mito coletivo  devido as necessidades dos grupos humanos, além de ser dogmático  apresentando-se como verdade que não admite  contestação , a sua  aceitação acontece através da fé e da crença. Não é  racional e não pode ser   comprovado   nem questionado e  quando isso ocorre  acontece a transgressão que afeta a  comunidade , o tabu envolto  em clima de temor e sobrenaturalidade ,cuja  desobediência  é grave, sendo assim restabelecida a ordem  através de ritos de purificação ou de “bode expiatório”,nos quais o pecado é transferido para um  animal , para restaurar o equilíbrio da comunidade e  evitar castigos divinos.
     O mito contém as contradições da sociedade que o criou (ou cria), exprimindo seus paradoxos, dúvidas e inquietações. O que pode significar muitas coisas, representar várias ideias, ser  usado em diversos  contextos, transmite mensagens cifradas, falando sério sem ser direto e óbvio , e sendo assim, precisa ser interpretado.O mitos compõe o extenso quadro das  questões de origem:  do universo, da Terra, da  vida ,do homem, das línguas. As origens sempre foram fato de preocupação humana, mas  não garante  explicação do seu estado atual.Por isso, a importância  da mensagem cifrada, o mito atrai interpretações é o que não falta no mundo são mitos.
     Na Grécia antiga, por via de regra,  as peças teatrais  formavam o pano de fundo das velhas lendas  relativas aos numes mitológicos e as  desgraças que  atingiam as infelizes famílias  dos Atridas, dos Labdácidas( a de Édipo) e dos Tindários. O  próprio teatro grego deve sua origem á  religião( celebrações em homenagem a Baco).A tragédia  devia  expressar o sentimento coletivo do mito, da lenda. Assim os gregos também aprendiam quais  eram os assuntos  proibidos, pois a  arte passa algum conhecimento. Para  os gregos  era  primordial passar esse conhecimento, pois eles creem que o homem  nasce com  o destino traçado e por isso a  grande personagem das tragédias é o destino.
     O mito de Édipo existia anteriormente como narrativa oral e foi transformado em texto teatral pela mão de Sófocles(V a.C.)  que escreveu Édipo Rei e Édipo em Colona  e uma peça sobre Antígona, a filha mais velha de Édipo. Muitos autores gregos e fora da Grécia escreveram sobre Édipo, mas a versão que prevaleceu e é a mais conhecida é a de Sófocles.A  popularidade e o desafio intelectual e emocional da  tragédia desse príncipe é de  extrema significação. Um dos mais estranhos retratos da alma humana no qual são  projetados desejos, imagens, sentidos de largo alcance.
     Em Édipo Rei  temos o recorte do mito, a história começa com Édipo como soberano de Tebas, casado com Jocasta  e  Tebas sofrendo com outra peste. Consulta o oráculo em busca de solução .A resposta é que a peste acabará quando o assassino do antigo rei for descoberto e punido. Através da investigação Édipo  descobre seu passado e que é o assassino de Laio e filho do mesmo. Jocasta comete  suicídio  e  ele se pune furando os olhos e é exilado de Tebas.
     A tragédia  grega é a última  fase da evolução pela qual passaram os ditirambos , cantados anteriormente  nas festas periódicas celebradas em honra a Baco. A preferência  dos  autores de teatro era pelas lendas antigas redigidas em triologias  ou grupos de três  peças cuja o tema se relacionava. Nas tragédias gregas não havia enredo, mistério ou surpresa. Os episódios que os autores utilizavam eram de conhecimento público, o como eram redigidas e apresentadas era o diferencial esperado para ser apreciado. A  tragédia surgiu, floresceu e alcançou o máximo do seu esplendor no decurso  do século V a.C., no apogeu da existência da Grécia em plena maturidade intelectual e comercial.
     A difusão do gosto pela tragédia  grega pelo mundo helênico, inclusive  nas cidades gregas da Ásia, da Sicília e da Itália   Meridional, se por um lado trouxe uma  fase de popularidade e fortuna para os  autores, artistas e cantores, por outro lado produziu a decadência da mesma, que acompanha de perto o declínio  grego.As composições  efêmeras não passaram á posteridade.
     As cidades gregas entram no ciclo das competições e das guerras pela conquista da hegemonia entre  outros eventos que enfraqueceram as cidades-Estados. Unida a Grécia ganha a guerra contra os persas , desunida  perde para os macedônios .E a tragédia  cedeu lugar para a filosofia.
      A tragédia  enquanto composição literária  é um mundo no qual acontece o choque entre forças opostas: o mítico e o racional.A religião olímpica  era politeísta  e reduplicava  a organização social aristocrata , o que favoreceu a mitologia , aproveitada pela literatura, ontem e no hoje.Os deuses, semideuses, e heróis  submetidos á moira(destino) e á ananké (necessidade), apresentando o destino humano como imutável e o  cosmo como algo organizado.A tragédia  como gênero literário  centra-se , principalmente na relação lúdica estabelecida entre os dois elementos. Através dos mitos, os autores trágicos  desvelaram e discutiram seus problemas morais, religiosos e filosóficos  cujas características  são  o uso da máscara , o coro, o herói trágico, o conflito entre o ethos(caráter) e o dáimon(gênio mal), tratando dos temas proibidos pela sociedade.
     Na cultura grega há o ‘eu coletivo’, um  elemento comete o crime, mas todos da comunidade pagam pelo crime. Sendo assim o plano divino e o plano humano percorrem paralelamente o mito: é preciso restabelecer a ordem cósmica .As personagens  são agentes de ação e Édipo, além disso  comete a hybris(desmedida) ao acusar Creonte injustamente e Édipo paga por isto também.A situação trágica dessa peça é  o rompimento da ordem cósmica, parricídio  e incesto.A reconciliação entre o divino e o humano ocorre através  da morte de Jocasta e o exílio de Édipo.
      O nascimento da filosofia ocorreu através  da busca de respostas além dos mitos: descobrir o como e o por quê. As questões sobre origens  permanecem como tema central das  indagações filosóficas. As religiões, as tradições e os mitos explicam, mas de  modo limitado, e ao perderem sua força explicativa a razão passou a  buscar as verdades que podem ser comprovadas sobre o mundo. Possivelmente  a Filosofia  nasceu no fim do século VII e  inicio do século VI a.C., nas colônias  gregas da Ásia  Menor na cidade de Mileto.Nasceu como conhecimento racional da ordem do mundo e da Natureza.Da ruptura com o mito através do surgimento e desenvolvimento da  razão  desfazendo  o privilégio  religioso do modo único de visão única do mundo. As explicações da filosofia  e da ciência  são empíricas e concretas , modo diferente  das visões míticas  da realidade.
     Pouco depois Aristóteles (384 a.C. a 332 a.C) utilizou Édipo Rei de Sófocles para definir  as regras de uma boa tragédia grega na sua Poética ,as quais lhe eram indispensáveis  para que uma tragédia fosse um monumento a beleza artística e moral, capaz de  produzir profundas e  duradouras impressões ele definiu que a tragédia  é imitação(mímese) de  uma ação de caráter  elevado (não no sentido de moral cristão), completa e de certa extensão, em  linguagem ornamentada, e que suscite “terror e piedade , por  efeito a purificação dessas  emoções” (Cartase).Constitui diferentes  partes: as qualitativas,principais  traços  distintivos da mímese trágica, igual aos meios, os modos e os objetivos. Meios são a  elocução(falas) e melopeia (canto coral); modo  é o  espetáculo  cênico; objetivos são o mito( a fábula) ,o caráter  e o pensamento. O mais importante para ele é a trama dos atos: a tragédia não existe sem a ação que  é o mito. E duas  partes que integram-no: a peripécia (efeito contrário de esperado) e o reconhecimento( descobrir a verdade) são meios de fascinação. A unidade extensão dependem da organização interna da peça de acordo com os critérios de necessidade  e verossimilhança,num  todo uno e  coeso. E as partes quantitativas da tragédia:  prólogo, episódio,êxodo, coral(párodo e estásimo) e kommós.
     O herói  trágico é aquele que está em uma  situação intermediaria  entre  a felicidade e a infelicidade,mas pode cair por erro (harmatia) quando impulsionado  pela desmedida(hybris).Delineia-se  o uso do ethos com o dáimon e a falha trágica, estabelece com o expectador através do clímax  para sentir temor e piedade. A peça de Sófocles possui todas as características citadas por Aristóteles.A Poética  de Aristóteles também define , além da tragédia,  a comédia e a epopeia;é também um manual de teoria  literária  utilizado na atualidade pelo curso de Letras.Para Feijó ,na teoria literária,através da evolução do teatro grego o herói sai da esfera mítica e passa a humana, em Édipo Rei pode-se fazer uma comparação dos dois momentos: no mito prevalece o destino no qual nenhum homem pode escapar e na tragédia  é derrotado diante da força do destino,mas que o humaniza, luta contra isso.O herói trágico não se conforma com o seu destino.
     Alguns anos depois de Cristo, o mito de  Édipo foi interpretado  por três  grandes pensadores  do saber ocidental: Freud (1856-1939), Foucault(1926-1984) e Lévi-Strauss(1908-    ) . De modo geral os  mitos atraem interpretações.Para  a antropologia, interpretar um mito é forma de compreender uma  determinada estrutura social: revelar o pensamento de uma sociedade, a sua  concepção da existência  e das relações que os homens devem manter entre si e  com o mundo que o cerca.A Antropologia  Social  é a disciplina  que  aprofundou essa questão. A Psicanálise e a Filosofia também interpretaram os mitos resignificando-os.
     Freud interpretou o mito de Édipo e inventou outros mitos importantes  como Totem e Tabu. A Psicanálise de Carl  Gustav Jung , conhecida como Psicologia  Analítica ou junguiana, também interpreta mitos: considera que estão todos numa região da mente humana  que ele denominou  de inconsciente coletivo, uma espécie  de repertório  que todos possuem a experiência coletiva onde se encontram os mitos.O inconsciente coletivo é algo compartilhado pela humanidade, um patrimônio comum.
      O mito pode ser  efetivo e ,portanto, verdadeiro como estimulo forte para conduzir tanto o pensamento quanto o comportamento do ser humano ao lidar com realidades existenciais importantes. Mas uma realidade relativa, pois o conceito de verdade é problemático  e o mito não se preocupa sobre a verdade( e não pretendo discorrer sobre esta polêmica,pois verdade é construída culturalmente,mas também pode ser manipulada segundo os interesses envolvidos em determinada verdade,a filosofia tratou  de teorizar melhor este assunto  ).O mito é parte da  existência e resiste as interpretações.   O mito de Édipo foi superinterpretado, mas permanece como mito grego e obra literária.
     Para Foucault, filosofo, Édipo foi utilizado na discussão em torno de uma forma específica de verdade .Para Freud,psicanalista, Édipo  aparece como um modelo de drama existencial humano:é equacionado à questão da ambivalência dos sentimentos, da  difícil  vivência de amores e ódios inconscientes no interior da tríade familiar.E para Lévi-Strauss, antropólogo social, Édipo é o mito que  representa uma espécie de paradoxo sobre se nascemos de um único ou de dois.O único ponto em comum entre os três pensadores, em suas obras foi pensarem  o mito de Édipo.
     Freud buscou auxílio nos mitos para  elaboração de alguns dos seus conceitos.Elucida elementos , aspectos da  subjetividade humana por meio deles.Édipo algo pensando estar fazendo outra coisa, governado por uma força (o destino) a  qual o empurrava sistematicamente no  sentido não desejado e fora de seu controle.Ele não sabia onde estava indo, que matara o pai e desposou a mãe.Não  era  governado pela  sua própria consciência do que era e do que queria, segundo Freud, nós também não.
     A mente humana pode ser dividida em dois grandes sistemas : o consciente  e o inconsciente.Para Freud, o inconsciente está para o consciente assim como a montanha que permanece submersa está  para a ponta do iceberg acima d’água.Os seres humanos são governados pelo inconsciente.Arena  onde se define a  existência  humana.O que nós  aproxima de Édipo.Esse intrincado jogo Freud chamou de ‘Complexo de Édipo’, o qual é um conceito que foi gradualmente construído  na obra de Freud.No início eram apenas alusões à  tragédia de Sófocles.Em 1900 , em A Interpretação dos Sonhos  menciona novamente a ideia  que somos um pouco parecidos com Édipo.A forma final do complexo de Édipo aparece nos textos de 1921 a 1931.Em linhas gerais:
     “Complexo: um conjunto de representações ou ideias ( e frequentemente  recordações de momentos reais  ou imaginários ), que estão  ligados a fortes emoções que são eliminadas do  consciente pelo recalcamento no inconsciente e que, do inconsciente, exercem uma forte influência  no comportamento. O complexo pode algumas  vezes  se tornar parcial, embora a  tarefa do recalque seja impedir que isso aconteça.
     Complexo de Édipo: nasce no curso do  desenvolvimento do Ego, entre o terceiro e quinto ano de vida e pode ser responsável ,mais tarde, por uma grande  parte dos sentimentos inconscientes de culpa.Pessoas que estão fixadas na fase  edipiana, escolhem, como parceiro sexual alguém ,de algum modo, parecido com o pai ou com a mãe.
     Complexo de castração:a rivalidade edipiana com o pai provoca nos meninos o complexo de castração.Meninas e mulheres não podem sofrer esta angústia  masculina.Mas nem por isso elas deixam de se  sentir “castradas”, de desejarem provar  a posse de um adequado substituto de pênis( simbólico);  do mesmo modo elas podem mostrar sentimentos de angústia frente aqueles órgãos, objetos ou atividades que para elas representam um equivalente do pênis.Freud viu a origem deste deste complexo na inveja do pênis. Muitas psiquiatras e o movimento das mulheres mostram-se extremamente céticas em relação a este ponto de vista.”

     Complexo é algo de difícil explicação ,complicado , e de certa forma o amor  não é bem amor, o ódio não é bem  ódio, o pai não é o pai mesmo e nem a mãe  é a mãe.Pai e mãe  são antes de tudo ‘lugares simbólicos’, funções desempenhadas, papéis exercidos frente a  criança.Freud crê na universal presença do complexo de Édipo, vivido entre os três e cinco anos e reaparece para ser superado com maior ou menor grau de êxito  na puberdade.
      Do ponto de vista da criança, ela e sua mãe (ou quem ocupa esse lugar) formam uma totalidade.O bebê humano é absolutamente dependente de alguma fonte provedora que impeça de morrer.Sozinha é radicalmente  frágil, incompleta e despreparada para existência .A mãe como fonte provedora, a alimenta, aquece e protege.É para a criança, o objeto de um forte investimento de desejo.É  algo que ela julga ser parte de si mesma, que  ela julga possuir. Mãe e criança  vivem pelo olhar da  segunda, uma relação simbiótica, de totalização e completude. Nada deverá interditar esta relação .Mas ,a relação nesses termos estaria, de fato, destinada ao fracasso. A criança deverá se constituir como sujeito, unidade individualmente .Este é o processo de separação simbólica que será acionado pela figura do pai, como representante  da lei que impedirá o livre  curso do desejo, canalizando o ódio da criança .Nessa trama encontramos o drama de Édipo, modelo dessa experiência.
     O complexo de Édipo é, neste sentido, uma  experiência  modelar de regulamentação do desejo pela lei.
      Leite observou a importância  da literatura na obra de Freud ,começando pela Interpretação dos Sonhos (1900) no qual o pai da psicanálise  interpreta o Édipo Rei de Sófocles e Hamlet de Shakespeare ,ambas obras reveladoras do complexo de Édipo.São  peças consagradas,universalmente aceitas, as quais  exercem poderosa influência sobre ele.Em Hamlet  o complexo permanece reprimido: a curiosa incerteza do caráter  do herói . O príncipe hesita  em cumprir a vingança que é pedida pelo espectro.O texto não índica a causa da ou motivo da hesitação.Freud explica que Hamlet  pode  fazer de tudo, menos matar o homem que matou seu pai e assumiu o lugar deste junto a mãe, pois este lhe mostra, realizando os seus desejos infantis.A acusação paralisa Hamlet.A interpretação de Freud buscou na tragédia  de Sófocles descobrir o sentimento inverso ao explicitamente apresentado.Apresenta “ o texto  literário ,não como uma  invenção arbitrária ,mas  como expressão das camadas mais profundas  de nossa vida mental”.
     Foucault interpreta Édipo no contexto de uma discussão histórica  ampla  sobre as formas jurídicas para fazer surgir a verdade.O processo de se estabelecer uma  verdade qualquer depende de formações sociais e contextos históricos  particulares.Analisa Édipo Rei :a profecia já está completamente realizada, o ciclo fechado, a teia do destino tecida.Ninguém das personagens sabe ainda.A peça é a busca de se descobrir algo, a verdade que está por trás da peste. Quando a verdade é descoberta o quebra-cabeças está completo.O estabelecimento da verdade traduz um instrumento de poder. Neste caso a perda de poder. As metades da verdade se encaixam para destruir Édipo .A verdade  como instrumento de poder é bem visível num tribunal: ela serve para salvar ou destruir o réu.
     Lévi-Strauss diz que  deve-se ver o mito com um olho na sociedade que o produziu e outro nos demais mitos daquele contexto. E o mito de Édipo é um mito sobre origem.Afirmação e negação de parentesco. “Nascemos de um único ou de dois?” Édipo é filho  e marido de Jocasta, pai e irmão dos seus filhos. O que faz do mito um instrumento de expressão.
      Onde mais podemos  encontrar  o mito de Édipo? Mutates mutantis e guardadas as  devidas proporções, no filme Coração Satânico dirigido por Alan Parker.Os mitos em geral fazem parte das culturas humanas antigas e as atuais,o mito de Édipo permanece em  novas tramas,outros ambientes e contextos, recria(n)do  em outras linguagens  como o filme de Parker.Édipo procurava o assassino de Laio e o detetive Harold Angel foi contratado para encontrar uma pessoa que ele descobre ser ele mesmo.Na  busca pela própria identidade as personagens centrais do mito e do filme  encontram quem procuravam: ambos buscavam eles mesmos. O cinema se alimenta de mitos para (re)criar “novas” ficções, assim como as literaturas em geral,pois ler,ouvir e/ou assistir histórias de ficção é uma necessidade humana .
     E ainda há outras interpretações  do mito edipiano: Marilena Chauí (1941-      ) também analisou o mito brevemente sob quatro ângulos: dos helenistas(contexto histórico), de Freud, o do psicanalista  Hélio Pellegrino ( a tragédia envolve o período  oral ou pré-genital da sexualidade,persecutoriamente) ,de Lévi-Strauss.
     Para os helenistas a tragédia de Sófocles é  considerada exemplar devido as contradições entre passado e presente, família e Cidade, culpa e castigo, responsabilidade e pena, destino e liberdade, direito e força, justiça e violência não se distribuem como nas outras tragédias,nas várias personagens, elas se concentram na personagem principal:Édipo.Marilena Chauí  lembra  que  o título da peça não é Édipo Rei (Oidipous Basileus) e sim Édipo Tirano(Oidipous Tyrannós) ,palavras essenciais para compreender qual é a tragédia de Édipo.O nome significa Pé Inchado, pois carrega  uma deformação física ,portanto, seu corpo não está conforme à Natureza.Édipo transferirá isso  também para sua psique  tornando-se um ser  contrário a natureza humana. Colocando-o aquém ou  abaixo  dos outros seres humanos, faz dele um monstro no sentido grego da palavra: parmakós(vicioso,impuro, venenoso).Sua  ação envenena Tebas,impurificando-a (a  peste).
      O ritual de purificação na religião  grega é a do bode  expiatório(um animal que personificará os pecados da comunidade e será sacrificado em beneficio dela) .Rito que aparece no início  da tragédia ,a procissão dos  suplicantes que depositam nos altares os ramos para o ritual de purificação, da expulsão do parmakós: aviso para o que vai acontecer no final.
     Tyrannós ,no sentido grego,não é  um ditador  violento. A palavra se opõe a baliseus: rei por  hereditariedade ou linhagem, pois o tirano neste sentido é quem conquista o poder, em vez de  herdá-lo, conquista através de suas altas e extremas virtudes, como  guerreiro,protetor e sábio.Édipo decifrou o  enigma da Esfinge e salvou a Cidade tornou-se o tirano de Tebas.Está acima e além dos demais ,mas num estado  estabelecido  de ostracismo.
     Édipo é uma contradição viva: homem que por sua  deformação (física e moral) está  abaixo dos  demais e por  suas  qualidades militares e políticas está acima dos demais: concentra dois polos extremos, é  internamente contraditório ou dividido.Contrário  à Natureza(parricida e incestuoso) e à Cidade (tirano). É um monstro .A busca ocorre por um lado por achar que Creonte  é culpado e por outro pela busca da  origem: quem sou eu? Quem são meus pais? No sentido político: numa sociedade aristocrática, para ser rei ou tirano, para chegar  ao poder , o homem depende da origem de seu sangue , da sua família. Quem é de  baixa extração, estrangeiro  ou escravo, não pode ser  rei e nem tirano.O medo da perda de poder leva Édipo a buscar sua origem e  encontra a resposta que  o destruirá por causa da sua  falta de medida( própria do tyrannós). E o enigma da Esfinge? Édipo o decifra em partes: perguntou “ quem é ,ao mesmo tempo?...”Ele esqueceu desse detalhe e  coloca o simultâneo como sucessivo(criança, adulto, velho). Descobre,sem o saber, era ele próprio e não todos os seres humanos.Ele é  ao mesmo tempo criança ( filho),adulto(pai,marido) e  velho(avô), pai e avô de seus filhos, filho e marido de sua mãe.
      Na interpretação de Freud temos o Complexo de Édipo e etc (sem reprisar as explicações).Para Chauí uma das maiores descobertas de Freud, além do sentido da sexualidade ampliada sem confundir com um  instinto da sexualidade infantil e da ideia de repressão da libido  e não a mesma causa distúrbios físicos e psíquicos, é a descoberta do inconsciente.
      Já  Hélio Pellegrino considera ter um equívoco  na interpretação freudiana de Édipo,ou seja, o fato de Freud haver situado a tragédia na fase fálica ou genital, consequência  dos estudos de Freud sobre histeria.Para Pellegrino deveria se situar antes da fase fálica e determina os problemas para esta fase.O núcleo  da tragédia é a rejeição e o abandono da Édipo por Jocasta e a ordem para ser morto.Situa  nas primeiras relações de objeto.Na verdade, Édipo odeia Jocasta.(?) “O abandono e a condenação à morte logo após o nascimento é o núcleo traumático de Édipo, a fonte  profunda e  ameaçadora de sua angústia  da  qual procura defender-se pelo impulso  incestuoso, modo de negar o abandono materno insuportável.A  fixação edipiana ou incestuosa é um sintoma  defensivo  de traumatismos ocorridos na primeira  relação de objeto: a fome incestuosa pretende disfarçar e negar as frustrações  da oral e os  impulsos destrutivos ligados a tais frustrações”.
     Ele considera que a criança  na fase oral,  sente-se estimulada para os desejos genitais,  colorindo a oralidade com a genitalidade e, depois sua sexualidade genital será fortemente  colorida pelos ressentimentos e agressividades orais( o  desejo de  devorar e o medo de ser devorado).Ocorre com as crianças  que não são ou não se sentem amadas pela mãe.Por outro lado, no esforço de preservar o  objeto materno, transfere para o pai o ódio e a agressividade, os impulsos destrutivos, pois depende mais da mãe do que do pai para  sobreviver.Criado e amado por  Mérope e Políbio, Édipo atravessou  satisfatoriamente as fases de sua sexualidade na relação com a mãe boa e o pai bom. O conflito  incestuoso situa-se  na relação com Jocasta  e Laio, os pais maus que o  abandonaram e odiaram até a morte.(?) O  oráculo , inconsciente, ao  profetizar as desgraças futuras  apenas revelou o que Édipo trazia  consigo e que  iria destruí-lo  e ele procura defender-se através da  racionalização,ou seja, uma construção  imaginária com aparência de coerência, lógica e  racionalidade para ocultar o pavor do que  vem do inconsciente.Destruir quem deseja destruí-lo. Para ter o direito de nascer, crescer e viver, precisa matar,mas ao matar, perde o direito de viver.
     A morte de Laio na encruzilhada é altamente simbolizado. A  encruzilhada:  a escolha do caminho, Laio impede Édipo de trilhar o caminho:  o pai assassino, objeto  mau que joga a criança fora da estrada da vida. A morte do velho com um golpe de bastão: o falo de Édipo destruindo o de Laio.O filho  oralmente insatisfeito  precisa da relação genital com a mãe, só possível através do  parricídio. A vitória sobre a Esfinge é a vitória sobre a mãe persecutória da fase oral e tem aberto o  caminho para o incesto.No  casamento com Jocasta ele realiza  de forma genital o desejo oral  e destrutivo.Mas a paz de Édipo é precária, a  peste é a vingança da mãe má. Ele tenta enfrentar a verdade e desvendar o enigma desse castigo, embora também tentando livrar-se culpando os outros,colocando fora de si o que estava dentro de si.Além de parricida  e incestuoso, com o suicídio de Jocasta, Édipo também se torna matricida .Ao furar os olhos,  ele mergulha nas trevas da morte, por causa da  dependência , em que fica,regride a situação infantil, ao ponto de onde nunca conseguira sair a vida toda.Assim completa o círculo de seu destino, infância interminável.
     O interesse de Lévi-Strauss( aqui há  acréscimos) pelo mito de Édipo está na estrutura do mito:o sistema de relações  que o constituem.Pois considera que a passagem da Natureza à cultura ocorre  quando é  estabelecida a proibição do incesto e, com ela ,as regras de parentesco ou alianças fundamentais na constituição das sociedades arcaicas.Por isso, procurou  demonstrar que a  estrutura ( e não a história narrada) do mito é universal ,todas as  sociedades possuem  mitos para explicar sua origem e sua organização  e em todos estes mitos  tem-se  sempre a mesma estrutura presente no mito de Édipo:1) as narrativas, começam e terminam com relações de parentesco ou consanguíneas hipervalorizadas; 2) as narrativas sempre contêm  episódios em que  as relações de parentesco ou consaguíneas são  supervalorizadas(Édipo mata o pai, Eteócles mata o irmão Polinice); 3)as narrativas sempre contém um episódio no qual um humano  destrói  um monstro subterrâneo ou ctônico, vinda da  Terra (Édipo mata a Esfinge); 4) as narrativas sempre contêm uma referência a humanos com dificuldade de andar(Lábdaco= coxo;Édipo= pé inchado;em outros mitos americanos e africanos aparecem  nomes como Pé Frouxo,Manco,Pé Torto) relação de separação com o ctônico.
     Lévi-Strauss observou a mesma  estrutura em mitos  de diferentes culturas( americanas, africanas,asiáticas).Além de que ainda  a estrutura do mito busca  resolver duas contradições:de um lado ,a afirmação e negação da autoctonia e, de outro, a valorização e desvalorização das relações de parentesco.Segundo ele, o mito é  reflexão anônima e coletiva sobre o enigma  da diferença  sexual sobre a necessidade de regras regulando as relações  entre os sexos( o sistema de parentesco) cuja a infração é delito mortal. A lei do incesto tornou-se  válida quando são reconhecidas a não-autoctonia e a  diferença sexual,pois quando se consuma a ruptura   com a Natureza, advento da Cultura.
     Já Antônio Moser(1939), teólogo, analisa o mito edipiano com referências ao estudo de  Junito Brandão que analisou as  variações do mito, o modo que Sófocles construiu  sua peça que desencadeou, bem depois, a interpretação feita por  Freud e as diferenças com a interpretação feita por Jung, além de apresentar as outras interpretações  e comentá-las(Erich Fromm, Foucault,Paul Diel, Marie Delcourt)  ; toma como ponto de partida o enigma da Esfinge para desvendar o mistério da sexualidade através de sete chaves: a  chave da  intuição contida nos mitos  ,a das ciências, a da Teologia, a da Ética, a da  experiência  da Igreja, a  da experiência pastoral e a da  configuração afetiva das pessoas homossexuais.A Esfinge  está presente em muitas culturas ,além da cultura grega:as benignas e as malignas.Tem em comum o querer  falar algo sobre o ser humano que a linguagem comum não traduz:  tematizam ângulos diferentes  do mesmo mistério em torno de seres humanos e todas as  formas de existência.Também de uma forma ou de  outra  tematizam a sexualidade e em  especial a Esfinge de Tebas.Imortalizada  por  Sófocles é a mais lembrada entre as ns reais,mais complexados e até  perversos: Laio e Édipo.
     Para Moser,Édipo que  envolto na categoria de semideus, aparece em diversas situações.O herói   de muitas lendas e mitos, emerge  como anti-herói, que não soube enfrentar devidamente o grande desfio da vida. O furar os olhos ao mesmo tempo é uma fatalidade é também  perversidade, no sentido de negar-se a  ver a luz da verdade, para enfrentá-la. Édipo ,nesta interpretação, é  mais símbolo de um ser  humano em fuga de si mesmo do que  um ser humano capaz de defrontar-se com sua própria esfinge.Teve vitórias  aparentes. Quanto ao enigma, alega que a resposta as  etapas da vida, teoricamente  simples esconde o verdadeiro sentido da questão:  o ser humano é um mistério para si  próprio e ao mesmo tempo vive rodeado de mistérios. Assim o enigma aponta para cada ser humano. O ‘resolver o enigma’ converte-se a ‘conhecer a si mesmo’, daí o sorriso irônico e misterioso da Esfinge: na vida ninguém jamais conseguirá conhecer-se  totalmente.Por isso, a Esfinge  está dentro de nós.O cerne do enigma da Esfinge, na interpretação de tragédia  sófocleana  aponta para a  sexualidade.Por isso que toda escola de Psicologia Profunda, comandada por Freud, interpretou o mito,  denominou o complexo de Édipo. Ele julga que Freud exagerou um pouco no exclusivamente sexual ,porém sua intuição estava correta.
     Um dos ângulos do enigma é o da ambivalência da sexualidade humana: o que é mais trágico no mito, segundo Moser, é que o ser humano  traz consigo as marcas da animalidade e é  o ser humano suscetível a perversão.Laio e Édipo banalizam tanto o plano humano quanto o espiritual.O que reduz o humano aos seus  instintos mais adjetos.O caminho  para  decifrar o enigma é espiritual.Diante da dura  verdade, Édipo preferiu furar os olhos. A perversidade do herói não está na força do destino ,mas na decisão pessoal de não querer ver a realidade: não assumiu as próprias sombras.
     Enquanto para o mitólogo Campbell ,a Esfinge de Tebas tem outro sentido: representa  o destino de todo ser vivente. Seu  enigma é a imagem da própria vida através do tempo:infância, maturidade, velhice e morte. As etapas da vida sempre levam à  morte, ela é aspecto da vida ,  vencer o medo da morte propícia coragem para viver: iniciação de toda aventura  heroica.
     Meletínki(1918) prefere uma leitura  jungiana e Lévi-straussiana, além de observar  a leitura de dois  freudianos: O.Rank vê  no mito o trauma do nascimento e a  tendência  de voltar ao útero materno, enquanto Adler  sublinha a tendência  do herói  efeminado  a dominar a mãe. E ele, Meletínki: Jung também reconhece o ciúme infantil e a tendência a regressão, secundariza a erotização, substitui a rivalidade pela comida. Sendo mais importante os arquétipos da “mãe”, da “criança”, da “sombra”, do animus ( da anima) ou os mitologemas arquétipos . E o argumento mítico básico de Édipo, no sentido profundo consiste na troca de gerações dos poderosos que ocorre  através  do incesto:  casar com a  viúva  do antigo  rei ( mãe de Édipo) dá acesso ao poder.E Muraro analisou como a criação e/ou  manipulação de mitos é  decisiva na formação de uma  estruturação social determinada, além de apontar por que o  complexo de Édipo  só ocorre em sociedades  patriarcais: a competição.
     Cada pensador(a) interpretou o mesmo mito com um enfoque  diferente revelando faces do mesmo mito e mesmo assim  não esgotaram-no.O que  torna o assunto inesgotável por si só.Devem existir outras interpretações,mas o objetivo não foi esgotar o assunto,pois é impossível.

    4.Mitos e a Atualidade

     Outro assunto interessante dentro do mesmo assunto ,mas  com outro foco é que há  três semelhanças entre  ideologia e o inconsciente  freudiano: 1) o fato de  adota-se crenças  sem pensar em suas causas e motivos, sem avaliar se são coerentes ou não ,e verdadeiras;2)ideologia e inconsciente  operam  através de imaginário  e do silêncio.Falar, agir e pensar o que parece ser perfeitamente natural e  racional porque a sociedade repete, aceita e incute determinada ideia  em cada pessoa através da   família,  escola ,livros, meios de comunicação, relações de trabalho, prática política,etc, e 3) inconsciente  e ideologia  não  são deliberações  voluntárias.Ambos agem se auto-ocultando  os motivos por trás de cada ação, como máscaras.
     O que tem haver com os mitos e  a humanidade atual ?Muita coisa .Os mitos não são elementos só do passado, também fazem parte do presente. Na vida urbana,dita civilizada, examinando o cotidiano é possível  perceber elementos míticos no futebol e no carnaval .Há  ritos de iniciação no comportamento do ser humano moderno: casamento, aniversário, festas de ano novo,etc.
      Os meios de comunicação para a massa  trabalham em cima de  desejos e anseios  que existem no inconsciente.Os super-heróis  dos desenhos  animados, dos quadrinhos, personagens de filmes encarnam a concepção do Bem e da Justiça assumindo a proteção imaginária dos seres humanos, exatamente porque o mundo moderno é um lugar inseguro com inflação, sequestros, violência,  instabilidade no emprego,etc. No campo político, figuras são transformadas  em heróis nas  eleições prometendo combater a inflação, a corrupção, os privilégios e demais  mordomias ,etc.Artistas e esportistas podem ser transformados  em modelos exemplares:são fortes,saudáveis ,tem sucesso na profissão, são sempre retratados  como excelentes  pais, filhos e maridos; vivem cercados de pessoas bonitas, interessantes e ricas.Essa imagem pode ser construída por eles mesmos ou pela mídia que se encarrega disso.Como não mitificá-los para o cidadão comum?Até as novelas trabalham a luta do Bem contra o Mal, liga-se aos valores  míticos, pré-reflexivos de cada ser humano e nas novelas o casamento também  é transformado em mito: é o grande anseio das mocinhas, solução de todos os problemas, apaziguamento de todas  as paixões e conflitos, por isso o final de uma novela é um festival de casamentos.Os astros e estrelas da televisão transformados em mitos são heróis sem poder real: o seu poder é  simbólico  e atua no imaginário da população.
     Os mitos na atualidade ainda tem força  para  inflamar paixões como nos casos citados ou mesmo causas políticas  e/ou religiosas,mas sem o caráter  existencial que tinha nos mitos primitivos, não abrange mais a totalidade do real.Houve  uma especialização  do trabalho e parece que ocorreu o mesmo com os mitos modernos além de especificações para cada grupo social,mitos específicos para  tribos específicas .Até a cultura pop é repleta de mitos modernos.Mitos podem ser criados instantaneamente através da publicidade e de propaganda.Etc.
     E ,concluindo, Adorno e Hokheimer  observaram a relação mito e razão, alegam que o esclarecimento perseguiu sempre o objetivo de livrar os seres humanos do medo e coloca-los  na posição de seres desencantando o mundo,visava dissolver os mitos e substituir a imaginação pelo saber.Destruir o animismo .A ciência moderna renunciando o sentido e substituiu o conceito pela fórmula , a causa pela regra e pela probabilidade,assim o esclarecimento se reconhece a  si mesmo nos mitos: é  totalitário. Os mitos  que caem vítimas dele ,já eram produto do  próprio esclarecimento. O preço do poder é a alienação daquilo sobre o que exercem  poder.Age como o ditador que conhece os outros na medida que pode manipulá-los.Radicalizou a angústia  mítica e a   intranscendência  do positivismo é o tabu. O que está “fora” gera  angústia.
     A razão sem a reflexão vira mito e  assim a  cegueira da razão esconde o regresso  do pensamento humano enquanto acontece o progresso tecnológico.A volta  no circulo uroborico  do futuro  que é a volta para o passado,em alguns  comportamentos humanos.De modo geral, os mitos fazem parte da  vida humana e  sempre estarão conosco em novas roupagens e dentro de nós. E sempre tentaremos interpretá-los.

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