sábado, 14 de julho de 2012


Por trás de cada caso

Resumo
      Breve estudo de literatura comparativa-estrutural sobre elementos semelhantes nos livros O Relógio Belisário de José J. Veiga e O Xangô de Baker Street de Jô Soares.

1. Introdução:

      Em literatura  existem as regras de cada gênero ou tipo de  literatura,mas são regras que depois de estabelecidas  podem e são quebradas de acordo com a evolução e cada gênero , a mistura dos gêneros e  intencionalidade  dos autores.Em literatura  as regras são criadas para depois serem quebradas.O estudo dos períodos e das escolas   literárias no Ensino Médio são a  prova  disso, pois os momentos de ruptura  que são registrados como os mais importantes , estudados e não a continuidade depois de consagrado .
      No  universo dos gêneros literários acontecem boas surpresas para leitores de todos os níveis de leitura, principalmente na elaboração das narrativas como nos  casos de e em O Relógio Belisário de José J. Veiga e o Xangô de Baker Street de Jô Soares nos quais encontramos Serlock Holmes, personagem de autoria original de  Conan Doyle. Nos dois  romances citados temos caricaturas da personagem de Doyle  e a integração entre o  romance histórico e o policial: ambas  as personagens vão para o Brasil no período  da belle èpoque, a primeira de férias  e a segunda convidada para resolver um caso que tem relação com outro caso.
     E O Relógio Belisário há a conexão entre as narrativas fantástica, histórica e policial: a  narrativa fantástica  desencadeia  as outras duas narrativas. Enquanto em O Xangô de Baker Street  há a conexão entre as  narrativas histórica, policial e cômica. O que demonstra  que na atualidade  diferentes tipos de romances podem ser reunidos numa única obra,de acordo com  a intenção do autor(a). A literatura modificou-se de  acordo com as mudanças que ocorreram no mundo e  com os  seres humanos.
1.1.Antes um pouco de história literária:
     O romance policial clássico nasce no século XIX, por volta de 1840, por  Edgar Allan Poe (1809-1849), além da personagem detetive, o gênero e as regras do gênero através dos seus contos: A carta roubada,Assassinatos na Rua Morgue e o Mistério de Marie Roget; influenciado pelos acontecimentos de sua época( crescimento das cidades, positivismo, etc)  abrindo a possibilidade para outros tipos de  narrativa policial que surgiram depois[i]. Poe criou a tradição e o tipo clássico de detetive através da personagem Auguste Dupin que resolve os casos através de processos lógicos.Depois dele surgiu todo o universo dos romances policiais,  de autores e personagens.
      O romance policial clássico ou de enigma tem um enigma que desencadeia a narrativa na qual o detetive através  de seus métodos  de dedução soluciona o crime  e assim que é desvendado  encerra  a narrativa que é um conjunto de duas histórias : a do crime e a do inquérito.A investigação começa  após o crime  ter acontecido e o detetive procura desvendar o que  aconteceu para  solucionar o caso e prender  o culpado. O detetive não corre risco de vida. Os casos são narrados  em primeira pessoa pelas personagens-narradoras fixas que  acompanham os detetives, esse por sua vez não é um agente oficial na maioria dos romances.
     Dentro deste universo a personagem mais famosa é Sherlock Holmes de Conan Doyle(1859-1930).O  detetive e Jhon Watson surgem em 1887 na obra Um Estudo em Vermelho ,utilizando procedimentos técnicos  científicos  como coleta de pistas , por exemplo, e raciocínio lógico  para solucionar os casos.
     Para Todorov “ o bom romance policial não transgride as regras de construção,mas sim se adapta a  elas. Caso contrário estará fazendo literatura” [ii] .Ele também define as “três espécies” de romance  policial:
1.O clássico,ou romance de enigma, que contém duas histórias: a do crime cometido e a  do inquérito ( quem ?,como? e por quê?).Na  história  do inquérito ,as personagens descobrem raciocinando , não agem  para descobrir o criminoso. O detetive possui  imunidade.  A história do  inquérito  é contada pelo amigo do detetive, que  através dos fatos, escreve um livro sobre os casos.
2.O romance negro ,no qual as duas histórias são fundidas em uma .Não é  apresentado  em forma de memórias. O detetive arrisca a vida e a saúde. É  narrado em terceira pessoa  imparcial  ou em primeira pessoa, pelo próprio detetive.
3. O romance de suspense: surge através da união de características das duas espécies anteriormente  citadas.
2. Serlock  Holmes de Doyle
     Ele, sem sombra de dúvida,é  uma  criatura que fugiu ao controle de seu criador. Embora existam outros detetives importantes no mundo do romance policial,  e o próprio  Holmes tenha sido inspirado pelo Auguste Dupin de Poe, ele é o mais  popular  personagem do gênero, a  ponto de haver pessoas que acreditem que ele  realmente  existiu como pessoa do mundo real, e não só como criação ficcional. A residência  no 221_B da Baker Street, em Londres foi criada para receber  as cartas que pessoas  enviam endereçadas ao  detetive.
     Doyle escreveu quatro romances e cinco livros de contos que imortalizaram sua personagem .Em O Estudo em Vermelho  o leitor é  apresentado a personagem e a seu  método de racionalização dedutiva: através do pensamento construído  através das pistas consegue reconstruir a história do fato passado e descobrir o(s) culpado(s).Utiliza também os recursos científicos  de sua época e conhecimentos que julga serem importantes para as investigações.
     Mesmo transcendendo como personagem imortal Holmes não deixou de ser o tipo  clássico de detetive de romance policial trabalhando com seus recursos que conjugam ciência e intuição além  também de senso prático  com o gosto  pela aventura.Outra posição clássica no romance policial de enigma é do narrador  testemunha: o fiel Dr. Watson que é  parte responsável pela popularidade de Holmes,pois é  através das anotações no diário  do médico que os leitores conhecem o detetive.
     Ele é o narrador que escolhe as aventuras que devem ser relatadas. Nem todas as aventuras de Holmes viraram narrativas policiais. O critério de seleção de Waston consiste em  privilegiar os casos que foram  pouco divulgados nos jornais, os que  acentuam as qualidades de Holmes, e  casos  que foram esclarecidos por provas totalmente lógicas, segundo o método preferencial do detetive. O relato da solução  do mistério ocorre depois que foi solucionado e é uma  visão  parcial dos fatos apresentados pelo ponto de vista de quem sabe tanto dos fatos como  qualquer outra das personagens envolvidas no caso.Além disso o autor deixa registro que possibilita crer que as  personagens são  pessoas reais.É um recurso ficcional para  dar credibilidade à obra de ficção , mas há  leitores que caem no jogo do autor.Como por exemplo, em Um Estudo em Vermelho: “Quando ao que  aconteceu lá o melhor a fazer é citar o que  o próprio relato do velho caçador, conforme ficou registrado no diário do Dr. Watson  a quem já  devemos  tanto.”[iii]
     O interesse do público por Holmes  o fez fugir  ao  controle do seu criador devido admiração despertada.O autor o matou e foi forçado a ressuscitá-lo devido   ao clamor  dos leitores.Em Sherlock Holmes_ Psicológia Social Aplicada ,Truzzi[iv]  recorda  que o autor quis  matar a personagem e por causa dos leitores indignados com o fato  foi forçado a ressucitá-la. “A imagem de Sherlock como epíteme da aplicação da racionalidade e do método científico ao comportamento humano é, certamente, um  fundamental do talento do detetive para  conquistar a  imaginação do mundo.”[v]Segundo  ele, o que impressiona não é a  habilidade  superior de Sherlock, mas  antes o caráter razoável e a  obviedade  do seu “método” depois de esclarecido ao leitor, levando a crer que  seu “método” é acessível a um  atento  estudante de seus “métodos”. O que esperasse dos cientistas no mundo  real é  o que Holmes executa no  seu mundo ficcional: mais luz  e mais justiça. Ele é o herói que triunfa, sempre por  meio da lógica e do método científico. O que fascinou leitores, criminologistas  e pessoas  preocupadas com a  vida real paralela a ficção. Tanto que  atualmente muitos  métodos inventados por Doyle são usados em  laboratórios  científicos.A séries CSI são herdeiras desta tradição  do romance policial e também são a continuidade  evoluída do uso dos métodos científicos atuais nas investigações policiais  .
     Sherlock possui uma postura  do positivismo e ceticismo científico verdadeiramente comtiano e não crê em  sobrenatural,também resume a orientação  basicamente determinista da maioria das ciências sociais modernas. Determinismo é visto como presente em todos os níveis da vida,alinha ao lado sociológico contrariando os psicólogos. A ênfase é colocada na  procura de leis e eventos recorrentes. Preocupa com a verificação empírica das conjecturas é um ponto central de sua abordagem básica. Insistindo sobre a absoluta necessidade de fatos observáveis: dados.Mas, forçados a dotar hipóteses ou “intuições”.
    Às vezes, até o detetive faz suposições equivocadas. Aparentemente também compartilha de alguns esteriótipos e preconceitos do seu mundo vitoriano com relação a  determinados grupos  minoritários . Demonstra leve preconceito contra negros e judeus. E também revela ideias falsas e incomuns a respeito dos processos de pensamento já mencionados.
 3.O romance de Veiga
     Nele temos a relação  entre  os romances policial, fantástico e histórico.
      Segundo Todorov [vi] ,o romance fantástico acontece através de um evento sobrenatural que se insere no mundo real. Existe  através da  incerteza da personagem que é compartilhada com o leitor.Quando tem explicação ,passa a ser da categoria fantástico estranho e quando o sobrenatural é aceito  passa a ser da categoria fantástico maravilhoso.Ele também  observou a função social do fantástico: um pretexto para  falar de assuntos  proibidos tanto por alguma forma de censura institucionalizada quanto a autocensura por causa das  regras sociais e é  também uma forma de combater a censura.
     Enquanto o romance histórico foi um gênero  surgido com o Romantismo.Como o escritor e o artista românticos  não se sentiam integrados ao mundo industrializado e materialista da Europa do século XIX, fizeram o regresso ao passado  recriando  lendas e heróis medievais ou de  épocas passadas que lhes permitiam fugir à realidade.Como o gênero  passou por mudanças com a crise  do  romance  moderno dependendo da  intenção do autor, a narrativa pode fugir ou enfrentar a realidade descentralizando o discurso dominante.Ou até recontar a história  pelo visão do vencidos, a qual é sempre omitida pelos  vencedores na historigrafia oficial.
     Acontece do seguinte modo no romance: Belisário é  um menino que  vive no sítio de Mariano, um desembargador  aposentado, traduz  para as outras pessoas as  histórias que lhe são transmitidas de maneira misteriosa por um relógio  antigo  o qual o  desembargador adquirira num antiquário .A partir da descoberta desta propriedade do relógio  e da capacidade de Belisário  em captar as imagens  e descrevê-las, reúnem-se na sala de jantar o desembargador, sua esposa Artemisa, os filhos Simão e Dolores e o vizinho grego Mirkiz, especialista em ervas medicinais.Através de Belisário ficam sabendo que o relógio foi trazido para o Brasil em 1905, por José Carlos Roche, um bibliófilo e publicista, que o adquiriu num antiquário em Paris.
     Em sua viagem de regresso ao Brasil, Roche  trava conhecimento com  um passageiro do mesmo navio  o qual descobre  ser o  detetive inglês Sherlock Holmes que decidiu passar  uma  temporada no Brasil na tentativa de recuperar-se do choque causado pela morte  de seu fiel auxiliar ,o Dr. Jhon  Waston.Embora pretenda manter-se incógnito, ao chegar ao Rio de  Janeiro, Holmes ajuda a desvendar o roubo na casa  de uma  amiga de Roche, a condessa de Windsor, cuja investigação está a cargo do  delegado Edgar Pahl. A pista encontrada  por Holmes , uma  ponta de punhal utilizada  para arrombar a porta e as gavetas onde se encontravam as joias  da condessa, que  ele identifica como fragmento de um Cris javanês , leva-os ao escritor Lima Barreto, conhecido romancista  que  acabara de publicar  o conto O Homem  que sabia  javanês  , e fornece a pista  necessária: ele tivera a ideia para o conto ao ver, num botequim, um homem tentar vender um punhal  javanês. De posse do endereço , o delegado vai à  procura do tal homem, que afirma  ter vendido a arma para um certo Cartucho.O  delegado efetua  a prisão deste último , e as joias são  recuperadas.
     As histórias transmitidas pelo relógio sofrem um hiato, provavelmente correspondente  a um período em que ele  estivera avariado ou fora de uso. As próximas imagens que Belisário volta  a captar se situam num período bem mais  recente: nos anos da ditadura militar.Declarando serem histórias  já conhecidas, que ninguém gostaria de reviver, Mariano decide que  o melhor a fazer é  enviar Belisário à  escola, e esquecer ,que o  futuro reserve histórias melhores a serem registradas pelo relógio.
     Na  capacidade mágica que o relógio tem de transmitir histórias  e na sensibilidade que permite  ao menino Belisário apreendê-las  e traduzi-las , temos  elementos da  narrativa fantástica. Na  reconstrução do ambiente da belle époque carioca ,podemos ver uma  característica do romance histórico.Por fim, o caso solucionado por Sherlock Holmes pode ser considerado com conto policial interpolado na narrativa do romance.
3.1. O Holmes  de Veiga
     É uma caricatura da  personagem de  Doyle.Não é o detetive racional, está  abatido  pela morte de Wastson, ele não conduz a situação, é conduzido pelos eventos desencadeados  na narrativa.A narração é  em terceira pessoa,pois o narrador por excelência  das aventuras de Holmes  é Watson. A morte dele é o que dá credibilidade a narrativa de Veiga.Além disso, o autor rompe  com as regras do romance  policial tradicional e problematiza a narrativa simplificando-a. Por quê ?
3.2. O caso
     A narrativa policial é a  de enigma, na qual Holmes participa da investigação, conhecedor de armas, reconhece que o fragmento da faca  na cena do crime é  um cris   javanês. O roubo das joias é a primeira história. O inquérito é conduzido pelo delegado Edgar Pahl, que assume  o comando da investigação e prende o ladrão, seguindo as pistas indicadas ,primeiro por Holmes  e a seguinte pelo jornalista  Roche e depois pelo escritor Lima Barreto que conhecera o javanês  ao procurar informações para seu famoso conto O homem que falava javanês. A integridade física de todas as personagens é mantida. Pahl é recompensado e o infrator é preso .Como de praxe ,o bandido , na notícia de jornal, é visto como inimigo da sociedade.
     Dentro do contexto da  narrativa, as personagens não questionam a causa do crime, aceitam os fato  como se apresentam. O leitor superficial  também pode ficar neste nível de leitura, mas lendo atentamente  percebe-se algo mais dentro desta narrativa  aparentemente  simples.O autor não monta um quebra-cabeças como é típico no romance policial. A história é desenvolvida como um jogo de dominó. Veiga  problematiza  a construção tradicional da história policial, por incrível  que pareça, através da simplificação do caso a ser desvendado. Na época em que  a narrativa acontece ,1905, é que temos a resposta.
     Jeffrey D. Needell nos apresenta ao mundo e a ordem da belle époque num detalhado estudo sobre ela[vii] .Foi um período conturbado , no qual a  elite carioca utilizou paradigmas culturais derivados da aristocracia  europeia  para se manter, promover seus  interesses e ter uma visão elevada de si mesma. A mentalidade política era conservadora  .Houve crises  de ordem econômica e social que de modos diferentes afetaram todas as classes  sociais, mas a elite se beneficiou através de arranjos políticos. O Rio de Janeiro era um importante centro político e sócio-econômico.A elite  afrancesou-se  e consolidou a dependência  cultural do Brasil, tendo o elemento negativo e indissociável : o caminho da civilização pelo atalho da europeização, negando a cultura realmente brasileira.O  racismo “cientifico”  era usado para  inferiorizar o povo no seu conceito de civilização. O preconceito era aplicado também a  quem não  soubesse falar francês. Fora da elite, a realidade era outra: a miséria dos negros e mulatos que falavam português.
     Dentro da teoria  sobre o romance policial , esse é o mundo da ordem defendido pelo delegado Pahl.Enquanto  Holmes é um detetive particular, Pahl é um detetive que trabalha oficialmente a serviço da lei. O roubo  no palacete da condessa desestrutura a ordem estabelecida, que é restabelecida  com a  prisão do ladrão e a devolução do produto do roubo.Tem outra característica  do romance policial  que é de manter a integridade física das personagens.
4. O romance de Jô Soares
     Nesse romance temos a relação entre os romances policial, histórico ,anteriormente comentados , e   o cômico (que é um elemento que  merece atenção, embora a teoria sobre comédia seja muito escassa).No dicionário [viii]: obra ou representação teatral em que predominam a sátira e a graça. No sentido figurado é fato ridículo. E comédia de  costumes:  “ Teat. A que reflete os usos e costumes, ideias e sentimentos habituais determinada sociedade, classe ou profissão: “Martins Pena é o fundador da nossa comédia de costumes” [ix].
      Para Aristóteles[x]  a comédia é arte através da imitação de seres inferiores em ações vulgares(no ponto de vista grego antigo) ,não pelo vício,mas sim por ser o cômico uma espécie de feio. O que  demonstra uma divisão  valorativa pejorativa para com a comédia que marcou o  desinteresse de estudiosos  quase que totalmente pela comédia .Questão levantada por Ivo C. Bender[xi]  que também resalta a  existência  da Poética II na qual o assunto  é o riso ,que pouco chegou até nós. A comédia dessacraliza  heróis  e deuses o que foi feito fartamente por Aristofanes.
     A inferioridade mencionada é  resultado de um defeito ou falha a qual é risível por sua insignificância . Na  comédia os deuses  ou os  simples mortais deixam exposto seu lado ridículo o que não pode ocorrer na tragédia. Pode ocorrer também na paródia. O   riso implica reconhecer o ridículo, atribuir um valor determinado  às ações; a comicidade é possível  ser  criada no âmbito da linguagem. É  adesão do humano . Uma marca de  determinada ação seja uma falha ou um padrão de gosto que fuja à  norma estabelecida: de caráter ou de aspecto físico, mas em pequena proporção.
    Para Massaud Moisés o riso “deflagra em razão  da incongruência ou da  ruptura, ainda que breve, das regras estabelecidas pelo uso.  A comédia explora  justamente esses instantes  em  que o imprevisto da ação gera o ridículo ou a  surpresa espontânea.”[xii] No caso da comédia de costumes, ela  visa criticar os hábitos e costumes de uma sociedade de determinada época.
      O que acontece no romance: No Rio de Janeiro de 1886 um homem mata uma  prostituta e deixa uma pista, enquanto  Sarah Bernhardt, estrela de uma  companhia de teatro francesa e a trupe apresentam  espetáculos na cidade. Durante um encontro, no final do espetáculo com  D. Pedro II menciona o roubo do violino Stradivarius da marquesa de Avaré, Maria Luísa  Catarina de Albuquerque, e como não  deseja envolvimento da polícia Sarah  menciona ser amiga de Sherlock Holmes, o grande detetive dedutivo e que Wastson deve  publicar as aventuras  dele para que todos o conheçam.Num  jantar com a sociedade carioca a atriz conta o fato  que se espalha rapidamente através da coluna de fofocas do  jornal.
     Em Londres, no apartamento 221 b da Baker Street, Holmes recebe o telegrama do imperador do Brasil convidando-o para ir ao Rio de Janeiro resolver o caso do roubo do violino sigilosamente. Ele e Wastson partem imediatamente para o Brasil .Ao ler o jornal do  commercio  a imperatriz fica sabendo  de todas as notícias e se enfurece. O imperador tentou remediar ,mas não conseguindo retira-se.
      No final de uma apresentação de Sarah  mais uma moça é atacada e morta pelo assassino à noite. Quando amanhece a polícia  é  chamada e o legista  observa as semelhanças com o crime anterior. O delegado Mello  Pimenta encontra  um cartão que a  vítima ganhou da atriz  francesa e ao conversar  com a sua esposa,Esperidiana,  que  é leitora do jornal do commercio, fica sabendo da chegada do  detetive inglês que cuidará do roubo do violino. Quando navio chega ao  Rio de Janeiro ele recebe a carta de Pimenta que lhe pede ajuda.
      Sarah soube que a  moça a qual deu o cartão foi morta, mas não  tinha nenhuma informação que pudesse ajudar o delegado.E na livraria O Recanto de Afrodite, de Miguel Solera de Lara, que era também um ponto de encontro dos boêmios, Sarah esbarra em Mercedes Leal que põe cartas como passatempo.A atriz pede para ela por as cartas e a leitura índica um acidente na próxima vez  que voltar ao Brasil.Outro ponto preferido da boêmia era o Bar do Necrotério:  Bilac, Passos, Coelho Neto, Paula  Nei, Azevedo, Patrocínio, Albertino Fazelli, Chiquinha Gonzaga  formam o grupo  se autodenominavam a “Malta”. Reunidos  discutem a chegada de Holmes, as moças  mortas e o roubo do violino. O delegado aparece por lá e já que as notícias são de  domínio  público, confirma e os convida para irem ao necrotério.Somente Passos, Nei, Neto ,Bilac e Gonzaga aceitaram o convite e lá conversam a respeito delas. A musicista confirma que  as pistas são as cordas de violino,o sol e o mi.
     Ao chegar ao Brasil Holmes revela que  sabe falar português aprendido em Macau, na China, Língua que Wastson não  compreende. São hospedados no Hotel Albion.  Mais  tarde os dois participam de um almoço com Sarah, seu filho Maurice, o visconde de Ibiutaça e o marquês de Salles no qual conversaram sobre a possibilidade de Watson escrever as aventuras  de Holmes, os casos e amenidades.Pratos típicos  foram servidos.O detetive deseja falar com a baronesa  para saber mais detalhes. O cocheiro particular  do imperador os leva até ela. Souberam que  um criado levou o violino para o conserto na loja  Viola d’Ouro.
      À noite Holmes sente o efeito da comida, perdeu o sono e resolve dar uma volta. O homem atacou a atriz Anna Candelária que conseguiu escapar, encontrou Holmes que  correu atrás do agressor o qual despistou-o na Biblioteca Nacional. De dia, Pimenta foi a Viola d’Ouro,  confirmou com Giacomo a informação dada por Chiquinha e encontra Holmes e  Watson. A  convite do marquês de Salles os três vão ao Café Amorim e conversam sobre os assassinatos. Holmes classifica o assassino como um serial killer e liga esse caso ao caso do  violino roubado: o mesmo homem matou as moças e roubou o instrumento.
     O visconde de Ibituaçu oferece um jantar  em homenagem a Sherlock e Sarah, comparecem a Malta, a baronesa de Avaré, Maurice, moças e rapazes os quais voltam a falar nos casos e a  moça que escapou.Sarah alega ter visto alguém  parecida com ela: Anna Candelária. O  detetive procura por Anna e a  encontra.
     Carolina de Lourdes  sai à noite durante uma  tempestade para ir a casa do pai,mas a chuva a impede e o assassino serial a executa. No dia seguinte, Pimenta chama Holmes  e Watson para verem  o local do crime. No necrotério  confirmam a terceira vítima do serial killer.Vão ao hospício e entrevistam um canibal. Após participam dos eventos da Corte como ir a Petrópolis e ao Jockey  Club. Também  são levados a um babalorixá  que afirma  que Holmes é filho de Xangô.
     Sarah termina a sua turnê  no Brasil e parte aplaudida por todos. Pimenta recebe uma carta do assassino Oluparun, leva para Holmes e diz que receberam ajuda  de Nina Milet ,jovem criminologista e patologista  baiano  que quer ajudar a traçar o perfil do assassino,mas a conversa  foi pouco proveitosa. À noite , o assassino mata a  baronesa de  Avaré e seus escravos, e como as outras  vítimas, e escreve na testa dela a palavra MISTÉRIO. Oluparun é Miguel Solera de Lara que arromba o quarto de Holmes deixa o violino e um bilhete: goodbye .O imperador deu o violino ao detetive.Holmes e Watson partem no mesmo barco que Sorela de Lara  para irem para Inglaterra, ele vai morar em Londres. O doutor resolve escrever as aventuras de Holmes e este pede para não escrever sobre a aventura no Brasil.
     Lara recorda  o jogo das pistas que Holmes  não soube  ligar para desvendar o crime.E crimes semelhantes acontecem em Londres. Ele se autodenomina Jack, o estripador.
4.1. O  Holmes de Soares
    Também é uma caricatura da personagem de Doyle. O detetive não é a  infalível  máquina de pensar  e não soluciona os crimes.O  que rompe com duas das  principais características do romance  policial: o detetive que descobre o culpado e esse por sua vez ser punido. O assassino deste caso não é descoberto nem punido .Além disso todas as  informações sobre o andamento das  investigações são de  domínio público, fato que parece prejudicar  as investigações,mas  é  a falha que caracteriza a comédia.
     No romance policial clássico só o detetive, a polícia e os contratantes do detetive particular tem  conhecimento de algumas informações.Mesmo que o crime  seja de  conhecimento  público não há  o envolvimento mássiço e direto das personagens não ligadas ao caso como acontece no romance de Soares .Holmes comete erros  em suas deduções ,pois  é um inglês pouco familiarizado  com a cultura brasileira da belle époque  e suas nuances.Do romance  histórico temos a minuciosa recriação do ambiente da belle époque  carioca.
     O texto é narrado em terceira pessoa.Watson está vivo, acompanha Holmes,mas não é o  narrador das aventuras do detetive e por motivos óbvios a viagem ao Brasil não constará  na biografia  oficial das aventuras do  detetive e também é pedido pelo próprio ao doutor, afinal o caso não foi solucionado e o assassino escapou.Um vexame para  o infalível  Holmes.Sarah  sugere no início do livro que Watson escreva as  aventuras de Holmes.A sugestão é acatada no final do livro.
     Houve empenho do autor com relação a pesquisa histórica como demonstra  a bibliografia  no final do romance.Recria  o ambiente histórico  e  ficcionalizou personagens históricos com personagens ficcionais.Intertextualiza com os romances policiais  clássicos e personagens de outro autor,mas como caricaturas, é  tempera com humor  e uma boa pitada de ironia por causa  do descompasso da belle époque carioca: brasileiros que querem ser europeus enquanto europeus querem descobrir o Brasil:
     Se naquela noite Sarah realmente  pensava experimentar a comida da terra , ficou decepcionada. O cardápio, preparado por um chef francês chamado especialmente para a  ocasião, copiava radicalmente os restaurantes de Paris. Pg.24
     No romance de Veiga  a belle époque  retratada é o mistério  a ser revelado ou compreendido , no romance de Soares a belle époque é retratada por dentro  com momentos de comicidade devido aos próprios paradoxos que a belle époque proporcionava:
     (...) Para muitos, que não entendiam uma palavra do que estava sendo dito em cena, era um espetáculo de circo, e Sarah um fenômeno tão misterioso  quanto um tigre que tocasse flauta ou um elefante equilibrista. Pg. 47 e 48.
     O choque  cultural entre as personagens inglesas e francesas com o comportamento dos brasileiros da elite é inevitávelmente  gera momentos cômicos.Exemplo:
     _ Os trajes. Não compreendo por que os  homens  todos se vestem de preto, à  europeia, num país  tropical.
     O detetive tocara uma corda sensível .O costume de copiar  os  coletes e as pesadas sobrecasacas dos climas frios  era motivo de espanto e de chacota  por parte dos viajantes e até  “O Mequetrefe” já  fizera  charges criticando está mania.
     _O senhor Holmes há de nos  perdoar,mas a civilização tem seu preço.(...)_ respondeu a baronesa de Avaré. Pg 175.
     Os males de determinadas tendências de moda não são novos. Os  brasileiros como cita Needell[xiii] chegaram  a fazer o absurdo de vestir roupas do inverno europeu em pleno calor  carioca  de 40 graus para alcançar a civilização, como observado no fragmento do livro.O tempo passou , a nação hegemônica  mudou e de outros modos  o que ocorria  na belle époque continua acontecendo.Existem brasileiros que não gostam do Brasil e infelizmente  há muitos  que só dão valor aos produtos e as pessoas que são estrangeiras, como se tudo que fosse de fora fosse o melhor.
4.2.O caso
     Há dois crimes que são cometidos pela mesma personagem Oluparun: o  roubo do violino e os assassinatos das mulheres nos quais deixa uma  corda do  violino em cada vítima.O detetive é chamado  para desvendar  os crimes,mas não consegue.Fato que surpreende ,mesmo sendo uma caricatura.Porém o detetive está  fora do seu habitat natural ,Londres, e não esta familiarizado com as minúcias  culturais do país que se encontra e seus paradoxos.
      Os eventos são desencadeados como elos de corrente ligadas através das indicações das personagens que levam ao passo seguinte da ação.Rompe a principal regra do romance  policial,pois o detetive não “lê”  as pistas corretamente, não evita os crimes anunciados pelo assassino o qual as deixa de  propósito , não descobre a identidade do criminoso e não o prende.Heresia total com as regras do romance policial,mas  são falhas que fortalecem o cômico na história.Apenas os leitores  conhecem no final a identidade  dele.O interessante é que Lara depois  se denomina Jack, o estripador e na história real de Jack ninguém  descobriu a sua  verdadeira identidade, há  apenas especulações sobre sua verdadeira identidade, o que leva investigadores modernos a tentar descobri-la até hoje.
5.Conclusão:
     Entre Veiga e Soares, os  únicos pontos  em comum no caso dos respectivos romances é o material usado para tecer as narrativas, cada qual à sua maneira  mostrou criatividade com elementos narrativos  conhecidos conectados e oferecem aos leitores narrativas que  apresentam  crítica social e humor com leveza apesar da  aparente  simplicidade.
6.Referências  Bibliográficas:
Romances:
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Teoria:
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________________.Introdução a Literatura Fantástica. São Paulo: Perspectiva, 1975.
STALLONI, Yves.Os gêneros literários. Trad. Flávia Nascimento. Rio de Janeiro: Defil, 2001.
TRUZZI, Marcelo. “Você conhece meu método _ Uma justaposição de Charles S. Pierce e  Sherlock Holmes” In.: O signo dos três. (Org.) Umberto Eco e Thomas A Sebok. São Paulo: Perspectiva.
       

   


    


[i] REIMÃO,Sandra Lúcia. O que é o Romance Policial. São Paulo :Brasiliense, 1983.
[ii] TODOROV, Tzvetan. “Tipologia  do Romance Policial”In.: Estruturas Narrativas.
[iii] Pg.144.
[iv] TRUZZI,Marcelo. “Você conhece meu método _Uma justaposição de Charles S. Pierce e Sherlock Holmes” In.:O signo dos três (org.) Umberto Eco e Thomas A. Seblek. São Paulo: Perspectiva.
[v] Idem. Pg. 59.
[vi] TODOROV,Tvetan.Introdução à Literatura Fantástica. São Paulo: Perspectiva.
[vii] NEEDELL,Jeffrey D.. Belle Époque Tropical: Sociedade e cultura  da elite do Rio de Janeiro na virada do século
[viii] Novo Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa.Rio de Janeiro: Nova Fronteira.1986. pg.435.
[ix] Idem .pg.435.
[x] ARISTÓTELES. Poética. São Paulo:Editora Nova Cultural, 1996.
[xi] BENDED,Ivo C.. Comédia e Riso: Uma poética do teatro cômico. Porto Alegre:Ed. Universidade., UFRGS/EDPUCRS, 1996.
[xii] MOISES,Massaud.Dicionário  de Termos Literários. São Paulo:Cultrix.1995.
[xiii] Idem :vii.

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