Por trás de cada caso
Resumo
Breve estudo de literatura comparativa-estrutural sobre elementos
semelhantes nos livros O Relógio
Belisário de José J. Veiga e O Xangô
de Baker Street de Jô Soares.
1. Introdução:
Em
literatura existem as regras de cada
gênero ou tipo de literatura,mas são
regras que depois de estabelecidas podem
e são quebradas de acordo com a evolução e cada gênero , a mistura dos gêneros
e intencionalidade dos autores.Em literatura as regras são criadas para depois serem
quebradas.O estudo dos períodos e das escolas
literárias no Ensino Médio são a
prova disso, pois os momentos de
ruptura que são registrados como os mais
importantes , estudados e não a continuidade depois de consagrado .
No universo dos gêneros literários acontecem
boas surpresas para leitores de todos os níveis de leitura, principalmente na
elaboração das narrativas como nos casos
de e em O Relógio Belisário de José J.
Veiga e o Xangô de Baker Street de
Jô Soares nos quais encontramos Serlock Holmes, personagem de autoria original
de Conan Doyle. Nos dois romances citados temos caricaturas da
personagem de Doyle e a integração entre
o romance histórico e o policial:
ambas as personagens vão para o Brasil
no período da belle èpoque, a primeira
de férias e a segunda convidada para
resolver um caso que tem relação com outro caso.
E O Relógio Belisário há a conexão entre
as narrativas fantástica, histórica e policial: a narrativa fantástica desencadeia
as outras duas narrativas. Enquanto em O Xangô de Baker Street há a
conexão entre as narrativas histórica,
policial e cômica. O que demonstra que
na atualidade diferentes tipos de
romances podem ser reunidos numa única obra,de acordo com a intenção do autor(a). A literatura
modificou-se de acordo com as mudanças
que ocorreram no mundo e com os seres humanos.
1.1.Antes um pouco de história literária:
O romance policial
clássico nasce no século XIX, por volta de 1840, por Edgar Allan Poe (1809-1849), além da
personagem detetive, o gênero e as regras do gênero através dos seus contos: A
carta roubada,Assassinatos na Rua Morgue e o Mistério de Marie Roget;
influenciado pelos acontecimentos de sua época( crescimento das cidades,
positivismo, etc) abrindo a
possibilidade para outros tipos de
narrativa policial que surgiram depois[i].
Poe criou a tradição e o tipo clássico de detetive através da personagem
Auguste Dupin que resolve os casos através de processos lógicos.Depois dele
surgiu todo o universo dos romances policiais,
de autores e personagens.
O romance
policial clássico ou de enigma tem um enigma que desencadeia a narrativa na
qual o detetive através de seus
métodos de dedução soluciona o
crime e assim que é desvendado encerra
a narrativa que é um conjunto de duas histórias : a do crime e a do
inquérito.A investigação começa após o
crime ter acontecido e o detetive
procura desvendar o que aconteceu
para solucionar o caso e prender o culpado. O detetive não corre risco de
vida. Os casos são narrados em primeira
pessoa pelas personagens-narradoras fixas que
acompanham os detetives, esse por sua vez não é um agente oficial na
maioria dos romances.
Dentro deste
universo a personagem mais famosa é Sherlock Holmes de Conan Doyle(1859-1930).O detetive e Jhon Watson surgem em 1887 na obra
Um Estudo em Vermelho ,utilizando procedimentos técnicos científicos
como coleta de pistas , por exemplo, e raciocínio lógico para solucionar os casos.
Para Todorov “ o
bom romance policial não transgride as regras de construção,mas sim se adapta
a elas. Caso contrário estará fazendo
literatura” [ii] .Ele
também define as “três espécies” de romance
policial:
1.O clássico,ou romance de enigma, que contém duas histórias:
a do crime cometido e a do inquérito (
quem ?,como? e por quê?).Na
história do inquérito ,as
personagens descobrem raciocinando , não agem
para descobrir o criminoso. O detetive possui imunidade.
A história do inquérito é contada pelo amigo do detetive, que através dos fatos, escreve um livro sobre os
casos.
2.O romance negro ,no qual as duas histórias são fundidas em
uma .Não é apresentado em forma de memórias. O detetive arrisca a
vida e a saúde. É narrado em terceira
pessoa imparcial ou em primeira pessoa, pelo próprio detetive.
3. O romance de suspense: surge através da união de
características das duas espécies anteriormente
citadas.
2. Serlock Holmes de
Doyle
Ele, sem sombra de
dúvida,é uma criatura que fugiu ao controle de seu
criador. Embora existam outros detetives importantes no mundo do romance policial, e o próprio
Holmes tenha sido inspirado pelo Auguste Dupin de Poe, ele é o mais popular
personagem do gênero, a ponto de
haver pessoas que acreditem que ele
realmente existiu como pessoa do
mundo real, e não só como criação ficcional. A residência no 221_B da Baker Street, em Londres foi
criada para receber as cartas que
pessoas enviam endereçadas ao detetive.
Doyle escreveu
quatro romances e cinco livros de contos que imortalizaram sua personagem .Em O Estudo em Vermelho o leitor é
apresentado a personagem e a seu
método de racionalização dedutiva: através do pensamento construído através das pistas consegue reconstruir a
história do fato passado e descobrir o(s) culpado(s).Utiliza também os recursos
científicos de sua época e conhecimentos
que julga serem importantes para as investigações.
Mesmo
transcendendo como personagem imortal Holmes não deixou de ser o tipo clássico de detetive de romance policial
trabalhando com seus recursos que conjugam ciência e intuição além também de senso prático com o gosto
pela aventura.Outra posição clássica no romance policial de enigma é do
narrador testemunha: o fiel Dr. Watson
que é parte responsável pela
popularidade de Holmes,pois é através
das anotações no diário do médico que os
leitores conhecem o detetive.
Ele é o narrador
que escolhe as aventuras que devem ser relatadas. Nem todas as aventuras de
Holmes viraram narrativas policiais. O critério de seleção de Waston consiste
em privilegiar os casos que foram pouco divulgados nos jornais, os que acentuam as qualidades de Holmes, e casos
que foram esclarecidos por provas totalmente lógicas, segundo o método
preferencial do detetive. O relato da solução do mistério ocorre depois que foi solucionado
e é uma visão parcial dos fatos apresentados pelo ponto de
vista de quem sabe tanto dos fatos como
qualquer outra das personagens envolvidas no caso.Além disso o autor
deixa registro que possibilita crer que as
personagens são pessoas reais.É
um recurso ficcional para dar
credibilidade à obra de ficção , mas há
leitores que caem no jogo do autor.Como por exemplo, em Um Estudo em Vermelho: “Quando ao
que aconteceu lá o melhor a fazer é
citar o que o próprio relato do velho
caçador, conforme ficou registrado no diário do Dr. Watson a quem já
devemos tanto.”[iii]
O interesse do
público por Holmes o fez fugir ao
controle do seu criador devido admiração despertada.O autor o matou e
foi forçado a ressuscitá-lo devido ao
clamor dos leitores.Em Sherlock Holmes_ Psicológia Social Aplicada
,Truzzi[iv] recorda
que o autor quis matar a
personagem e por causa dos leitores indignados com o fato foi forçado a ressucitá-la. “A imagem de
Sherlock como epíteme da aplicação da racionalidade e do método científico ao
comportamento humano é, certamente, um
fundamental do talento do detetive para
conquistar a imaginação do
mundo.”[v]Segundo ele, o que impressiona não é a habilidade
superior de Sherlock, mas antes o
caráter razoável e a obviedade do seu “método” depois de esclarecido ao
leitor, levando a crer que seu “método”
é acessível a um atento estudante de seus “métodos”. O que esperasse
dos cientistas no mundo real é o que Holmes executa no seu mundo ficcional: mais luz e mais justiça. Ele é o herói que triunfa,
sempre por meio da lógica e do método
científico. O que fascinou leitores, criminologistas e pessoas
preocupadas com a vida real
paralela a ficção. Tanto que atualmente
muitos métodos inventados por Doyle são
usados em laboratórios científicos.A séries CSI são herdeiras desta
tradição do romance policial e também
são a continuidade evoluída do uso dos
métodos científicos atuais nas investigações policiais .
Sherlock possui
uma postura do positivismo e ceticismo
científico verdadeiramente comtiano e não crê em sobrenatural,também resume a orientação basicamente determinista da maioria das
ciências sociais modernas. Determinismo é visto como presente em todos os
níveis da vida,alinha ao lado sociológico contrariando os psicólogos. A ênfase
é colocada na procura de leis e eventos
recorrentes. Preocupa com a verificação empírica das conjecturas é um ponto
central de sua abordagem básica. Insistindo sobre a absoluta necessidade de
fatos observáveis: dados.Mas, forçados a dotar hipóteses ou “intuições”.
Às vezes, até o
detetive faz suposições equivocadas. Aparentemente também compartilha de alguns
esteriótipos e preconceitos do seu mundo vitoriano com relação a determinados grupos minoritários . Demonstra leve preconceito contra
negros e judeus. E também revela ideias falsas e incomuns a respeito dos
processos de pensamento já mencionados.
3.O romance de Veiga
Nele temos a
relação entre os romances policial, fantástico e histórico.
Segundo Todorov [vi]
,o romance fantástico acontece através de um evento sobrenatural que se insere
no mundo real. Existe através da incerteza da personagem que é compartilhada
com o leitor.Quando tem explicação ,passa a ser da categoria fantástico
estranho e quando o sobrenatural é aceito
passa a ser da categoria fantástico maravilhoso.Ele também observou a função social do fantástico: um
pretexto para falar de assuntos proibidos tanto por alguma forma de censura
institucionalizada quanto a autocensura por causa das regras sociais e é também uma forma de combater a censura.
Enquanto o romance
histórico foi um gênero surgido com o
Romantismo.Como o escritor e o artista românticos não se sentiam integrados ao mundo
industrializado e materialista da Europa do século XIX, fizeram o regresso ao
passado recriando lendas e heróis medievais ou de épocas passadas que lhes permitiam fugir à
realidade.Como o gênero passou por
mudanças com a crise do romance
moderno dependendo da intenção do
autor, a narrativa pode fugir ou enfrentar a realidade descentralizando o
discurso dominante.Ou até recontar a história
pelo visão do vencidos, a qual é sempre omitida pelos vencedores na historigrafia oficial.
Acontece do
seguinte modo no romance: Belisário é um
menino que vive no sítio de Mariano, um
desembargador aposentado, traduz para as outras pessoas as histórias que lhe são transmitidas de maneira
misteriosa por um relógio antigo o qual o
desembargador adquirira num antiquário .A partir da descoberta desta
propriedade do relógio e da capacidade
de Belisário em captar as imagens e descrevê-las, reúnem-se na sala de jantar o
desembargador, sua esposa Artemisa, os filhos Simão e Dolores e o vizinho grego
Mirkiz, especialista em ervas medicinais.Através de Belisário ficam sabendo que
o relógio foi trazido para o Brasil em 1905, por José Carlos Roche, um bibliófilo
e publicista, que o adquiriu num antiquário em Paris.
Em sua viagem de
regresso ao Brasil, Roche trava
conhecimento com um passageiro do mesmo
navio o qual descobre ser o
detetive inglês Sherlock Holmes que decidiu passar uma
temporada no Brasil na tentativa de recuperar-se do choque causado pela
morte de seu fiel auxiliar ,o Dr. Jhon Waston.Embora pretenda manter-se incógnito,
ao chegar ao Rio de Janeiro, Holmes
ajuda a desvendar o roubo na casa de
uma amiga de Roche, a condessa de
Windsor, cuja investigação está a cargo do
delegado Edgar Pahl. A pista encontrada
por Holmes , uma ponta de punhal
utilizada para arrombar a porta e as
gavetas onde se encontravam as joias da
condessa, que ele identifica como
fragmento de um Cris javanês , leva-os ao escritor Lima Barreto, conhecido
romancista que acabara de publicar o conto O
Homem que sabia javanês , e fornece a pista necessária: ele tivera a ideia para o conto
ao ver, num botequim, um homem tentar vender um punhal javanês. De posse do endereço , o delegado
vai à procura do tal homem, que
afirma ter vendido a arma para um certo
Cartucho.O delegado efetua a prisão deste último , e as joias são recuperadas.
As histórias
transmitidas pelo relógio sofrem um hiato, provavelmente correspondente a um período em que ele estivera avariado ou fora de uso. As próximas
imagens que Belisário volta a captar se
situam num período bem mais recente: nos
anos da ditadura militar.Declarando serem histórias já conhecidas, que ninguém gostaria de
reviver, Mariano decide que o melhor a
fazer é enviar Belisário à escola, e esquecer ,que o futuro reserve histórias melhores a serem
registradas pelo relógio.
Na capacidade mágica que o relógio tem de
transmitir histórias e na sensibilidade
que permite ao menino Belisário
apreendê-las e traduzi-las , temos elementos da
narrativa fantástica. Na reconstrução do ambiente da belle époque
carioca ,podemos ver uma característica
do romance histórico.Por fim, o caso solucionado por Sherlock Holmes pode ser
considerado com conto policial interpolado na narrativa do romance.
3.1. O Holmes de Veiga
É uma caricatura
da personagem de Doyle.Não é o detetive racional, está abatido
pela morte de Wastson, ele não conduz a situação, é conduzido pelos
eventos desencadeados na narrativa.A
narração é em terceira pessoa,pois o
narrador por excelência das aventuras de
Holmes é Watson. A morte dele é o que dá
credibilidade a narrativa de Veiga.Além disso, o autor rompe com as regras do romance policial tradicional e problematiza a
narrativa simplificando-a. Por quê ?
3.2. O caso
A narrativa
policial é a de enigma, na qual Holmes
participa da investigação, conhecedor de armas, reconhece que o fragmento da
faca na cena do crime é um cris javanês. O roubo das joias é a primeira
história. O inquérito é conduzido pelo delegado Edgar Pahl, que assume o comando da investigação e prende o ladrão,
seguindo as pistas indicadas ,primeiro por Holmes e a seguinte pelo jornalista Roche e depois pelo escritor Lima Barreto que
conhecera o javanês ao procurar
informações para seu famoso conto O
homem que falava javanês. A integridade física de todas as personagens é
mantida. Pahl é recompensado e o infrator é preso .Como de praxe ,o bandido ,
na notícia de jornal, é visto como inimigo da sociedade.
Dentro do contexto
da narrativa, as personagens não
questionam a causa do crime, aceitam os fato
como se apresentam. O leitor superficial
também pode ficar neste nível de leitura, mas lendo atentamente percebe-se algo mais dentro desta
narrativa aparentemente simples.O autor não monta um quebra-cabeças
como é típico no romance policial. A história é desenvolvida como um jogo de
dominó. Veiga problematiza a construção tradicional da história
policial, por incrível que pareça,
através da simplificação do caso a ser desvendado. Na época em que a narrativa acontece ,1905, é que temos a
resposta.
Jeffrey D. Needell
nos apresenta ao mundo e a ordem da belle époque num detalhado estudo sobre ela[vii]
.Foi um período conturbado , no qual a
elite carioca utilizou paradigmas culturais derivados da
aristocracia europeia para se manter, promover seus interesses e ter uma visão elevada de si
mesma. A mentalidade política era conservadora .Houve crises
de ordem econômica e social que de modos diferentes afetaram todas as
classes sociais, mas a elite se
beneficiou através de arranjos políticos. O Rio de Janeiro era um importante
centro político e sócio-econômico.A elite
afrancesou-se e consolidou a
dependência cultural do Brasil, tendo o
elemento negativo e indissociável : o caminho da civilização pelo atalho da
europeização, negando a cultura realmente brasileira.O racismo “cientifico” era usado para inferiorizar o povo no seu conceito de
civilização. O preconceito era aplicado também a quem não
soubesse falar francês. Fora da elite, a realidade era outra: a miséria
dos negros e mulatos que falavam português.
Dentro da
teoria sobre o romance policial , esse é
o mundo da ordem defendido pelo delegado Pahl.Enquanto Holmes é um detetive particular, Pahl é um
detetive que trabalha oficialmente a serviço da lei. O roubo no palacete da condessa desestrutura a ordem
estabelecida, que é restabelecida com
a prisão do ladrão e a devolução do
produto do roubo.Tem outra característica
do romance policial que é de
manter a integridade física das personagens.
4. O romance de Jô Soares
Nesse romance temos
a relação entre os romances policial, histórico ,anteriormente comentados ,
e o cômico (que é um elemento que merece atenção, embora a teoria sobre comédia
seja muito escassa).No dicionário [viii]:
obra ou representação teatral em que predominam a sátira e a graça. No sentido
figurado é fato ridículo. E comédia de
costumes: “ Teat. A que reflete
os usos e costumes, ideias e sentimentos habituais determinada sociedade,
classe ou profissão: “Martins Pena é o fundador da nossa comédia de costumes” [ix].
Para Aristóteles[x] a comédia é arte através da imitação de seres
inferiores em ações vulgares(no ponto de vista grego antigo) ,não pelo
vício,mas sim por ser o cômico uma espécie de feio. O que demonstra uma divisão valorativa pejorativa para com a comédia que
marcou o desinteresse de estudiosos quase que totalmente pela comédia .Questão
levantada por Ivo C. Bender[xi] que também resalta a existência
da Poética II na qual o assunto é
o riso ,que pouco chegou até nós. A comédia dessacraliza heróis
e deuses o que foi feito fartamente por Aristofanes.
A inferioridade
mencionada é resultado de um defeito ou
falha a qual é risível por sua insignificância . Na comédia os deuses ou os
simples mortais deixam exposto seu lado ridículo o que não pode ocorrer
na tragédia. Pode ocorrer também na paródia. O
riso implica reconhecer o ridículo, atribuir um valor determinado às ações; a comicidade é possível ser
criada no âmbito da linguagem. É
adesão do humano . Uma marca de
determinada ação seja uma falha ou um padrão de gosto que fuja à norma estabelecida: de caráter ou de aspecto
físico, mas em pequena proporção.
Para Massaud Moisés
o riso “deflagra em razão da
incongruência ou da ruptura, ainda que
breve, das regras estabelecidas pelo uso.
A comédia explora justamente
esses instantes em que o imprevisto da ação gera o ridículo ou a surpresa espontânea.”[xii]
No caso da comédia de costumes, ela visa
criticar os hábitos e costumes de uma sociedade de determinada época.
O que acontece no
romance: No Rio de Janeiro de 1886 um homem mata uma prostituta e deixa uma pista, enquanto Sarah Bernhardt, estrela de uma companhia de teatro francesa e a trupe
apresentam espetáculos na cidade.
Durante um encontro, no final do espetáculo com
D. Pedro II menciona o roubo do violino Stradivarius da marquesa de
Avaré, Maria Luísa Catarina de
Albuquerque, e como não deseja
envolvimento da polícia Sarah menciona
ser amiga de Sherlock Holmes, o grande detetive dedutivo e que Wastson
deve publicar as aventuras dele para que todos o conheçam.Num jantar com a sociedade carioca a atriz conta
o fato que se espalha rapidamente
através da coluna de fofocas do jornal.
Em Londres, no
apartamento 221 b da Baker Street, Holmes recebe o telegrama do imperador do
Brasil convidando-o para ir ao Rio de Janeiro resolver o caso do roubo do
violino sigilosamente. Ele e Wastson partem imediatamente para o Brasil .Ao ler
o jornal do commercio a imperatriz fica sabendo de todas as notícias e se enfurece. O
imperador tentou remediar ,mas não conseguindo retira-se.
No final de uma
apresentação de Sarah mais uma moça é
atacada e morta pelo assassino à noite. Quando amanhece a polícia é
chamada e o legista observa as
semelhanças com o crime anterior. O delegado Mello Pimenta encontra um cartão que a vítima ganhou da atriz francesa e ao conversar com a sua esposa,Esperidiana, que é
leitora do jornal do commercio, fica sabendo da chegada do detetive inglês que cuidará do roubo do
violino. Quando navio chega ao Rio de
Janeiro ele recebe a carta de Pimenta que lhe pede ajuda.
Sarah soube que
a moça a qual deu o cartão foi morta,
mas não tinha nenhuma informação que
pudesse ajudar o delegado.E na livraria O Recanto de Afrodite, de Miguel Solera
de Lara, que era também um ponto de encontro dos boêmios, Sarah esbarra em
Mercedes Leal que põe cartas como passatempo.A atriz pede para ela por as
cartas e a leitura índica um acidente na próxima vez que voltar ao Brasil.Outro ponto preferido da
boêmia era o Bar do Necrotério: Bilac,
Passos, Coelho Neto, Paula Nei, Azevedo,
Patrocínio, Albertino Fazelli, Chiquinha Gonzaga formam o grupo se autodenominavam a “Malta”. Reunidos discutem a chegada de Holmes, as moças mortas e o roubo do violino. O delegado
aparece por lá e já que as notícias são de
domínio público, confirma e os
convida para irem ao necrotério.Somente Passos, Nei, Neto ,Bilac e Gonzaga
aceitaram o convite e lá conversam a respeito delas. A musicista confirma
que as pistas são as cordas de violino,o
sol e o mi.
Ao chegar ao
Brasil Holmes revela que sabe falar
português aprendido em Macau, na China, Língua que Wastson não compreende. São hospedados no Hotel
Albion. Mais tarde os dois participam de um almoço com
Sarah, seu filho Maurice, o visconde de Ibiutaça e o marquês de Salles no qual
conversaram sobre a possibilidade de Watson escrever as aventuras de Holmes, os casos e amenidades.Pratos
típicos foram servidos.O detetive deseja
falar com a baronesa para saber mais
detalhes. O cocheiro particular do
imperador os leva até ela. Souberam que
um criado levou o violino para o conserto na loja Viola d’Ouro.
À noite Holmes
sente o efeito da comida, perdeu o sono e resolve dar uma volta. O homem atacou
a atriz Anna Candelária que conseguiu escapar, encontrou Holmes que correu atrás do agressor o qual despistou-o
na Biblioteca Nacional. De dia, Pimenta foi a Viola d’Ouro, confirmou com Giacomo a informação dada por
Chiquinha e encontra Holmes e Watson. A convite do marquês de Salles os três vão ao
Café Amorim e conversam sobre os assassinatos. Holmes classifica o assassino
como um serial killer e liga esse caso ao caso do violino roubado: o mesmo homem matou as moças
e roubou o instrumento.
O visconde de
Ibituaçu oferece um jantar em homenagem
a Sherlock e Sarah, comparecem a Malta, a baronesa de Avaré, Maurice, moças e
rapazes os quais voltam a falar nos casos e a
moça que escapou.Sarah alega ter visto alguém parecida com ela: Anna Candelária. O detetive procura por Anna e a encontra.
Carolina de
Lourdes sai à noite durante uma tempestade para ir a casa do pai,mas a chuva
a impede e o assassino serial a executa. No dia seguinte, Pimenta chama Holmes e Watson para verem o local do crime. No necrotério confirmam a terceira vítima do serial
killer.Vão ao hospício e entrevistam um canibal. Após participam dos eventos da
Corte como ir a Petrópolis e ao Jockey
Club. Também são levados a um
babalorixá que afirma que Holmes é filho de Xangô.
Sarah termina a
sua turnê no Brasil e parte aplaudida
por todos. Pimenta recebe uma carta do assassino Oluparun, leva para Holmes e
diz que receberam ajuda de Nina Milet
,jovem criminologista e patologista
baiano que quer ajudar a traçar o
perfil do assassino,mas a conversa foi
pouco proveitosa. À noite , o assassino mata a
baronesa de Avaré e seus
escravos, e como as outras vítimas, e
escreve na testa dela a palavra MISTÉRIO. Oluparun é Miguel Solera de Lara que
arromba o quarto de Holmes deixa o violino e um bilhete: goodbye .O imperador
deu o violino ao detetive.Holmes e Watson partem no mesmo barco que Sorela de
Lara para irem para Inglaterra, ele vai
morar em Londres. O doutor resolve escrever as aventuras de Holmes e este pede
para não escrever sobre a aventura no Brasil.
Lara recorda o jogo das pistas que Holmes não soube
ligar para desvendar o crime.E crimes semelhantes acontecem em Londres.
Ele se autodenomina Jack, o estripador.
4.1. O Holmes de
Soares
Também é uma
caricatura da personagem de Doyle. O detetive não é a infalível
máquina de pensar e não soluciona
os crimes.O que rompe com duas das principais características do romance policial: o detetive que descobre o culpado e
esse por sua vez ser punido. O assassino deste caso não é descoberto nem punido
.Além disso todas as informações sobre o
andamento das investigações são de domínio público, fato que parece prejudicar as investigações,mas é a falha
que caracteriza a comédia.
No romance
policial clássico só o detetive, a polícia e os contratantes do detetive
particular tem conhecimento de algumas
informações.Mesmo que o crime seja
de conhecimento público não há o envolvimento mássiço e direto das
personagens não ligadas ao caso como acontece no romance de Soares .Holmes
comete erros em suas deduções ,pois é um inglês pouco familiarizado com a cultura brasileira da belle époque e suas nuances.Do romance histórico temos a minuciosa recriação do
ambiente da belle époque carioca.
O texto é narrado
em terceira pessoa.Watson está vivo, acompanha Holmes,mas não é o narrador das aventuras do detetive e por
motivos óbvios a viagem ao Brasil não constará
na biografia oficial das
aventuras do detetive e também é pedido
pelo próprio ao doutor, afinal o caso não foi solucionado e o assassino
escapou.Um vexame para o infalível Holmes.Sarah
sugere no início do livro que Watson escreva as aventuras de Holmes.A sugestão é acatada no
final do livro.
Houve empenho do
autor com relação a pesquisa histórica como demonstra a bibliografia no final do romance.Recria o ambiente histórico e
ficcionalizou personagens históricos com personagens ficcionais.Intertextualiza
com os romances policiais clássicos e
personagens de outro autor,mas como caricaturas, é tempera com humor e uma boa pitada de ironia por causa do descompasso da belle époque carioca: brasileiros
que querem ser europeus enquanto europeus querem descobrir o Brasil:
Se naquela noite
Sarah realmente pensava experimentar a
comida da terra , ficou decepcionada. O cardápio, preparado por um chef francês
chamado especialmente para a ocasião,
copiava radicalmente os restaurantes de Paris. Pg.24
No romance de
Veiga a belle époque retratada é o mistério a ser revelado ou compreendido , no romance
de Soares a belle époque é retratada por dentro
com momentos de comicidade devido aos próprios paradoxos que a belle
époque proporcionava:
(...) Para muitos,
que não entendiam uma palavra do que estava sendo dito em cena, era um
espetáculo de circo, e Sarah um fenômeno tão misterioso quanto um tigre que tocasse flauta ou um
elefante equilibrista. Pg. 47 e 48.
O choque cultural entre as personagens inglesas e
francesas com o comportamento dos brasileiros da elite é inevitávelmente gera momentos cômicos.Exemplo:
_ Os trajes. Não compreendo por que os homens
todos se vestem de preto, à
europeia, num país tropical.
O detetive tocara
uma corda sensível .O costume de copiar
os coletes e as pesadas
sobrecasacas dos climas frios era motivo
de espanto e de chacota por parte dos
viajantes e até “O Mequetrefe” já fizera
charges criticando está mania.
_O senhor Holmes
há de nos perdoar,mas a civilização tem
seu preço.(...)_ respondeu a baronesa de Avaré. Pg 175.
Os males de determinadas tendências
de moda não são novos. Os brasileiros
como cita Needell[xiii]
chegaram a fazer o absurdo de vestir
roupas do inverno europeu em pleno calor
carioca de 40 graus para alcançar
a civilização, como observado no fragmento do livro.O tempo passou , a nação
hegemônica mudou e de outros modos o que ocorria
na belle époque continua acontecendo.Existem brasileiros que não gostam
do Brasil e infelizmente há muitos que só dão valor aos produtos e as pessoas
que são estrangeiras, como se tudo que fosse de fora fosse o melhor.
4.2.O caso
Há dois crimes que
são cometidos pela mesma personagem Oluparun: o
roubo do violino e os assassinatos das mulheres nos quais deixa uma corda do
violino em cada vítima.O detetive é chamado para desvendar os crimes,mas não consegue.Fato que
surpreende ,mesmo sendo uma caricatura.Porém o detetive está fora do seu habitat natural ,Londres, e não
esta familiarizado com as minúcias
culturais do país que se encontra e seus paradoxos.
Os eventos são
desencadeados como elos de corrente ligadas através das indicações das
personagens que levam ao passo seguinte da ação.Rompe a principal regra do
romance policial,pois o detetive não
“lê” as pistas corretamente, não evita
os crimes anunciados pelo assassino o qual as deixa de propósito , não descobre a identidade do
criminoso e não o prende.Heresia total com as regras do romance policial,mas são falhas que fortalecem o cômico na história.Apenas
os leitores conhecem no final a
identidade dele.O interessante é que
Lara depois se denomina Jack, o
estripador e na história real de Jack ninguém
descobriu a sua verdadeira
identidade, há apenas especulações sobre
sua verdadeira identidade, o que leva investigadores modernos a tentar
descobri-la até hoje.
5.Conclusão:
Entre Veiga e
Soares, os únicos pontos em comum no caso dos respectivos romances é o
material usado para tecer as narrativas, cada qual à sua maneira mostrou criatividade com elementos
narrativos conhecidos conectados e
oferecem aos leitores narrativas que
apresentam crítica social e humor
com leveza apesar da aparente simplicidade.
6.Referências
Bibliográficas:
Romances:
SOARES, Jô. O Xangô de Baker Street. São Paulo: Companhia
das Letras, 1995.
VEIGA, J.J.. O Relógio
Belisário. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996.
Teoria:
ADORNO, Theodor W. “Posição do narrador no romance contemporâneo”.In.: Teoria estética
.Trad. Modesto Carone.São Paulo: Abril Cultural, 1983. Col. Os Pensadores.
ARISTÓTELES.Poética. São Paulo: Ed. Nova Cultural, 1996.
BENDED,Ivo C.. Comédia e Riso: Uma poética do teatro cômico. Porto Alegre: Ed. Universidade.UFRGS/EDPUCR,1996.
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Paulo: Abril Cultural,1983.
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_____________. A alegoria. São Paulo: Ática, 1986.
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[i]
REIMÃO,Sandra Lúcia. O que é o Romance Policial. São Paulo :Brasiliense, 1983.
[ii]
TODOROV, Tzvetan. “Tipologia do Romance Policial”In.:
Estruturas Narrativas.
[iii]
Pg.144.
[iv]
TRUZZI,Marcelo. “Você conhece meu método _Uma justaposição de Charles S. Pierce
e Sherlock Holmes” In.:O signo dos três (org.) Umberto Eco e Thomas A. Seblek.
São Paulo: Perspectiva.
[v]
Idem. Pg. 59.
[vi] TODOROV,Tvetan.Introdução
à Literatura Fantástica. São Paulo: Perspectiva.
[vii] NEEDELL,Jeffrey
D.. Belle Époque Tropical: Sociedade e cultura
da elite do Rio de Janeiro na virada do século
[viii]
Novo Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa.Rio de Janeiro: Nova
Fronteira.1986. pg.435.
[ix]
Idem .pg.435.
[x]
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[xi] BENDED,Ivo
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[xii]
MOISES,Massaud.Dicionário de Termos
Literários. São Paulo:Cultrix.1995.
[xiii]
Idem :vii.
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