quarta-feira, 4 de julho de 2012

Segunda Versão do texto: Artigo



Édipo e os desdobramentos  do conhecimento
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Resumo:
      O presente  artigo é  uma reunião  de interpretações do mito de  Édipo, das mais as menos conhecidas , o que por si só demonstra a sua importância  na cultura ocidental e a análise  dos mitos na atualidade,pois são parte e da cultura.
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        (...)O mito para o coletivo assim como o sonho para o individuo .No sonho, tomamos contato com nossos impulsos mais profundos. Assim também no mito, eles aparecem concretizados e exorcizados. O  medo da morte,do abandono, do nada, tudo é  racionalizado e explicado de forma “palatável” pelo nosso frágil  psiquismo.Nós não teríamos sobrevivido sem a esperança que os mitos nos trazem.E creio que enquanto nossa  espécie existir mitos existirão.Onde quer que os coloquemos ( na religião, na ciência,no coletivo, etc) eles serão o princípio organizador, da nossa relação conosco mesmos.Não podemos psiquicamente viver sem eles.
     Rose Marie Muraro


1. Eles sempre estiveram ,estam e estão entre nós

     Os mitos  em geral,assim como os mitos gregos que são os mais conhecidos ,interpretados e são fontes de inspiração para novas histórias; são narrativas orais que antecedem  a  escrita e depois de registrado tornam-se  obra literária , eles foram importantes no passado e continuam importantes na atualidade, atraindo interpretações e criando outros mitos.
     Na  atualidade, o universo mítico do passado ,de muitos povos, é  recriado e atualizado  através de novelas, esportes, desenhos animados ,música , RPG, vida de artistas,etc.Estão em todo lugar ao mesmo tempo que pareça que não estão em parte alguma, para os mais desavisados. Eles ainda despertam  paixões, criam novas religiões, legiões de seguidores,etc.Porém com  as devidas adaptações para  o gosto cultural das pessoas da atualidade.A  razão(ciências e conhecimentos) como se apresenta atualmente também  virou mito,porque abandonou  a reflexão e esqueceu que seu poder reside na dúvida  e autossuperação de teorias anteriormente consagradas como verdade que  recebem acréscimos ou são derrubadas ou reformuladas no decorrer do tempo com a evolução dos estudos de determinado assunto,   nunca na certeza.Deixará  de ser mito quando voltar a aceitar a reflexão, a mudança ,o re-descobrir.

2.A história completa do  mito de Édipo

      Na história do mito Édipo é filho de Laio, rei de Tebas, e Jocasta .Ao  consultarem o  oráculo de Delfos sobre  sua descendência, ouviram a terrível  profecia: o filho que tivessem  viria a ser o assassino do seu pai e marido de sua mãe.Ao nascer o primeiro filho, Laio temendo  que a profecia acontecesse tomou  a decisão de matá-lo. Então encarregou um de seus servos de matar a criança .O servo ,porém, lutando entre o horror de sua  tarefa e a fidelidade ao rei , se limitou a perfurar os pés da criança e suspende-la  com uma corda nos galhos de uma  árvore  do monte Cíterion.O pastor  Forbas que tomava conta  dos rebanhos de Políbio, rei de Corinto, atraído pelo choro, toma-o a seus  cuidados e o entrega ao rei e sua esposa, a rainha adota-o como filho e em virtude dos seus pés inchados, deu-lhe o nome Édipo( em grego Oidipous, que significa ‘pé inchado’).Ele  cresceu forte, destacando-se por sua força, destreza e sagacidade. Superava seus companheiros a tal ponto que despertava um forte  sentimento de inveja. Um deles, certa vez, humilhado pela superioridade de Édipo, disse-lhe que era  enjeitado  adotado pelos reis.
     Atormentado pela dúvida, indagou sobre seu nascimento e sempre a rainha , a quem julgava  ser sua mãe,ela esforçava-se por persuadi-lo  de que  era seu filho.Não satisfeito  Édipo consulta o oráculo de Delfos e dele ouve a profecia : não deve retornar jamais a sua terra natal para não vir a  ser o  assassino do pai e marido de sua mãe,pois dele  nasceria uma raça odiosa.
     Impressionado pela predição e desejando que ela nunca se concretiza-se  não voltou a Corinto julgando que ali encontravam seus pais, vai para Fócida.Numa  estrada estreita encontra um velho  escoltado por alguns guardas.Esse ordena-lhe com arrogância  que saísse  do caminho ameaçando-lhe  com uma espada. Mas não se humilha um príncipe  impunemente,Édipo reage  e acaba  matando o ancião e os guardas. A profecia  começa a tecer sua rede sobre o  destino dele,pois  o ancião  era Laio.
     Chegando nas cercanias  de Tebas, Édipo encontra a cidade  desolada por uma calamidade inaudita .Além do rei morto, a esfinge, fora enviada pela deusa Juno contra os tebanos.A esfinge propunha um enigma a todos os viajantes:”Decifra-me ou te devoro”.O enigma era:Qual é o animal que, de  manhã, tem  quatro pés, dois ao meio-dia e três ao entardecer?A morte da esfinge livraria os caminhos do monstro e salvaria Tebas, dependia da explicação do enigma ,mas os que tentaram falharam.
     Creonte, irmão de Jocasta, e na posição de rei de  Tebas , em desespero oferece sua irmã em casamento e, consequentemente , a coroa do reino aquele que destruir a Esfinge e salvar Tebas.Espalha-se a notícia em toda a Grécia.Édipo aceita enfrentar a esfinge. Ele vence, apontando para si mesmo e responde  que o animal é o homem  ,pois este engatinha na infância, o amanhecer da vida, e se utiliza de quatro pés, anda sobre duas pernas  ao meio-dia,na plena idade e, ao entardecer da existência, na velhice, usa bengala, andando então com três pés. O monstro joga-se do penhasco e mata-se. Édipo é o novo rei de Tebas e marido de Jocasta .Eles governam e têm quatro filhos: Etéocles, Polinice,Antígona e Ismênia.
      Passam-se  os anos e o reino é acometido de uma nova desgraça.Uma peste sem precedentes devasta igualmente homens e animais.Desafia a ciência, as preces, os sacrifícios e destrói implacavelmente toda a região.O oráculo é consultado, diz aos tebanos se livraram da peste quando descobrirem e expulsarem do reino o assassino de antigo rei.
     Édipo ordena um minucioso inquérito sobre a morte de Laio.Pouco a pouco,juntando depoimentos de antigos  servos, as profecias dos oráculos,conversas com Jocasta e suas  próprias lembranças, a dura verdade vai-se desenhando.Ele era assinalado pelo oráculo como causador da peste, matador de seu pai e marido de sua mãe. Jocasta mata-se  imediatamente.Édipo fura os próprios olhos,é expulso do reino por seus filhos homens ,os quais assumem o comando de Tebas. Apenas Antígona não o abandona e ,no exílio, acompanha seu desgraçado pai.Os dois juntos acabam por se deter perto de uma pequena localidade,Colona,nas vizinhanças de Atenas. Ali entram num bosque consagrado aos  Eumênidas  cujo acesso era proibido a todo e qualquer profano. Alguns habitantes da área,horrorizados pelo sacrilégio, querem matá-lo.Antígona implora por seu pai e consegue que ambos  sejam levados á presença de Teseu que os recebe  com hospitalidade e dá a Édipo seu poder como apoio e  seus estados como  refúgio,protegendo-o .Édipo lembra que um oráculo de Apolo predisse sua morte em Colona e que seu túmulo seria o penhor da vitória dos atenienses sobre  todos os seus povos inimigos.Tempos depois, ouviu um trovão e crê que é a hora de sua morte, avisa a Teseu e as filhas.Em  seguida, com o solidário testemunho de Teseu,a terra treme, se entreabre suavemente , sem violência  e sem dor Édipo é recebido, agora em paz ,pela morte.
     Outras versões apresentam pequenas variações.

3. Começando do começo...

      O mito  entre os povos  primitivos é um modo de  se situar no mundo, de encontrar seu lugar entre  os demais seres vivos, dominar o medo e a insegurança. Antecede a razão/reflexão e estabelece algumas verdades que explicam os fenômenos naturais, a construção cultural,mas  também dão as formas da ação humana. O mito está ligado a magia , ao desejo e ao querer  que as coisas aconteçam de um determinado modo,   então desenvolvem-se os rituais como meio de alcançar os acontecimentos desejados. O ritual é o mito  em ação. Também fixa modelos  exemplares para ações e funções humanas, como o tabu(proibição), torna sagrado o acontecimento que teve lugar no passado mítico, atribui sentido ao mundo. É sempre um mito coletivo  devido as necessidades dos grupos humanos, além de ser dogmático  apresentando-se como verdade que não admite  contestação , a sua  aceitação acontece através da fé e da crença. Não é  racional e não pode ser   comprovado   nem questionado e  quando isso ocorre  acontece a transgressão que afeta a  comunidade , o tabu envolto  em clima de temor e sobrenaturalidade ,cuja  desobediência  é grave, sendo assim restabelecida a ordem  através de ritos de purificação ou de “bode expiatório”,nos quais o pecado é transferido para um  animal , para restaurar o equilíbrio da comunidade e  evitar castigos divinos.
     O mito contém as contradições da sociedade que o criou (ou cria), exprimindo seus paradoxos, dúvidas e inquietações. O que pode significar muitas coisas, representar várias ideias, ser  usado em diversos  contextos, transmite mensagens cifradas, falando sério sem ser direto e óbvio , e sendo assim, precisa ser interpretado.O mitos compõe o extenso quadro das  questões de origem:  do universo, da Terra, da  vida ,do homem, das línguas. As origens sempre foram fato de preocupação humana, mas  não garante  explicação do seu estado atual.Por isso, a importância  da mensagem cifrada, o mito atrai interpretações é o que não falta no mundo são mitos.
     Na Grécia antiga, por via de regra,  as peças teatrais  formavam o pano de fundo das velhas lendas  relativas aos numes mitológicos e as  desgraças que  atingiam as infelizes famílias  dos Atridas, dos Labdácidas( a de Édipo) e dos Tindários. O  próprio teatro grego deve sua origem á  religião( celebrações em homenagem a Baco).A tragédia  devia  expressar o sentimento coletivo do mito, da lenda. Assim os gregos também aprendiam quais  eram os assuntos  proibidos, pois a  arte passa algum conhecimento. Para  os gregos  era  primordial passar esse conhecimento, pois eles creem que o homem  nasce com  o destino traçado e por isso a  grande personagem das tragédias é o destino.
     O mito de Édipo existia anteriormente como narrativa oral e foi transformado em texto teatral pela mão de Sófocles(V a.C.)  que escreveu Édipo Rei e Édipo em Colona  e uma peça sobre Antígona, a filha mais velha de Édipo. Muitos autores gregos e fora da Grécia escreveram sobre Édipo, mas a versão que prevaleceu e é a mais conhecida é a de Sófocles.A  popularidade e o desafio intelectual e emocional da  tragédia desse príncipe é de  extrema significação. Um dos mais estranhos retratos da alma humana no qual são  projetados desejos, imagens, sentidos de largo alcance.
     Em Édipo Rei  temos o recorte do mito, a história começa com Édipo como soberano de Tebas, casado com Jocasta  e  Tebas sofrendo com outra peste. Consulta o oráculo em busca de solução .A resposta é que a peste acabará quando o assassino do antigo rei for descoberto e punido. Através da investigação Édipo  descobre seu passado e que é o assassino de Laio e filho do mesmo. Jocasta comete  suicídio  e  ele se pune furando os olhos e é exilado de Tebas.
     A tragédia  grega é a última  fase da evolução pela qual passaram os ditirambos , cantados anteriormente  nas festas periódicas celebradas em honra a Baco. A preferência  dos  autores de teatro era pelas lendas antigas redigidas em triologias  ou grupos de três  peças cuja o tema se relacionava. Nas tragédias gregas não havia enredo, mistério ou surpresa. Os episódios que os autores utilizavam eram de conhecimento público, o como eram redigidas e apresentadas era o diferencial esperado para ser apreciado. A  tragédia surgiu, floresceu e alcançou o máximo do seu esplendor no decurso  do século V a.C., no apogeu da existência da Grécia em plena maturidade intelectual e comercial.
     A difusão do gosto pela tragédia  grega pelo mundo helênico, inclusive  nas cidades gregas da Ásia, da Sicília e da Itália   Meridional, se por um lado trouxe uma  fase de popularidade e fortuna para os  autores, artistas e cantores, por outro lado produziu a decadência da mesma, que acompanha de perto o declínio  grego.As composições  efêmeras não passaram á posteridade.
     As cidades gregas entram no ciclo das competições e das guerras pela conquista da hegemonia entre  outros eventos que enfraqueceram as cidades-Estados. Unida a Grécia ganha a guerra contra os persas , desunida  perde para os macedônios .E a tragédia  cedeu lugar para a filosofia.
      A tragédia  enquanto composição literária  é um mundo no qual acontece o choque entre forças opostas: o mítico e o racional.A religião olímpica  era politeísta  e reduplicava  a organização social aristocrata , o que favoreceu a mitologia , aproveitada pela literatura, ontem e no hoje.Os deuses, semideuses, e heróis  submetidos á moira(destino) e á ananké (necessidade), apresentando o destino humano como imutável e o  cosmo como algo organizado.A tragédia  como gênero literário  centra-se , principalmente na relação lúdica estabelecida entre os dois elementos. Através dos mitos, os autores trágicos  desvelaram e discutiram seus problemas morais, religiosos e filosóficos  cujas características  são  o uso da máscara , o coro, o herói trágico, o conflito entre o ethos(caráter) e o dáimon(gênio mal), tratando dos temas proibidos pela sociedade.
     Na cultura grega há o ‘eu coletivo’, um  elemento comete o crime, mas todos da comunidade pagam pelo crime. Sendo assim o plano divino e o plano humano percorrem paralelamente o mito: é preciso restabelecer a ordem cósmica .As personagens  são agentes de ação e Édipo, além disso  comete a hybris(desmedida) ao acusar Creonte injustamente e Édipo paga por isto também.A situação trágica dessa peça é  o rompimento da ordem cósmica, parricídio  e incesto.A reconciliação entre o divino e o humano ocorre através  da morte de Jocasta e o exílio de Édipo.
      O nascimento da filosofia ocorreu através  da busca de respostas além dos mitos: descobrir o como e o por quê. As questões sobre origens  permanecem como tema central das  indagações filosóficas. As religiões, as tradições e os mitos explicam, mas de  modo limitado, e ao perderem sua força explicativa a razão passou a  buscar as verdades que podem ser comprovadas sobre o mundo. Possivelmente  a Filosofia  nasceu no fim do século VII e  inicio do século VI a.C., nas colônias  gregas da Ásia  Menor na cidade de Mileto.Nasceu como conhecimento racional da ordem do mundo e da Natureza.Da ruptura com o mito através do surgimento e desenvolvimento da  razão  desfazendo  o privilégio  religioso do modo único de visão única do mundo. As explicações da filosofia  e da ciência  são empíricas e concretas , modo diferente  das visões míticas  da realidade.
     Pouco depois Aristóteles (384 a.C. a 332 a.C) utilizou Édipo Rei de Sófocles para definir  as regras de uma boa tragédia grega na sua Poética ,as quais lhe eram indispensáveis  para que uma tragédia fosse um monumento a beleza artística e moral, capaz de  produzir profundas e  duradouras impressões ele definiu que a tragédia  é imitação(mímese) de  uma ação de caráter  elevado (não no sentido de moral cristão), completa e de certa extensão, em  linguagem ornamentada, e que suscite “terror e piedade , por  efeito a purificação dessas  emoções” (Cartase).Constitui diferentes  partes: as qualitativas,principais  traços  distintivos da mímese trágica, igual aos meios, os modos e os objetivos. Meios são a  elocução(falas) e melopeia (canto coral); modo  é o  espetáculo  cênico; objetivos são o mito( a fábula) ,o caráter  e o pensamento. O mais importante para ele é a trama dos atos: a tragédia não existe sem a ação que  é o mito. E duas  partes que integram-no: a peripécia (efeito contrário de esperado) e o reconhecimento( descobrir a verdade) são meios de fascinação. A unidade extensão dependem da organização interna da peça de acordo com os critérios de necessidade  e verossimilhança,num  todo uno e  coeso. E as partes quantitativas da tragédia:  prólogo, episódio,êxodo, coral(párodo e estásimo) e kommós.
     O herói  trágico é aquele que está em uma  situação intermediaria  entre  a felicidade e a infelicidade,mas pode cair por erro (harmatia) quando impulsionado  pela desmedida(hybris).Delineia-se  o uso do ethos com o dáimon e a falha trágica, estabelece com o expectador através do clímax  para sentir temor e piedade. A peça de Sófocles possui todas as características citadas por Aristóteles.A Poética  de Aristóteles também define , além da tragédia,  a comédia e a epopeia;é também um manual de teoria  literária  utilizado na atualidade pelo curso de Letras.Para Feijó ,na teoria literária,através da evolução do teatro grego o herói sai da esfera mítica e passa a humana, em Édipo Rei pode-se fazer uma comparação dos dois momentos: no mito prevalece o destino no qual nenhum homem pode escapar e na tragédia  é derrotado diante da força do destino,mas que o humaniza, luta contra isso.O herói trágico não se conforma com o seu destino.
     Alguns anos depois de Cristo, o mito de  Édipo foi interpretado  por três  grandes pensadores  do saber ocidental: Freud (1856-1939), Foucault(1926-1984) e Lévi-Strauss(1908-    ) . De modo geral os  mitos atraem interpretações.Para  a antropologia, interpretar um mito é forma de compreender uma  determinada estrutura social: revelar o pensamento de uma sociedade, a sua  concepção da existência  e das relações que os homens devem manter entre si e  com o mundo que o cerca.A Antropologia  Social  é a disciplina  que  aprofundou essa questão. A Psicanálise e a Filosofia também interpretaram os mitos resignificando-os.
     Freud interpretou o mito de Édipo e inventou outros mitos importantes  como Totem e Tabu. A Psicanálise de Carl  Gustav Jung , conhecida como Psicologia  Analítica ou junguiana, também interpreta mitos: considera que estão todos numa região da mente humana  que ele denominou  de inconsciente coletivo, uma espécie  de repertório  que todos possuem a experiência coletiva onde se encontram os mitos.O inconsciente coletivo é algo compartilhado pela humanidade, um patrimônio comum.
      O mito pode ser  efetivo e ,portanto, verdadeiro como estimulo forte para conduzir tanto o pensamento quanto o comportamento do ser humano ao lidar com realidades existenciais importantes. Mas uma realidade relativa, pois o conceito de verdade é problemático  e o mito não se preocupa sobre a verdade( e não pretendo discorrer sobre esta polêmica,pois verdade é construída culturalmente,mas também pode ser manipulada segundo os interesses envolvidos em determinada verdade,a filosofia tratou  de teorizar melhor este assunto  ).O mito é parte da  existência e resiste as interpretações.   O mito de Édipo foi superinterpretado, mas permanece como mito grego e obra literária.
     Para Foucault, filosofo, Édipo foi utilizado na discussão em torno de uma forma específica de verdade .Para Freud,psicanalista, Édipo  aparece como um modelo de drama existencial humano:é equacionado à questão da ambivalência dos sentimentos, da  difícil  vivência de amores e ódios inconscientes no interior da tríade familiar.E para Lévi-Strauss, antropólogo social, Édipo é o mito que  representa uma espécie de paradoxo sobre se nascemos de um único ou de dois.O único ponto em comum entre os três pensadores, em suas obras foi pensarem  o mito de Édipo.
     Freud buscou auxílio nos mitos para  elaboração de alguns dos seus conceitos.Elucida elementos , aspectos da  subjetividade humana por meio deles.Édipo algo pensando estar fazendo outra coisa, governado por uma força (o destino) a  qual o empurrava sistematicamente no  sentido não desejado e fora de seu controle.Ele não sabia onde estava indo, que matara o pai e desposou a mãe.Não  era  governado pela  sua própria consciência do que era e do que queria, segundo Freud, nós também não.
     A mente humana pode ser dividida em dois grandes sistemas : o consciente  e o inconsciente.Para Freud, o inconsciente está para o consciente assim como a montanha que permanece submersa está  para a ponta do iceberg acima d’água.Os seres humanos são governados pelo inconsciente.Arena  onde se define a  existência  humana.O que nós  aproxima de Édipo.Esse intrincado jogo Freud chamou de ‘Complexo de Édipo’, o qual é um conceito que foi gradualmente construído  na obra de Freud.No início eram apenas alusões à  tragédia de Sófocles.Em 1900 , em A Interpretação dos Sonhos  menciona novamente a ideia  que somos um pouco parecidos com Édipo.A forma final do complexo de Édipo aparece nos textos de 1921 a 1931.Em linhas gerais:
     “Complexo: um conjunto de representações ou ideias ( e frequentemente  recordações de momentos reais  ou imaginários ), que estão  ligados a fortes emoções que são eliminadas do  consciente pelo recalcamento no inconsciente e que, do inconsciente, exercem uma forte influência  no comportamento. O complexo pode algumas  vezes  se tornar parcial, embora a  tarefa do recalque seja impedir que isso aconteça.
     Complexo de Édipo: nasce no curso do  desenvolvimento do Ego, entre o terceiro e quinto ano de vida e pode ser responsável ,mais tarde, por uma grande  parte dos sentimentos inconscientes de culpa.Pessoas que estão fixadas na fase  edipiana, escolhem, como parceiro sexual alguém ,de algum modo, parecido com o pai ou com a mãe.
     Complexo de castração:a rivalidade edipiana com o pai provoca nos meninos o complexo de castração.Meninas e mulheres não podem sofrer esta angústia  masculina.Mas nem por isso elas deixam de se  sentir “castradas”, de desejarem provar  a posse de um adequado substituto de pênis( simbólico);  do mesmo modo elas podem mostrar sentimentos de angústia frente aqueles órgãos, objetos ou atividades que para elas representam um equivalente do pênis.Freud viu a origem deste deste complexo na inveja do pênis. Muitas psiquiatras e o movimento das mulheres mostram-se extremamente céticas em relação a este ponto de vista.”

     Complexo é algo de difícil explicação ,complicado , e de certa forma o amor  não é bem amor, o ódio não é bem  ódio, o pai não é o pai mesmo e nem a mãe  é a mãe.Pai e mãe  são antes de tudo ‘lugares simbólicos’, funções desempenhadas, papéis exercidos frente a  criança.Freud crê na universal presença do complexo de Édipo, vivido entre os três e cinco anos e reaparece para ser superado com maior ou menor grau de êxito  na puberdade.
      Do ponto de vista da criança, ela e sua mãe (ou quem ocupa esse lugar) formam uma totalidade.O bebê humano é absolutamente dependente de alguma fonte provedora que impeça de morrer.Sozinha é radicalmente  frágil, incompleta e despreparada para existência .A mãe como fonte provedora, a alimenta, aquece e protege.É para a criança, o objeto de um forte investimento de desejo.É  algo que ela julga ser parte de si mesma, que  ela julga possuir. Mãe e criança  vivem pelo olhar da  segunda, uma relação simbiótica, de totalização e completude. Nada deverá interditar esta relação .Mas ,a relação nesses termos estaria, de fato, destinada ao fracasso. A criança deverá se constituir como sujeito, unidade individualmente .Este é o processo de separação simbólica que será acionado pela figura do pai, como representante  da lei que impedirá o livre  curso do desejo, canalizando o ódio da criança .Nessa trama encontramos o drama de Édipo, modelo dessa experiência.
     O complexo de Édipo é, neste sentido, uma  experiência  modelar de regulamentação do desejo pela lei.
      Leite observou a importância  da literatura na obra de Freud ,começando pela Interpretação dos Sonhos (1900) no qual o pai da psicanálise  interpreta o Édipo Rei de Sófocles e Hamlet de Shakespeare ,ambas obras reveladoras do complexo de Édipo.São  peças consagradas,universalmente aceitas, as quais  exercem poderosa influência sobre ele.Em Hamlet  o complexo permanece reprimido: a curiosa incerteza do caráter  do herói . O príncipe hesita  em cumprir a vingança que é pedida pelo espectro.O texto não índica a causa da ou motivo da hesitação.Freud explica que Hamlet  pode  fazer de tudo, menos matar o homem que matou seu pai e assumiu o lugar deste junto a mãe, pois este lhe mostra, realizando os seus desejos infantis.A acusação paralisa Hamlet.A interpretação de Freud buscou na tragédia  de Sófocles descobrir o sentimento inverso ao explicitamente apresentado.Apresenta “ o texto  literário ,não como uma  invenção arbitrária ,mas  como expressão das camadas mais profundas  de nossa vida mental”.
     Foucault interpreta Édipo no contexto de uma discussão histórica  ampla  sobre as formas jurídicas para fazer surgir a verdade.O processo de se estabelecer uma  verdade qualquer depende de formações sociais e contextos históricos  particulares.Analisa Édipo Rei :a profecia já está completamente realizada, o ciclo fechado, a teia do destino tecida.Ninguém das personagens sabe ainda.A peça é a busca de se descobrir algo, a verdade que está por trás da peste. Quando a verdade é descoberta o quebra-cabeças está completo.O estabelecimento da verdade traduz um instrumento de poder. Neste caso a perda de poder. As metades da verdade se encaixam para destruir Édipo .A verdade  como instrumento de poder é bem visível num tribunal: ela serve para salvar ou destruir o réu.
     Lévi-Strauss diz que  deve-se ver o mito com um olho na sociedade que o produziu e outro nos demais mitos daquele contexto. E o mito de Édipo é um mito sobre origem.Afirmação e negação de parentesco. “Nascemos de um único ou de dois?” Édipo é filho  e marido de Jocasta, pai e irmão dos seus filhos. O que faz do mito um instrumento de expressão.
      Onde mais podemos  encontrar  o mito de Édipo? Mutates mutantis e guardadas as  devidas proporções, no filme Coração Satânico dirigido por Alan Parker.Os mitos em geral fazem parte das culturas humanas antigas e as atuais,o mito de Édipo permanece em  novas tramas,outros ambientes e contextos, recria(n)do  em outras linguagens  como o filme de Parker.Édipo procurava o assassino de Laio e o detetive Harold Angel foi contratado para encontrar uma pessoa que ele descobre ser ele mesmo.Na  busca pela própria identidade as personagens centrais do mito e do filme  encontram quem procuravam: ambos buscavam eles mesmos. O cinema se alimenta de mitos para (re)criar “novas” ficções, assim como as literaturas em geral,pois ler,ouvir e/ou assistir histórias de ficção é uma necessidade humana .
     E ainda há outras interpretações  do mito edipiano: Marilena Chauí (1941-      ) também analisou o mito brevemente sob quatro ângulos: dos helenistas(contexto histórico), de Freud, o do psicanalista  Hélio Pellegrino ( a tragédia envolve o período  oral ou pré-genital da sexualidade,persecutoriamente) ,de Lévi-Strauss.
     Para os helenistas a tragédia de Sófocles é  considerada exemplar devido as contradições entre passado e presente, família e Cidade, culpa e castigo, responsabilidade e pena, destino e liberdade, direito e força, justiça e violência não se distribuem como nas outras tragédias,nas várias personagens, elas se concentram na personagem principal:Édipo.Marilena Chauí  lembra  que  o título da peça não é Édipo Rei (Oidipous Basileus) e sim Édipo Tirano(Oidipous Tyrannós) ,palavras essenciais para compreender qual é a tragédia de Édipo.O nome significa Pé Inchado, pois carrega  uma deformação física ,portanto, seu corpo não está conforme à Natureza.Édipo transferirá isso  também para sua psique  tornando-se um ser  contrário a natureza humana. Colocando-o aquém ou  abaixo  dos outros seres humanos, faz dele um monstro no sentido grego da palavra: parmakós(vicioso,impuro, venenoso).Sua  ação envenena Tebas,impurificando-a (a  peste).
      O ritual de purificação na religião  grega é a do bode  expiatório(um animal que personificará os pecados da comunidade e será sacrificado em beneficio dela) .Rito que aparece no início  da tragédia ,a procissão dos  suplicantes que depositam nos altares os ramos para o ritual de purificação, da expulsão do parmakós: aviso para o que vai acontecer no final.
     Tyrannós ,no sentido grego,não é  um ditador  violento. A palavra se opõe a baliseus: rei por  hereditariedade ou linhagem, pois o tirano neste sentido é quem conquista o poder, em vez de  herdá-lo, conquista através de suas altas e extremas virtudes, como  guerreiro,protetor e sábio.Édipo decifrou o  enigma da Esfinge e salvou a Cidade tornou-se o tirano de Tebas.Está acima e além dos demais ,mas num estado  estabelecido  de ostracismo.
     Édipo é uma contradição viva: homem que por sua  deformação (física e moral) está  abaixo dos  demais e por  suas  qualidades militares e políticas está acima dos demais: concentra dois polos extremos, é  internamente contraditório ou dividido.Contrário  à Natureza(parricida e incestuoso) e à Cidade (tirano). É um monstro .A busca ocorre por um lado por achar que Creonte  é culpado e por outro pela busca da  origem: quem sou eu? Quem são meus pais? No sentido político: numa sociedade aristocrática, para ser rei ou tirano, para chegar  ao poder , o homem depende da origem de seu sangue , da sua família. Quem é de  baixa extração, estrangeiro  ou escravo, não pode ser  rei e nem tirano.O medo da perda de poder leva Édipo a buscar sua origem e  encontra a resposta que  o destruirá por causa da sua  falta de medida( própria do tyrannós). E o enigma da Esfinge? Édipo o decifra em partes: perguntou “ quem é ,ao mesmo tempo?...”Ele esqueceu desse detalhe e  coloca o simultâneo como sucessivo(criança, adulto, velho). Descobre,sem o saber, era ele próprio e não todos os seres humanos.Ele é  ao mesmo tempo criança ( filho),adulto(pai,marido) e  velho(avô), pai e avô de seus filhos, filho e marido de sua mãe.
      Na interpretação de Freud temos o Complexo de Édipo e etc (sem reprisar as explicações).Para Chauí uma das maiores descobertas de Freud, além do sentido da sexualidade ampliada sem confundir com um  instinto da sexualidade infantil e da ideia de repressão da libido  e não a mesma causa distúrbios físicos e psíquicos, é a descoberta do inconsciente.
      Já  Hélio Pellegrino considera ter um equívoco  na interpretação freudiana de Édipo,ou seja, o fato de Freud haver situado a tragédia na fase fálica ou genital, consequência  dos estudos de Freud sobre histeria.Para Pellegrino deveria se situar antes da fase fálica e determina os problemas para esta fase.O núcleo  da tragédia é a rejeição e o abandono da Édipo por Jocasta e a ordem para ser morto.Situa  nas primeiras relações de objeto.Na verdade, Édipo odeia Jocasta.(?) “O abandono e a condenação à morte logo após o nascimento é o núcleo traumático de Édipo, a fonte  profunda e  ameaçadora de sua angústia  da  qual procura defender-se pelo impulso  incestuoso, modo de negar o abandono materno insuportável.A  fixação edipiana ou incestuosa é um sintoma  defensivo  de traumatismos ocorridos na primeira  relação de objeto: a fome incestuosa pretende disfarçar e negar as frustrações  da oral e os  impulsos destrutivos ligados a tais frustrações”.
     Ele considera que a criança  na fase oral,  sente-se estimulada para os desejos genitais,  colorindo a oralidade com a genitalidade e, depois sua sexualidade genital será fortemente  colorida pelos ressentimentos e agressividades orais( o  desejo de  devorar e o medo de ser devorado).Ocorre com as crianças  que não são ou não se sentem amadas pela mãe.Por outro lado, no esforço de preservar o  objeto materno, transfere para o pai o ódio e a agressividade, os impulsos destrutivos, pois depende mais da mãe do que do pai para  sobreviver.Criado e amado por  Mérope e Políbio, Édipo atravessou  satisfatoriamente as fases de sua sexualidade na relação com a mãe boa e o pai bom. O conflito  incestuoso situa-se  na relação com Jocasta  e Laio, os pais maus que o  abandonaram e odiaram até a morte.(?) O  oráculo , inconsciente, ao  profetizar as desgraças futuras  apenas revelou o que Édipo trazia  consigo e que  iria destruí-lo  e ele procura defender-se através da  racionalização,ou seja, uma construção  imaginária com aparência de coerência, lógica e  racionalidade para ocultar o pavor do que  vem do inconsciente.Destruir quem deseja destruí-lo. Para ter o direito de nascer, crescer e viver, precisa matar,mas ao matar, perde o direito de viver.
     A morte de Laio na encruzilhada é altamente simbolizado. A  encruzilhada:  a escolha do caminho, Laio impede Édipo de trilhar o caminho:  o pai assassino, objeto  mau que joga a criança fora da estrada da vida. A morte do velho com um golpe de bastão: o falo de Édipo destruindo o de Laio.O filho  oralmente insatisfeito  precisa da relação genital com a mãe, só possível através do  parricídio. A vitória sobre a Esfinge é a vitória sobre a mãe persecutória da fase oral e tem aberto o  caminho para o incesto.No  casamento com Jocasta ele realiza  de forma genital o desejo oral  e destrutivo.Mas a paz de Édipo é precária, a  peste é a vingança da mãe má. Ele tenta enfrentar a verdade e desvendar o enigma desse castigo, embora também tentando livrar-se culpando os outros,colocando fora de si o que estava dentro de si.Além de parricida  e incestuoso, com o suicídio de Jocasta, Édipo também se torna matricida .Ao furar os olhos,  ele mergulha nas trevas da morte, por causa da  dependência , em que fica,regride a situação infantil, ao ponto de onde nunca conseguira sair a vida toda.Assim completa o círculo de seu destino, infância interminável.
     O interesse de Lévi-Strauss( aqui há  acréscimos) pelo mito de Édipo está na estrutura do mito:o sistema de relações  que o constituem.Pois considera que a passagem da Natureza à cultura ocorre  quando é  estabelecida a proibição do incesto e, com ela ,as regras de parentesco ou alianças fundamentais na constituição das sociedades arcaicas.Por isso, procurou  demonstrar que a  estrutura ( e não a história narrada) do mito é universal ,todas as  sociedades possuem  mitos para explicar sua origem e sua organização  e em todos estes mitos  tem-se  sempre a mesma estrutura presente no mito de Édipo:1) as narrativas, começam e terminam com relações de parentesco ou consanguíneas hipervalorizadas; 2) as narrativas sempre contêm  episódios em que  as relações de parentesco ou consaguíneas são  supervalorizadas(Édipo mata o pai, Eteócles mata o irmão Polinice); 3)as narrativas sempre contém um episódio no qual um humano  destrói  um monstro subterrâneo ou ctônico, vinda da  Terra (Édipo mata a Esfinge); 4) as narrativas sempre contêm uma referência a humanos com dificuldade de andar(Lábdaco= coxo;Édipo= pé inchado;em outros mitos americanos e africanos aparecem  nomes como Pé Frouxo,Manco,Pé Torto) relação de separação com o ctônico.
     Lévi-Strauss observou a mesma  estrutura em mitos  de diferentes culturas( americanas, africanas,asiáticas).Além de que ainda  a estrutura do mito busca  resolver duas contradições:de um lado ,a afirmação e negação da autoctonia e, de outro, a valorização e desvalorização das relações de parentesco.Segundo ele, o mito é  reflexão anônima e coletiva sobre o enigma  da diferença  sexual sobre a necessidade de regras regulando as relações  entre os sexos( o sistema de parentesco) cuja a infração é delito mortal. A lei do incesto tornou-se  válida quando são reconhecidas a não-autoctonia e a  diferença sexual,pois quando se consuma a ruptura   com a Natureza, advento da Cultura.
     Já Antônio Moser(1939), teólogo, analisa o mito edipiano com referências ao estudo de  Junito Brandão que analisou as  variações do mito, o modo que Sófocles construiu  sua peça que desencadeou, bem depois, a interpretação feita por  Freud e as diferenças com a interpretação feita por Jung, além de apresentar as outras interpretações  e comentá-las(Erich Fromm, Foucault,Paul Diel, Marie Delcourt)  ; toma como ponto de partida o enigma da Esfinge para desvendar o mistério da sexualidade através de sete chaves: a  chave da  intuição contida nos mitos  ,a das ciências, a da Teologia, a da Ética, a da  experiência  da Igreja, a  da experiência pastoral e a da  configuração afetiva das pessoas homossexuais.A Esfinge  está presente em muitas culturas ,além da cultura grega:as benignas e as malignas.Tem em comum o querer  falar algo sobre o ser humano que a linguagem comum não traduz:  tematizam ângulos diferentes  do mesmo mistério em torno de seres humanos e todas as  formas de existência.Também de uma forma ou de  outra  tematizam a sexualidade e em  especial a Esfinge de Tebas.Imortalizada  por  Sófocles é a mais lembrada entre as ns reais,mais complexados e até  perversos: Laio e Édipo.
     Para Moser,Édipo que  envolto na categoria de semideus, aparece em diversas situações.O herói   de muitas lendas e mitos, emerge  como anti-herói, que não soube enfrentar devidamente o grande desfio da vida. O furar os olhos ao mesmo tempo é uma fatalidade é também  perversidade, no sentido de negar-se a  ver a luz da verdade, para enfrentá-la. Édipo ,nesta interpretação, é  mais símbolo de um ser  humano em fuga de si mesmo do que  um ser humano capaz de defrontar-se com sua própria esfinge.Teve vitórias  aparentes. Quanto ao enigma, alega que a resposta as  etapas da vida, teoricamente  simples esconde o verdadeiro sentido da questão:  o ser humano é um mistério para si  próprio e ao mesmo tempo vive rodeado de mistérios. Assim o enigma aponta para cada ser humano. O ‘resolver o enigma’ converte-se a ‘conhecer a si mesmo’, daí o sorriso irônico e misterioso da Esfinge: na vida ninguém jamais conseguirá conhecer-se  totalmente.Por isso, a Esfinge  está dentro de nós.O cerne do enigma da Esfinge, na interpretação de tragédia  sófocleana  aponta para a  sexualidade.Por isso que toda escola de Psicologia Profunda, comandada por Freud, interpretou o mito,  denominou o complexo de Édipo. Ele julga que Freud exagerou um pouco no exclusivamente sexual ,porém sua intuição estava correta.
     Um dos ângulos do enigma é o da ambivalência da sexualidade humana: o que é mais trágico no mito, segundo Moser, é que o ser humano  traz consigo as marcas da animalidade e é  o ser humano suscetível a perversão.Laio e Édipo banalizam tanto o plano humano quanto o espiritual.O que reduz o humano aos seus  instintos mais adjetos.O caminho  para  decifrar o enigma é espiritual.Diante da dura  verdade, Édipo preferiu furar os olhos. A perversidade do herói não está na força do destino ,mas na decisão pessoal de não querer ver a realidade: não assumiu as próprias sombras.
     Enquanto para o mitólogo Campbell ,a Esfinge de Tebas tem outro sentido: representa  o destino de todo ser vivente. Seu  enigma é a imagem da própria vida através do tempo:infância, maturidade, velhice e morte. As etapas da vida sempre levam à  morte, ela é aspecto da vida ,  vencer o medo da morte propícia coragem para viver: iniciação de toda aventura  heroica.
     Meletínki(1918) prefere uma leitura  jungiana e Lévi-straussiana, além de observar  a leitura de dois  freudianos: O.Rank vê  no mito o trauma do nascimento e a  tendência  de voltar ao útero materno, enquanto Adler  sublinha a tendência  do herói  efeminado  a dominar a mãe. E ele, Meletínki: Jung também reconhece o ciúme infantil e a tendência a regressão, secundariza a erotização, substitui a rivalidade pela comida. Sendo mais importante os arquétipos da “mãe”, da “criança”, da “sombra”, do animus ( da anima) ou os mitologemas arquétipos . E o argumento mítico básico de Édipo, no sentido profundo consiste na troca de gerações dos poderosos que ocorre  através  do incesto:  casar com a  viúva  do antigo  rei ( mãe de Édipo) dá acesso ao poder.E Muraro analisou como a criação e/ou  manipulação de mitos é  decisiva na formação de uma  estruturação social determinada, além de apontar por que o  complexo de Édipo  só ocorre em sociedades  patriarcais: a competição.
     Cada pensador(a) interpretou o mesmo mito com um enfoque  diferente revelando faces do mesmo mito e mesmo assim  não esgotaram-no.O que  torna o assunto inesgotável por si só.Devem existir outras interpretações,mas o objetivo não foi esgotar o assunto,pois é impossível.

    4.Mitos e a Atualidade

     Outro assunto interessante dentro do mesmo assunto ,mas  com outro foco é que há  três semelhanças entre  ideologia e o inconsciente  freudiano: 1) o fato de  adota-se crenças  sem pensar em suas causas e motivos, sem avaliar se são coerentes ou não ,e verdadeiras;2)ideologia e inconsciente  operam  através de imaginário  e do silêncio.Falar, agir e pensar o que parece ser perfeitamente natural e  racional porque a sociedade repete, aceita e incute determinada ideia  em cada pessoa através da   família,  escola ,livros, meios de comunicação, relações de trabalho, prática política,etc, e 3) inconsciente  e ideologia  não  são deliberações  voluntárias.Ambos agem se auto-ocultando  os motivos por trás de cada ação, como máscaras.
     O que tem haver com os mitos e  a humanidade atual ?Muita coisa .Os mitos não são elementos só do passado, também fazem parte do presente. Na vida urbana,dita civilizada, examinando o cotidiano é possível  perceber elementos míticos no futebol e no carnaval .Há  ritos de iniciação no comportamento do ser humano moderno: casamento, aniversário, festas de ano novo,etc.
      Os meios de comunicação para a massa  trabalham em cima de  desejos e anseios  que existem no inconsciente.Os super-heróis  dos desenhos  animados, dos quadrinhos, personagens de filmes encarnam a concepção do Bem e da Justiça assumindo a proteção imaginária dos seres humanos, exatamente porque o mundo moderno é um lugar inseguro com inflação, sequestros, violência,  instabilidade no emprego,etc. No campo político, figuras são transformadas  em heróis nas  eleições prometendo combater a inflação, a corrupção, os privilégios e demais  mordomias ,etc.Artistas e esportistas podem ser transformados  em modelos exemplares:são fortes,saudáveis ,tem sucesso na profissão, são sempre retratados  como excelentes  pais, filhos e maridos; vivem cercados de pessoas bonitas, interessantes e ricas.Essa imagem pode ser construída por eles mesmos ou pela mídia que se encarrega disso.Como não mitificá-los para o cidadão comum?Até as novelas trabalham a luta do Bem contra o Mal, liga-se aos valores  míticos, pré-reflexivos de cada ser humano e nas novelas o casamento também  é transformado em mito: é o grande anseio das mocinhas, solução de todos os problemas, apaziguamento de todas  as paixões e conflitos, por isso o final de uma novela é um festival de casamentos.Os astros e estrelas da televisão transformados em mitos são heróis sem poder real: o seu poder é  simbólico  e atua no imaginário da população.
     Os mitos na atualidade ainda tem força  para  inflamar paixões como nos casos citados ou mesmo causas políticas  e/ou religiosas,mas sem o caráter  existencial que tinha nos mitos primitivos, não abrange mais a totalidade do real.Houve  uma especialização  do trabalho e parece que ocorreu o mesmo com os mitos modernos além de especificações para cada grupo social,mitos específicos para  tribos específicas .Até a cultura pop é repleta de mitos modernos.Mitos podem ser criados instantaneamente através da publicidade e de propaganda.Etc.
     E ,concluindo, Adorno e Hokheimer  observaram a relação mito e razão, alegam que o esclarecimento perseguiu sempre o objetivo de livrar os seres humanos do medo e coloca-los  na posição de seres desencantando o mundo,visava dissolver os mitos e substituir a imaginação pelo saber.Destruir o animismo .A ciência moderna renunciando o sentido e substituiu o conceito pela fórmula , a causa pela regra e pela probabilidade,assim o esclarecimento se reconhece a  si mesmo nos mitos: é  totalitário. Os mitos  que caem vítimas dele ,já eram produto do  próprio esclarecimento. O preço do poder é a alienação daquilo sobre o que exercem  poder.Age como o ditador que conhece os outros na medida que pode manipulá-los.Radicalizou a angústia  mítica e a   intranscendência  do positivismo é o tabu. O que está “fora” gera  angústia.
     A razão sem a reflexão vira mito e  assim a  cegueira da razão esconde o regresso  do pensamento humano enquanto acontece o progresso tecnológico.A volta  no circulo uroborico  do futuro  que é a volta para o passado,em alguns  comportamentos humanos.De modo geral, os mitos fazem parte da  vida humana e  sempre estarão conosco em novas roupagens e dentro de nós. E sempre tentaremos interpretá-los.

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